Porque quer a direita comemorar o 25 de Novembro?

No desenvolvimento do processo revolucionário estabeleceu-se uma ligação indissolúvel entre o objectivo de conquista das liberdades democráticas e o da liquidação dos grupos monopolistas e dos latifúndios – que, no essencial, se viria a concretizar através da luta revolucionária das massas em aliança com o MFA (Movimento das Forças Armadas).

Assim, a Revolução de Abril pôs fim a 48 anos de ditadura fascista e à guerra colonial, deu apoio aos povos submetidos ao colonialismo para que alcançassem a independência e realizou profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais.

As nacionalizações, a reforma agrária, o controlo operário, os direitos dos trabalhadores, o direito à greve e à contratação colectiva, as autonomias regionais, o poder local democrático, o regime democrático, as liberdades, foram, entre muitas outras, importantes conquistas deste período.

Importa ainda assinalar que as grandes transformações democráticas foram empreendidas, e em grande parte realizadas, por iniciativa e acção das massas populares e das suas forças de vanguarda, antes mesmo das decisões do poder político, embora com o apoio dos revolucionários (civis e militares) que participaram no poder.

Mas não houve na Revolução portuguesa um poder revolucionário – houve, sim, um poder partilhado por forças contraditórias em constante conflito –, nem foi criado um aparelho do Estado democrático, correspondente às profundas transformações realizadas.

Nessa circunstância, se é verdade que pela luta das massas populares, aliadas aos sectores revolucionários das Forças Armadas, foi possível a realização de profundas transformações democráticas, não é menos verdade que a falta de um poder político e de um novo Estado democrático tornou as conquistas revolucionárias e todo o processo de democratização da vida nacional vulneráveis à acção contra-revolucionária. Esta manifestou-se, aliás, ao longo de todo o processo.

A divisão do MFA, a orientação de direita do PS e os graves conflitos e confrontos daí resultantes, assim como as provocações de grupos esquerdistas (nas ruas e nas unidades militares), abriram largamente as portas ao avanço das forças reaccionárias, acentuaram a instabilidade do novo regime e fizeram aparecer novos perigos e novas ameaças.

 

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De facto, o 25 de Novembro de 1975 surge na sequência do chamado verão quente, da queda do V Governo Provisório e do afastamento do general Vasco Gonçalves, objectivo há muito perseguido pelas forças de direita e da social-democracia, sob a batuta da direcção do PS, do Grupo dos Nove e de sectores esquerdistas agrupados em torno de Otelo Saraiva de Carvalho.

Os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975 são também o corolário de um longo período de instabilidade e das várias tentativas de estancar a Revolução de Abril e as suas conquistas, nomeadamente a aprovação e promulgação da Constituição da República. Aliás, são os «herdeiros» dessas acções contra-revolucionárias – o golpe Palma Carlos, o 28 de Setembro e o 11 de Março –, que hoje clamam pela celebração do 25 de Novembro, procuram apagar as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e reclamam a subversão da Constituição.

No período que antecedeu o 25 de Novembro, a violência e o terrorismo foram uma imagem de marca das forças reaccionárias no combate aos democratas e às forças mais consequentes na defesa do 25 de Abril e das suas conquistas, com particular destaque para o PCP, cujos Centros de Trabalho e militantes se tornaram no alvo principal.

Como refere Álvaro Cunhal em A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A Contras-Revolução Confessa-se), «o 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo contra-revolucionário. A sua preparação começou muito antes das insubordinações e sublevações militares do verão quente e de Outubro e Novembro de 1975».

A Resolução Política do VIII Congresso do PCP afirma mesmo que «a crise político-militar colocou verdadeiramente na ordem do dia a questão dos órgãos do Poder (Governo e Conselho da Revolução) com a saída dos ministros do PS e do PPD do IV Governo Provisório (10 e 17 de Julho)».

«A evolução da crise – acrescenta ainda – pode dividir-se em duas fases fundamentais: a primeira até ao pronunciamento de Tancos (2-9-1975), com o afastamento de Vasco Gonçalves e a dissolução de facto da Assembleia e outras estruturas do MFA; a segunda, de Tancos a 25 de Novembro, que consuma a derrota da Esquerda militar e a dissolução formal das estruturas do MFA.»

«Os acontecimentos do 25 de Novembro alteraram profundamente a situação político-militar. Realizaram-se licenciamentos em massa de oficiais, sargentos e praças de esquerda. Foram reorganizadas unidades. Deram-se substituições nos órgãos superiores. Deu-se uma importante modificação da correlação de forças a favor da direita.»

