PCP apela à luta pelo reforço e financiamento dos serviços públicos
«É do interesse dos trabalhadores, das populações, dos utentes, dos jovens e dos reformados lutar pelos serviços públicos», afirmou Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, na tribuna pública «Tomar a iniciativa: Defender e valorizar os serviços públicos», integrada nas Jornadas de Trabalho dos deputados comunistas no Parlamento Europeu (PE) no distrito do Porto.
Serviços públicos para responder às necessidades do País
Sexta-feira à tarde, no largo da Estação da Campanhã, compareceram duas centenas pessoas à tribuna pública, promovida em conjunto com o Grupo Confederal Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica – a esquerda no PE, que os deputados do PCP integram. Na azáfama do dia, muitas outras, identificando-se com os problemas relatados sobre a situação dos serviços públicos, paravam e juntavam-se àquele colectivo.
O painel foi apresentado por Jaime Toga, da Comissão Política: María Rozas (membro da Izquierda Unida na Galiza e vice-presidente do município de Santiago de Compostela, onde assume responsabilidades nas áreas sociais), Maurice Quinlivan (deputado do Sinn Fèin no Parlamento da Irlanda), João Pimenta Lopes, Sandra Pereira (deputados no PE) e Paulo Raimundo Secretário-geral do PCP.
«Das várias acções de contacto» realizadas «nas ruas, feiras, nos mercados ou à porta das empresas», entre os dias 19 e 22 de Setembro (ver pág 6), «confirmámos as preocupações do povo português com o aumento do custo de vida, com as dificuldades de garantir o direito à habitação e com a degradação dos serviços públicos, em particular do Serviço Nacional de Saúde (SNS)», observou Jaime Toga, que moderou os trabalhos.
João Pimenta Lopes informou que as jornadas dos deputados do PCP no PE, que se iniciaram há cerca de um ano, vão percorrer todos os distritos e regiões autónomas até Outubro e tem como lema «Contigo todos os dias – A tua voz no PE». «Desse contacto directo, dos testemunhos impressivos, dramáticos por vezes, dos problemas concretos com que os trabalhadores e o povo se confrontam, aprofundamos o conhecimento da realidade, damos expressão e voz no intervenção institucional de todos os dias», destacou.
Sobre o tema em debate, deu conta de um «longo caminho» de «ataque, degradação, desarticulação e esbulho de serviços públicos em sectores fundamentais, indissociável das opções e imposições da União Europeia (UE) no sentido da liberalização e privatização desses serviços».
«Assim foi com a privatização da Rodoviária Nacional, dos CTT, da PT, da REN, da EDP, da GALP, da ANA, entre outras, a que agora se quer seguir a TAP ou a EFACEC, além da alienação de serviços de transporte rodoviário, ferroviário ou fluvial», alertou o deputado, advertindo: «Um rumo que se pretende estender a sectores de educação, da saúde ou da Segurança Social, com o impulso da UE, que tudo procura mercantilizar, salivando pela criação de mercados – da saúde aos fundos de pensões».
Sandra Pereira denunciou, por isso, os reais objectivos da chamada «União Europeia da Saúde», que «mais não serve do que para escancarar as portas à mercantilização da saúde, à sua privatização, para fazer da saúde negócio e transformar a doença em lucro, pondo em causa a sua dimensão universal, a qualidade, a garantia do direito à saúde». «Os sucessivos governos do PS, PSD e CDS – e hoje os sucedâneos destes últimos – acatam todas estas directrizes sem reservas. Até porque, como temos assistido, o desinvestimento do Estado em serviços públicos é proporcional ao aumento da área do negócio para os grupos privados – cujos interesses estes partidos defendem», desmascarou a deputada.
O escandaloso exemplo da TAP
O «ataque» aos serviços públicos tem também a marca da UE, da Comissão Europeia (CE) e do Banco Central Europeu (BCE). Mas «este caminho decretado pela UE e concretizado por sucessivos governos não acontece por acaso», corresponde «a um projecto e um plano», desmascarou Paulo Raimundo, dando como exemplo a TAP. «Durante a pandemia todas as companhias aéreas do mundo, privadas e públicas, foram apoiadas pelos respectivos Estados e só assim evitaram a falência. Mas a CE, com a cumplicidade do Governo português, excluiu a TAP do tratamento excepcional que deu às grandes companhias europeias», referiu, recordando que a CE fez depender do apoio prestado «o despedimento de trabalhadores e redução da oferta», preparando a empresa, com a privatização, «para ser abocanhada por um qualquer colosso europeu do sector».
