- Nº 2612 (2023/12/21)

O liberalismo…

Opinião

Ontem terá tido lugar em Buenos Aires a primeira grande manifestação de repúdio e rejeição das medidas anunciadas pelo governo dirigido pelo recém-eleito Presidente da Argentina, Javier Milei.

Javier Milei, de extrema-direita, arauto do selvagem liberalismo, foi a «lebre» que o grande capital lançou na Argentina, face a uma direita desacreditada e personificada no ex-Presidente Mauricio Macri (2015-2019) – que não se mostrava em condições de disputar seriamente as eleições presidenciais –, e a insatisfação perante a política do governo de Alberto Fernández (2019-2023).

Tal como noutros países onde forças de extrema-direita estão a ser premeditadamente fomentadas, Javier Milei foi amplamente promovido pelos meios de comunicação social dominados pelos grupos económicos e financeiros, ecoando as concepções e os projectos mais reaccionários, centrando a sua demagógica toada no que designava de «casta política» e na «corrupção» e apresentando-se falsamente como «anti-sistema».

Na realidade, bastou alcançar a presidência para rapidamente deixar cair a máscara. Anunciando efectivamente ao que vinha, fez-se rodear no seu governo por integrantes da «casta política» que antes fingidamente demonizava, alguns dos quais há décadas fieis representantes dos interesses dos grupos económicos e financeiros e dos principais responsáveis pela desastrosa situação da Argentina foi colocada – nomeadamente, em 2018, durante o governo de Mauricio Macri, em que, sob a pressão dos EUA, foi novamente exposta à ingerência, chantagem e saque do FMI.

Aliás, as primeiras medidas anunciadas pelo Governo de Javier Milei, a serem efectivamente implementadas, constituiriam um brutal ataque aos direitos económicos e sociais do povo argentino, com a desvalorização da moeda em cerca de 50%, o ataque aos serviços públicos, o fim do investimento público, a redução de importantes apoios sociais – medidas que antes mesmo de serem aplicadas estão na origem de uma explosão na especulação, com significativos aumentos nos preços de bens essenciais.

A violenta política liberal de Javier Milei – ao estilo da que os economistas da Escola de Chicago impuseram durante a ditadura fascista no Chile – foi acolhida com «tranquilidade» e «optimismo» pelos denominados mercados e «saudada» pelo FMI, que considera que a sua «implementação decisiva [registe-se a ênfase…] ajudará a estabelecer as bases para um crescimento (…) liderado pelo sector privado» e que «após sérios reveses políticos nos últimos meses, este novo pacote fornece uma boa base para futuras discussões para colocar o programa existente apoiado pelo Fundo de volta ao caminho certo» – isto é, sob a batuta do grande capital e para seu gáudio e proveito de milhares de milhões.

Ciente das brutais consequências económicas e sociais para os trabalhadores e povo argentino da receita liberal que anuncia e pretende impor, e antecipando a legítima resistência popular contra as suas medidas, o Governo de Javier Milei – de mão dada com Mauricio Macri – faz acompanhar o seu «pacote» do anúncio de inaceitáveis ameaças e medidas repressivas e fascizantes que atacam liberdades e direitos políticos, procurando impedir o natural protesto nas ruas.

Uma situação que demonstra que o ataque aos direitos económicos e sociais é acompanhado do ataque aos direitos políticos, à liberdade, à democracia.


Pedro Guerreiro