«O problema é a falta de casas que as pessoas consigam pagar»

Integrada na campanha do PCP «Viver melhor na nossa terra», anteontem, 12, realizou-se uma sessão «Pelo direito à habitação – testemunhos da realidade na região do Porto», na Associação de Moradores da Zona do Campo Alegre.

Perante o «drama» da habitação em que vivem milhares de famílias em Portugal, Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, afirmou a necessidade de abrir caminho a uma política que, efectivamente, respeite, cumpra e faça cumprir a Constituição da República Portuguesa (CRP).

«Cabe ao Estado garantir o acesso à habitação»

Na mesa, com Paulo Raimundo, estiveram Alfredo Maia, deputado do PCP na Assembleia da República (AR) e primeiro candidato da CDU pelo círculo do Porto às legislativas de 10 de Março (ver pág. 15), e Ilda Figueiredo, membro do Comité Central do PCP e vereadora na Câmara Municipal do Porto, que apresentou a sessão. Esta acção insere-se no trabalho regular do Partido, «na busca do aprofundamento do conhecimento da realidade da vida das pessoas e na afirmação e divulgação das soluções que o PCP propõe para cada um dos problemas que atingem o nosso povo», disse Ilda Figueiredo.

Na intervenção de abertura, Alfredo Maia deu conta da proposta do PCP de construção de, pelo menos, 50 mil habitações para famílias que vivem em condições indignas, bem como para a urgência de «tomar medidas de fundo para contrariar a espiral de especulação que esmaga milhares e milhares de famílias a braços com o agravamento dos custos com a compra ou o aluguer de habitação e dos juros impostos pela banca».

«Só no segundo trimestre deste ano, o preço mediano das casas vendidas em Portugal aumentou nove por cento, comparando com o período homólogo do ano passado, atingindo o valor de 1629 euros por metro quadrado», alertou.

O deputado comunista acusou ainda os sucessivos governos do PSD e do PS de «engordarem» a banca, subtraindo o financiamento às cooperativas de habitação, «forçadas a condições de crédito incomportáveis, a tal ponto que a promoção de habitação cooperativa deixou de constar das estatísticas da construção desde 2012, quando foram concluídas apenas 84 fogos para este sector».

Agravam-se os problemas
No encerramento da sessão, o Secretário-Geral do PCP concluiu que a habitação é um «exemplo dramático» dos problemas inadiáveis que se agravaram nos últimos dois anos de Governo do PS.

«Cabe ao Estado garantir o acesso à habitação, esta é uma responsabilidade, um dever e um direito constitucional que obriga a AR, o Governo e o Presidente da República. Também neste sector, a CRP está muito longe de ter tradução no dia-a-dia de quem vive e trabalha no nosso País», afirmou, frisando que «o negócio da habitação é, em si mesmo, revelador de um outro ataque diário à lei fundamental, que é a subordinação do poder político ao poder económico, exactamente ao contrário do que afirma a CRP».

Outra ideia trazida por Paulo Raimundo é que a habitação está entre os sectores económicos mais liberalizados e menos regulamentados, uma realidade que «é um desastre para milhões de pessoas», mas «um bom exemplo do que seria a sociedade caso os projectos de liberalização de todos os sectores fossem por diante, como querem alguns». Palavras dirigidas a quem tem «casa arrendada e se vê confrontado com aumentos de renda, risco ou efectivo despejo; um crédito à habitação e vê a prestação aumentar para valores incomportáveis; de sair das suas casas, voltar a casa dos pais, dos sogros, viver em tendas, ou mesmo na rua; enfrenta dificuldades e privações, que tudo faz para, até ao limite, aguentar o seu tecto e a sua habitação; de abandonar os seus estudos porque não consegue aguentar o aluguer de um quarto ou de uma cama».

 

Habitação é um exemplo da política de direita do PS

Paulo Raimundo acusou PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal e CDS-PP de correrem «todos na mesma pista» e de assumirem «as mesmas opções de fundo», que «beneficiam sempre o infractor».

«Para lá do barulho e dos decibéis, que se diga uma, uma única proposta de fundo, em que se identifiquem opções diferentes entre estes partidos, uma que seja. Poupemos o esforço na procura de uma que seja, porque infelizmente não há», sublinhou o dirigente comunista.

Sobre a afirmação do primeiro-ministro no debate preparatório do Conselho Europeu, na Assembleia da República, realizado na segunda-feira, em que António Costa refere que é um «erro» do PCP equiparar o PS à direita, Paulo Raimundo respondeu: «O PCP não olha para o PS como inimigo pessoal», mas «denuncia a política de direita que o PS, por sua opção, leva a cabo, e a habitação é disso exemplo».

«Tivesse o PS optado por enfrentar os grandes interesses e os banqueiros» e «colocado no centro da sua opção os trabalhadores e o povo, então cá estaríamos [o PCP] a apoiar esse caminho» e «lá estariam o PSD, CDS-PP, Chega e IL com razões para fazer oposição», afiançou o Secretário-Geral do PCP, concluindo: «A realidade, infelizmente, foi e é outra» e passa por «deixar nas mãos do mercado o destino da habitação em Portugal; o Estado a financiar os interesses imobiliários por via de apoios financeiros e benefícios fiscais; aligeirar regras e critérios urbanísticos, facilitando e abrindo campo a todo o tipo de esquemas que envolvem a especulação imobiliária».

