COP 28 A transição energética tem que ser justa, não pode perpetuar desigualdades

Vladimiro Vale

É fundamental politizar esta luta, demonstrando que só uma transformação profunda do modo de produção capitalista pode garantir o equilíbrio ambiental

A 28.ª Conferência no âmbito das Convenções Quadro sobre Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP) vai ter lugar de 30 de Novembro a 12 de Dezembro no Dubai.

A urgência de resposta aos problemas ambientais e o confronto dos interesses em presença têm dado às COP uma importância acrescida que, no entanto, não tem evitado a insuficiência no estabelecimento dos objectivos de redução global de emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

Nas sucessivas COP têm sido evidentes os esforços dos países capitalistas mais desenvolvidos no sentido de sacudir a água do capote, nivelar responsabilidades entre países, fugir à aplicação do princípio de responsabilidade comum mas diferenciada e impor mecanismos de acumulação de capital e apropriação de recursos.

Mas também têm sido mais visíveis formas de articulação de países em desenvolvimento. A realização, pela primeira vez, de uma reunião do G77 + China (grupo estabelecido em 1964 por 77 países em desenvolvimento), no âmbito da próxima COP, é reveladora dessa articulação. Os países que constituem o G77 representam 80% da população global e declaram querer ter uma única voz acerca das alterações climáticas, centrada nas necessidades dos países em desenvolvimento. Afirmam a necessidade de uma transição energética justa, que salvaguarde a acessibilidade a energia com custos comportáveis e garanta a segurança energética e o desenvolvimento socioeconómico.

Na sua última reunião, em Julho de 2023, em Havana, o G77 + China afirmou que o maior obstáculo ao sucesso da COP 28 é o financiamento, denunciando que os modelos de financiamento criados não garantem custos justos, rapidez de implementação e acessibilidade. Tal como o PCP tem vindo a denunciar, os esquemas de financiamento fixados nas COP têm significado mais endividamento para os «países em desenvolvimento», enquanto que para o capital significam subvenções.

O que estará em causa

Na COP 27 a questão fundamental foi a da constituição de um fundo de Perdas e Danos, tendo sido possível inscrever nas conclusões o estabelecimento de um fundo de compensações aos países afectados por fenómenos climáticos extremos, com algumas resistências de países desenvolvidos. Na próxima Conferência das Partes das Nações Unidas (COP28), a questão fundamental será a clarificação sobre o seu funcionamento e financiamento. Países como os EUA apostam na sua gestão pelo Banco Mundial (cujo presidente é indicado pelos próprios EUA), outros países (como os do G77) reivindicam que a sua gestão seja feita por um fundo independente, que consiga definir as suas regras, ou no âmbito de uma agência das Nações Unidas.

O cubano Pedro Cuesta, presidente em exercício do G77, afirmou em Outubro passado que os mecanismos administrativos do fundo não podem impedir que as nações em desenvolvimento, mais vulneráveis às alterações climáticas, obtenham financiamento directo ou que sejam obrigados a aceitar regras desvantajosas, o que remete para necessidade de contrariar a implementação de mecanismos de transferência de fundos para o sistema financeiro à custa do desenvolvimento de países.

Mudar!

É hora de mudar de política ambiental.

É hora de desenvolver uma política que rejeite os mecanismos para revitalizar a acumulação de capital; rejeite a taxação dos comportamentos individuais e novas/velhas formas de apropriação de recursos naturais; inverta a falta de investimento público, com a fragilização das estruturas públicas e com avanços na mercantilização da natureza e financeirização das políticas ambientais; aposte no controlo público dos sectores estratégicos, como garantia de que os processos de transição energética e tecnológica são desamarrados dos interesses do grande capital; exija a promoção de políticas de mobilidade sustentáveis, atribuindo centralidade ao transporte público; valorize a produção e consumo locais e a implementação de medidas que encurtem e racionalizem as cadeias de produção e distribuição, reconhecendo a cada país e a cada povo o seu direito a produzir e à soberania em domínios essenciais, como o alimentar.

