PS e direita ignoram especulação imobiliária e aflição dos inquilinos

O PCP voltou a propor medidas urgentes para combater a especulação imobiliária e proteger os inquilinos. Outros interesses - que não os de quem está a passar por dificuldades para aceder à habitação - falaram mais alto e as propostas foram chumbadas por PS e partidos à sua direita.

Enquanto as famílias apertam o cinto, a banca soma lucros astronómicos

Em causa estavam dois projectos de lei, um com medidas para limitar o aumento das rendas nos contratos em vigor e nos novos contratos de arrendamento habitacional, o outro com o intuito de combater a especulação imobiliária e garantir protecção aos inquilinos. Ambos foram chumbados com os votos contra do PS, PSD, IL e Chega (absteve-se num deles), recolhendo os votos favoráveis das restantes forças políticas com representação parlamentar.

O debate ocorreu a 25 de Outubro em torno de do tema «O Direito à Habitação», sob agendamento do BE ao abrigo do direito de fixar a ordem do dia em plenário.

Com as suas iniciativas legislativas, a bancada comunista pretendia dar resposta a problemas que atingem hoje de forma dramática a vida de milhares e milhares de famílias. Com efeito, como salientou o deputado comunista Bruno Dias, o número de famílias a viver em condições de alojamento indigno ultrapassa as cem mil, a que se soma os milhares de jovens que não conseguem ter acesso à habitação, bem como todos os que, «mercê da desregulamentação do mercado de arrendamento ou do aumento das taxas de juro, correm o risco de perder a casa».

Naquele mesmo dia, aliás, uma família era alvo de despejo em Arroios, Lisboa, «incluindo um doente oncológico, um doente em cadeira de rodas, a sua cuidadora», facto que Bruno Dias não deixou de deplorar, sublinhando tratar-se de mais um acto para tirar pessoas «da frente do negócio e dos lucros».

Lembrado foi ainda esse número avassalador que é o das famílias que têm empréstimo à habitação – mais de um milhão e 300 mil – e que sentem o sufoco provocado pelos sucessivos aumento das taxas de juro decretados pelo BCE, já o décimo desde Julho de 2022.

Contraste chocante

Uma realidade que coexiste, foi ainda Bruno Dias a chamar a atenção para o facto, com os lucros da banca em Portugal, a «baterem todos os recordes»: «mais de 11 milhões de euros por dia, com tendência a aumentar».

«Lucros obscenos que são alcançados pelos bancos à custa da miséria do povo português, através do aumento das prestações, mas também pela cobrança imparável de taxas e comissões», criticou o parlamentar comunista, para quem a situação é ainda mais ultrajante se tivermos em conta que ocorre num contexto de agravamento de problemas estruturais como é o da precariedade ou o dos baixos salários e pensões.

Depois de citar alguns dados estatísticos da OCDE – somos o país onde a relação entre a subida dos preços da habitação com o aumento dos salários é a mais díspar, sendo nós também o País que, no quadro da OCDE, tem maior número de casas por mil habitantes – Bruno Dias tirou uma conclusão: «não há falta de casas», o que há, sim, é «falta de casas que as pessoas possam pagar». E completando o raciocínio, recordou que a taxa de esforço das rendas, em termos médios, é superior a 40%, mesmo nos contratos antigos, pela simples razão de que os «inquilinos têm, em regra, rendimentos reduzidos».

Razões que levaram o deputado comunista a reiterar a exigência de medidas, como as que o PCP tem proposto, que coloquem os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro, acabem com o balcão dos despejos, revoguem o regime dos vistos gold, limitem o aumento das rendas.

 

O fracasso do «sacrossanto» mercado

Em resposta ao PSD, que, pela voz do deputado António Prôa, acusara o PCP de propor um modelo errado para a política de habitação, Bruno Dias devolveu a acusação e considerou que falhado é o modelo vigente defendido pelo deputado laranja e seus correligionários de partido, pelas demais forças à direita e pelo PS. «As pessoas que o digam», anotou, lembrando como estas estão a ser atingidas, seja pelo aumento brutal da prestação da casa, seja pela ordem de expulsão das casas e bairros.

«Este mercado liberalizado, sacrossanto, que está no altar de vossas excelências, é que está a causar estes problemas», criticou o parlamentar comunista. E, com ironia, pondo a nu a falsidade dos que acham um erro a regulação de preços e que esta é uma medida excessiva, observou que não ficou sem luz «quem aderiu ao mercado regulado da energia». «A regulação dos preços é uma coisa que existe no País, com resultados importantes para travar a especulação», «impedir que haja mais aproveitamento pelo aumento das taxas de juros pelos bancos, que estão a lucrar 11 milhões de euros por dia», insistiu.

Já sobre a questão colocada pelo deputado do PS Salvador Formiga, que indagara sobre as propostas do PCP para alargar a oferta do parque habitacional público, Bruno Dias considerou «politicamente significativo que o partido que tem maioria absoluta e que suporta o Governo venha perguntar ao PCP pelas soluções que preconiza» nesta matéria. O que, pelos vistos, frisou, só pode significar uma coisa: «que o PS não as tem».

«Nós temos e pode ter a certeza que voltaremos a apresentá-las para a disponibilização de oferta no parque habitacional público, e só espero que da próxima vez não voltem a chumbá-las como têm chumbado até agora», rematou Bruno Dias.

 

 






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