Transformar a realidade
Uma realidade que, segundo Paulo Raimundo, «é urgente transformar todos os dias, com a luta, a mobilização e alargamento, a cada vez mais gente, da necessidade de, uma vez por todas, pôr a política a servir quem trabalha, quem trabalhou uma vida inteira, quem cá vive e trabalha, e não, como tem acontecido, os grupos económicos».

«No próximo dia 10 de Março [data das eleições legislativas antecipadas] temos mesmo uma oportunidade de contribuir para mudar de política e de acertar contas com quem devem ser acertadas e, desde logo, pôr os lucros da banca e os seus 12 milhões de euros de lucros diários a suportar as subidas das taxas de juro, decretadas pelo Banco Central Europeu, travar o aumento das rendas, pôr fim aos despejos e acabar, de uma vez por todas, com os benefícios fiscais aos grupos económicos», apelou.

 

É preciso e urgente:

# Enfrentar a especulação e dinamizar uma política pública de habitação;

# Travar o aumento das rendas e impedir o drama dos despejos;

# Travar a subida das prestações e impedir a perda da casa;

# Aumentar a oferta pública de habitação a partir de imóveis públicos e outros que possam ser destinados a esse fim.

 

 

«Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar». Artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa

 

Denunciar o problema e afirmar soluções

# José Carlos, dirigente da Associação de Moradores da Zona do Campo Alegre: «Temos feito obras de requalificação e melhorias» nas habitações e espaços envolventes e «muitas vezes substituímo-nos ao papel do Estado. (…) Mantivemo-nos como associação porque temos um âmbito cultural e desportivo», apesar «de o polidesportivo estar a precisar de obras».

# Ana Macedo: «Moro na freguesia de Lavra, Matosinhos. Desde 2018 e na sequência de um divórcio, vivo na casa de familiares com os meus quatro filhos, todos com necessidades médicas especiais. Entretanto a casa foi leiloada e em Janeiro vamos ficar desalojados. É muito difícil conciliar a minha vida familiar com uma actividade laboral. Já tentei vários trabalhos, mas o dinheiro é pouco. Os meus rendimentos vêm do Estatuto de Cuidador Informal e dos abonos – que não chegam a 800 euros. As rendas já ultrapassam os 700 euros. O que é que nos vai acontecer?».

# Raquel Freitas: «Despejada da minha casa, da minha freguesia (Paranhos) e da minha cidade (Porto), fui obrigada a ir viver onde era possível. (…) Como o mercado não poupa ninguém e depois de irmos morar para casa de uns amigos, em Vila do Conde, estamos com um outro problema: os juros do crédito à habitação. Como suportar este nível de aumentos? Os salários não passaram para o dobro. A especulação expulsa-nos das nossas casas».

# Armindo Augusto, dirigente doCooperativa de Habitação Económica «A Telha»: «A Revolução do 25 de Abril de 1974 impulsionou e criou condições para que os cidadãos se organizassem em cooperativas e associações. (…) Com a destruição do Fundo de Fomento da Habitação e, mais tarde, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, criou-se um vazio, um erro grave, intencional».

# Raquel Ferreira, do Movimento Porta a Porta: «Em Gondomar, por exemplo, conhecemos a história de vida de duas mulheres, mães, ambas vítimas de violência doméstica. Uma teve que deixar o emprego por medo; não conseguiu continuar a pagar a renda e teve ordem de despejo. Actualmente, vive num anexo sem água canalizada, com uma filha de dois anos, asmática. O chão é em cimento e chove lá dentro. Procurou ajuda junto das entidades competentes, nomeadamente a Câmara Municipal e a CPCJ, mas a resposta foi uma mão cheia de nada. A outra, por sua vez, trabalha, tem rendimentos e, neste momento, está separada dos filhos por não conseguir pagar uma casa ao preço a que elas estão».

# José António Pinto (Chalana), assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã: «As condições indignas, os despejos e a falta de alojamento com renda social são, sem dúvidas, os maiores problemas sociais da cidade do Porto. (…) Chegar ao fim do mês e não conseguir pagar a prestação ao senhorio ou ao banco, e ter de entregar a casa e não ter uma alternativa digna, é doloroso, desesperante, provocador de dor, causador de doença mental».

# Beatriz Conceição, estudante universitária deslocada para o Porto: «Obtive resposta sobre a minha candidatura à Residência Alberto Amaral apenas três dias antes do início das minhas aulas. Não conseguiria suportar uma renda no Porto com ou sem uma bolsa de alojamento. (...) São hoje cerca de 120 mil os estudantes deslocados no Ensino Superior e há apenas 15 mil camas disponíveis nas residências públicas. As poucas vagas que há são em residências que acumulam graves insuficiências».

# Fernandes Martins, advogado e membro da Associação de Inquilinos e Condóminos do Norte: «Hoje não é possível um arrendatário ter consolidado o direito constitucional a manter a sua habitação, mesmo que cumpra todas as suas obrigações. (…) É difícil garantir que os valores das rendas sejam acessíveis a quem precisa da casa. (…) O mercado do arrendamento só poderá ser regularizado se houver uma oferta pública de habitação a preços que as pessoas possam pagar».