Mudar de política garantindo:

  • controlo público da água, contra a mercantilização do sector dos resíduos;

  • desenvolvimento de políticas de combate ao desperdício e à obsolescência programada;

  • prevenção dos efeitos das ondas de calor, prevenção de pragas, doenças e espécies invasoras;

  • protecção da orla costeira, protecção contra inundações;

  • adaptação dos meios urbanos, nomeadamente com a integração de conceitos de adaptação nas políticas de urbanismo;

  • exigência de investimento na investigação científica;

  • mobilização na luta contra a guerra, o militarismo e a indústria do armamento, que são dos fenómenos mais poluentes a nível mundial.

Mobilizar!

A mobilização em torno da defesa do ambiente é importante.

A ofensiva ideológica tem sido brutal nesta área, procurando afirmar a ideia de que estas questões estão acima da política, acima da luta de classes, pelo que é fundamental politizar a luta ambiental trazendo à evidência de que só uma transformação profunda do modo de produção capitalista pode garantir o equilíbrio ambiental.

Isto coloca a necessidade de trabalhar com quem olha para os problemas ambientais com legítimas preocupações, o que requer uma linha de trabalho de massas que desmonte a propaganda dos centros de decisão capitalista, ou seja, que vá para além desta ou daquela moda, que não legitime cenários catastrofistas, mecanismos de mercantilização da Natureza ou formas de luta que afastam amplas camadas da luta ambiental.

 

Não partimos todos do mesmo ponto

«Historicamente, os hoje chamados países desenvolvidos são responsáveis por quase 80% das emissões de carbono cumulativas globais de 1850 a 2011. Este processo histórico de concentração de gases com efeito de estufa é o maior contribuinte para os impactos das alterações climáticas que o mundo enfrenta. São fundamentalmente o resultado da sobre-exploração e abuso do planeta por um pequeno grupo de agora países ricos, que contabilizam hoje cerca de 14% da população global.»

«Em termos per capita, os Estados Unidos e a Austrália produzem oito vezes mais emissões de carbono que países em desenvolvimento como a Índia, Indonésia e o Brasil, que ainda assim são castigados por permitirem o aumento das emissões. Mesmo a China, considerando até aumentos recentes, ainda mostra menos de metade do nível de emissões per capita dos Estados Unidos.”

«No entanto, mesmo as comparações de emissões per capita baseadas nas produções nacionais podem não revelar toda a extensão das desigualdades existentes. Deslocalizando a produção de produtos e serviços, as nações desenvolvidas podem exportar as suas emissões.»

Um documento do Grupo de Trabalho do IPCC, não incluído na versão final publicada, explicava que mais de 40% das emissões dos países em desenvolvimento são devidas à exportação de produção dos países desenvolvidos.

(https://monthlyreview.org/2022/07/01/climate-imperialism-in-the-twenty-first-century/)


Mecanismos de mercado não resolverão o problema

O Protocolo de Quioto introduziu três mecanismos para alcançar os seus objectivos: o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM, sigla em inglês), Implementação Conjunta (JI, sigla em inglês) e o Comércio de Emissões (ET, sigla em inglês).

Cada signatário recebeu uma quota para a quantidade de carbono que pode emitir.

O esquema de Comércio de Emissões, sob o Protocolo de Quioto, estabeleceu uma plataforma onde unidades de carbono ou unidades geradas por projectos registados sob JI e CDM ou remoção de carbono através de actividades florestais podem ser vendidas ou compradas, de acordo com as necessidades de cada país. O esquema fez do carbono uma mercadoria e criou um mercado de carbono.

(https://unfccc.int/news/a-guide-to-un-market-based-mechanisms)

Múltiplas investigações e projectos têm mostrado que a vasta maioria dos esquemas de atribuição de créditos de carbono, muitos dos quais focados na plantação de árvores para contrabalançar práticas de negócios destruidores do ambiente, simplesmente não funcionam.

No entanto, os chamados mercados voluntários de créditos de carbono são um negócio multibilionário. Empresas como a Verra, Plan Vivo e outras, farão tudo para o proteger e estão a olhar para formas de monetizar a biodiversidade.

Os esquemas de atribuição de créditos de carbono foram fundados na falsa assunção de equivalência – de que é possível trocar práticas destrutivas num local por acções positivas noutro local. Mas isto não se adequa ao mundo natural, onde todos os ecossistemas e habitats são únicos e não são intercambiáveis.

(https://www.euronews.com/2023/03/17/carbon-offsets-dont-work-its-time-for-the-eu-to-change-its-approach)