 

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O 25 de Novembro, ao contrário do que muitos dos seus protagonistas disseram, escreveram e alguns continuam a insinuar, não foi um golpe promovido pelo PCP, pela Esquerda Militar ou pela chamada «ala gonçalvista» do MFA. Foi, sim, um golpe militar contra-revolucionário, fruto de uma cuidada e longa preparação, no quadro de um tumultuoso processo de rearrumação de forças no plano político e militar, com o apoio e envolvimento dos EUA, em particular de Frank Carlucci, então embaixador em Portugal, da social-democracia e de sectores conservadores da Igreja Católica.

Na sua preparação participaram forças muito diversas associadas num complexo processo de alianças contraditórias, como sublinha Álvaro Cunhal, na obra atrás citada: «Na grande aliança contra-revolucionária, internamente muito fragmentada, participavam fascistas declarados e outros reaccionários radicais, que visavam a instauração de uma nova ditadura, que tomasse violentas medidas de repressão, nomeadamente a ilegalização e destruição do PCP».

Mário Soares e o PS desempenharam uma acção importante na preparação política do 25 de Novembro.

Por outro lado, importa chamar a atenção para o empenhamento do PCP na procura de solução para a crise política, sabendo que esta só seria possível com a resolução da crise militar, com a reaproximação e o entendimento entre os vários sectores do Movimento das Forças Armadas, particularmente entre a Esquerda militar e o Grupo dos Nove.

Álvaro Cunhal sublinha que «o 25 de Novembro representou uma grande derrota da Esquerda Militar, a sua desarticulação e desagregação e o desaparecimento (ao nível das regiões e das unidades) do MFA como movimento militar revolucionário e organizado. Mas não representou a derrota definitiva da Revolução, como alguns se apressaram a concluir».

Colando-se aos Nove, a reacção avançou e tomou importantes posições. Mas o seu grande objectivo, uma vez derrotada a Esquerda Militar, era reprimir e ilegalizar o movimento operário (designadamente PCP e sindicatos). Depois, ultrapassar os aliados da véspera, e, se possível, afastá-los da vida política, tomar o seu lugar no aparelho e no poder militar, alterar as estruturas político-militares e militares, liquidando tudo quanto restasse do MFA.

No entanto, esta manobra fracassou por duas razões como sublinharia a Resolução Política do VIII Congresso do PCP:

«Por um lado, porque os militares democratas que, na cisão do MFA, haviam estado contra a Esquerda Militar e contra os esquerdistas rapidamente tomaram consciência de que a democracia e eles próprios corriam perigo mortal.

«Por outro lado, porque o movimento operário e popular deu mostras, na complexa e perigosa situação existente, de maturidade, sensibilidade política e firmeza de orientação.»

 

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Contrariamente ao que os sectores reaccionários hoje afirmam, procurando fazer do 25 de Novembro arma de arremesso contra o processo revolucionário de Abril, na complexa e perigosa situação então criada, a participação do PCP na construção do novo regime democrático – tal como acontecera na resistência ao fascismo e no seu insubstituível contributo para o derrube da ditadura fascista – revelou, mais uma vez, o seu papel indispensável para a defesa das liberdades e do próprio regime democrático.

É por isso que, enquanto o movimento operário e popular, os democratas e patriotas, e com eles o PCP, comemoram os 50 anos do 25 de Abril, assinalando todos os seus extraordinários avanços, conquistas, experiências, valores, as forças reaccionárias, saudosistas e revanchistas, querem comemorar o 25 de Novembro. Ambicionam, deste modo, atingir aquilo que em Novembro de 1975 não conseguiram: liquidar o que resta (e é muito) das conquistas da Revolução, apagar os seus valores, liquidar o próprio regime democrático e descaracterizar a Constituição da República Portuguesa.



«A situação do Portugal de hoje, continuando a reflectir o impacto duradouro das conquistas de Abril, apesar da mutilação ou destruição de muitas delas, não traduz o que poderia ser o país se se tivesse desenvolvido e consolidado o projecto de Abril inscrito na Constituição. Os retrocessos nos planos social, económico, político, cultural e da independência nacional que resultam do processo contra-revolucionário, de décadas de política de direita – contrária aos valores e à Constituição de Abril – demonstram a necessidade da luta por uma política alternativa, ancorada nos valores de Abril, que dê resposta aos problemas nacionais e conduza o país ao progresso, ao desenvolvimento e à justiça social.»

 da Resolução do Comité Central do PCP 50.º Aniversário do 25 de Abril «Abril é mais futuro»