- Nº 2607 (2023/11/16)

Quadro de guerra

Opinião

O risco de alastramento da guerra no Médio Oriente, fruto da acção genocida do Estado sionista de Israel  na Palestina é um dos temas em foco da agenda internacional, na semana em que se anuncia o encontro de Biden e Xi em São Francisco, à margem da Cimeira da APEC (Cooperação Económica Ásia-Pacífico). Na última semana, os ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 e o alto representante da UE para a política externa, reunidos no Japão, deram aval à continuação do massacre de Israel da população da Faixa de Gaza, rejeitando o clamor que cresce no mundo de um cessar-fogo imediato.

Vontade esmagadora que se reflectiu, em particular, no isolamento dos EUA e Israel nas últimas votações na Assembleia Geral da ONU. A cobertura e apoio do imperialismo norte-americano é fundamental para Israel continuar a exibir a mais infame impunidade e elevar a fasquia da política criminosa de ocupação para o nível da barbárie. Com Gaza transformada na realidade dantesca de múltiplas Guernicas, a sanha fascista de Israel intensifica-se também na Cisjordânia. Ao mesmo tempo, entre os crónicos cúmplices de Tel Aviv cresce a preocupação com os danos reputacionais e cimentam-se as suspeitas de que as sequelas políticas da actual monstruosidade poderão ser profundas e prolongadas.

Nos EUA, a situação adquire contornos adversos para a agenda eleitoral de Biden e a estratégia de guerra híbrida contra a Rússia (e correlata falácia do combate mundial entre democracias e autocracias), como peça crucial da grande confrontação com a China, mesmo sabendo-se que Washington e o imperialismo são o principal fautor e beneficiário da política de desestabilização e agravamento da conflitualidade internacionais. Não há como evadir o contexto de elevada turbulência interna e o processo em curso de reordenamento internacional, no pano de fundo do aprofundamento da crise do capitalismo e declínio económico dos EUA.

Há um ano, o responsável do Comando Estratégico do Pentágono dizia que a crise da guerra na Ucrânia era apenas o «aquecimento» e alvitrava que «a grande [crise] está a chegar». Referia-se à China. Lembre-se que a doutrina de segurança dos EUA, adoptada por Biden, aponta a Rússia e a China, respectivamente, como ameaça imediata e um desafio existencial – o único país com «intenção de remodelar a ordem internacional». Washington prossegue a preparação da etapa pós-aquecimento. Um relatório do Congresso do último mês marca o passo para o quadro estratégico da próxima década, em que os EUA e aliados deverão estar preparados, pela primeira vez, para «deter e derrotar» duas potências nucleares em simultâneo, a Rússia e a China. Deste lado do Atlântico, a Alemanha, não obstante as perdas económicas do alinhamento com os EUA na guerra contra a Rússia na Ucrânia, libertou 100 mil milhões de euros para a aquisição de novas armas que o ministro da Defesa, Pistorius, diz destinarem-se a preparar o exército para as «futuras guerras». Contra quem?

Guterres tem razão quando, referindo-se ao «pesadelo de Gaza», fala de uma crise de humanidade. Mas o seu quadro é mais abrangente e exige clareza na identificação das suas raízes e forças motrizes e coerência na luta que urge travar para evitar a queda no abismo.


Luís Carapinha