- Nº 2601 (2023/10/4)

Madeira: os votos não caem do céu

Opinião

O significado e importância do resultado da CDU nas eleições da Região Autónoma da Madeira está por percepcionar na sua plena dimensão.

O silêncio de chumbo decretado pelos principais órgãos de comunicação social desde o momento em que os primeiros resultados desenharam o desmentido do que se tinha dado como inelutável contrasta com a massiva operação de menorização da CDU que acompanhou, sem folgas, os meses que anteciparam o acto eleitoral. Um prolongado período em que se mobilizou todos os meios de condicionamento, em que a componente mediática jogou um importante papel, para apresentar a CDU como irremediavelmente condenada a perder votos, representação parlamentar ou simplesmente desaparecer. O valor do resultado da CDU é directamente proporcional à avalanche que teve de enfrentar e vencer.

A avaliação do resultado da CDU e a justa percepção do seu valor só pode ser apreendida se observada à luz do quadro em que foi construído, dos obstáculos que teve de superar, da campanha difamatória e falsificadora de posicionamentos do PCP e da CDU com que os seus adversários procuraram diminuir o reconhecimento que a sua intervenção recolhera ao longo do mandato. Uma continuada e persistente operação, a mais das vezes subterrânea, buscando em elementos alheios à intervenção concreta e ao papel real de cada força política uma arrumação de intenções de voto ditada não pelo que a CDU representava mas pelas caricaturas que dela construíram. Uma operação que animou preconceitos infundados mas que se constituía em barreira, a mais das vezes não verbalizada, na disponibilidade para o voto na CDU em benefício de outras candidaturas.

Um resultado que enfrentou uma poderosa máquina de compra de votos montada pelo governo regional, de ostensiva instrumentalização de meios do aparelho regional e municipal, do uso de dinheiros públicos e da inadmissível coacção ao longo da campanha para influenciar ilegitimamente a livre expressão dos eleitores. A extensão de exemplos que ilustrariam esta operação (das inaugurações aos anúncios e «oferendas») não cabem no espaço deste artigo.

Um resultado que venceu silenciamentos, discriminações e deturpações, incluindo os expedientes da imprensa regional para, por via da rubrica «cartas do leitor», concentrar o ataque diário e sistemático à CDU torneando o dever de respeito por regras de imparcialidade a que estaria obrigada. Um resultado que resistiu a habilidosas insinuações que do PS ao PSD, da IL ao BE visavam animar preconceitos, insistir em mentiras e falsidades mil vez repetidas. E desmentiu presságios e premonições sustentadas em sondagens que, mais próximas do palpite e da expressão de desejos políticos de quem as concebeu, foram metodicamente concebidas para dar como certo a perda de representação parlamentar da CDU a favor da reentrada de outros, a maioria esmagadora da coligação PSD/CDS. Como já foi escrito, as sondagens não falharam, a realidade é que não se encaixou no que decretaram.

A coligação de direita perdeu a maioria, a CDU aumentou em 50% a sua expressão eleitoral, obteve mais 1100 votos, ficou à frente dos outros três partidos que obtiveram representação parlamentar (IL, PAN e BE), ampliou de 100 para 600 a diferença em votos que tinha para o BE e PAN.

 

Sem segredo

É legítimo que se pergunte como foi possível a CDU avançar neste quadro. Não há um segredo especial que o explique. O êxito da expressão eleitoral é o resultado directo do papel da organização do Partido e do que ela comporta enquanto instrumento de intervenção, ligação aos problemas e enraizamento popular.

Não é desvalorizável a contribuição da campanha eleitoral, das iniciativas específicas realizadas, da elevada militância ali reunida. Mas é indesmentível que o eco e o retorno em voto decorrente da acção eleitoral não seria a que foi se se tivesse desenvolvido à margem de um percurso construido no caudal de lutas que preencheram a actividade do Partido, traduzida no contacto e envolvimento dos muitos milhares que nos últimos anos nelas participaram e do que traduziram de apoio e novos votos que propiciou.

Uma relação causa efeito em que a intervenção política do Partido traduziu primeiro reconhecimento, depois aproximação e apoio e em muitos casos comprometimento e vinculação.

Não é possível olhar para os resultados à margem dos 200 novos membros do Partido que foram recrutados entre as eleições de 2019 e as agora realizadas, muitos deles na dinâmica da acção e luta em que se envolveram; a estruturação, ainda insuficiente, da organização partidária com organismos concelhios, de freguesia, de empresa e sector profissional com vida, iniciativa própria e ligação ao meio que a simples leitura dos resultados permitem provar a sua importância; a qualificada intervenção institucional intimamente ligada à vida fazendo da presença parlamentar um catalisador de luta e mobilização popular; a regular e intensa actividade unitária que a partir de temas culturais, históricos e outros preencherem a vida do centro de trabalho enquanto espaço de encontro de dezenas de personalidades, a larga maioria sem filiação partidária, entrando muitos pela primeira vez num espaço do Partido que partilharam valores e ideias, num percurso que contribuiu para desfazer preconceitos e ampliar a influência.

É este sentido de reforço do Partido que importa prosseguir e que se apresenta como decisivO para as muitas batalhas e tarefas que temos por diante.


Jorge Cordeiro