Num «exercício de ligeiro futurismo, mas assente em práticas passadas e actuais», o Secretário-Geral do PCP previu, a poucos dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2024, para «novas e reforçadas restrições orçamentais», que, a irem por diante, «terão, mais uma vez, impactos negativos nos salários, no investimento e nos serviços públicos». «É simplesmente inaceitável que um pretenso rigor nas contas seja alcançado à conta, e mais uma vez, de quem trabalha e de ainda maior degradação dos serviços públicos», afirmou.
Os serviços públicos não são negociáveis!
No PE, os deputados do PCP «não apenas se opuseram a todas as directivas de liberalização, como têm combatido todas as imposições supranacionais, incluindo as que resultam em restrições orçamentais no cabal financiamento dos serviços públicos», informou Sandra Pereira.
Além disso, fizeram propostas de reforço do orçamento da UE tendo em vista o investimento nos serviços públicos e a sua valorização. «Temos defendido a possibilidade de haver financiamento da UE para a criação de uma rede pública de creches, que assegure que todas as crianças têm acesso a equipamentos de qualidade e que as famílias têm vaga garantida», reportou, avançando com outras medidas: criação de uma rede pública de lares; promoção de habitação a preços acessíveis, alargando e qualificando o parque habitacional existente; que o investimento que os Estados realizam em serviços públicos, incluindo a contrapartida nacional dos fundos europeus, não seja contabilizado para efeitos de apuramento do défice; sistemas de transporte público de qualidade, eficientes e baratos, ou mesmo tendencialmente gratuitos, em especial nas áreas metropolitanas, o que requer mais investimento na melhoria da qualidade dos serviços, na reconstituição de operadores públicos (no caso em que estes foram destruídos), na promoção da intermodalidade, na simplificação das bilhéticas e da informação aos utentes.
O PCP defende ainda o regresso à esfera pública de todas as empresas que operem no sector energético e o acesso à agua para consumo e ao saneamento como um direito humano, pelo que a sua gestão e propriedade devem ser integralmente públicas.
«Os serviços públicos não são negociáveis! São públicos e devem continuar a ser, respondendo às necessidades do País», concluiu a deputada.
Depoimentos
Mário Sobrinho, trabalhador do Hospital de São João e dirigente sindical: «Temos todos, mas todos, que exigir a valorização do SNS e dos seus trabalhadores (…) no ano de 2023, 60 por cento dos quase 15 mil milhões de euros orçamentados para a saúde têm como destino os privados».
Madalena Pinto, estudante: «É fundamental que exista mobilidade ao serviço do povo, uma rede de transportes que promova a coesão territorial e responda às necessidades dos trabalhadores e do povo».
María Rozas: «As cidades do Porto e de Santiago de Compostela têm problemas em comum, entre eles a massificação do turismo e a especulação imobiliária. (…) Em Santiago do Compostela, a água esteve nas mãos de empresas privadas durante 50 anos. Agora regressou à esfera pública. Ganharam as populações e os trabalhadores».
Paulo Silva, carteiro e dirigente sindical: «A empresa CTT tem garantida a concessão até 2029. Decorridos quase dez anos da privatização, são visíveis as consequências da degradação do serviço postal».
Joana Borges, professora: «Todos os anos temos de ponderar horários, normalmente a mais de três horas de viagem, seis horas ida e volta, os custos de alojamento, das deslocações, da alimentação, que podem rasar ou exceder o orçamento mensal. Muitos dos horários são temporários e incompletos. A qualquer momento podemos receber a notícia que temos que que voltar para casa».
Maurice Quinlivan: «Devido ao fracasso das políticas neoliberais, os números do Eurostat mostram que 68 por cento dos jovens do Sul da Irlanda entre os 25 e os 29 anos vivem na casa dos pais. O governo recusa-se a aceitar que é necessário um aumento na oferta de casas sociais e acessíveis. (…) Na saúde, enfrentamos uma crise perene, de capacidade e de pessoal. Os nossos hospitais estão sobrecarregados».
Cristiano Castro, do Executivo da Direcção Regional do Porto (DORP) do PCP: «Na região do Porto o acesso à habitação está cada vez mais difícil. As rendas são incomportáveis, os juros, para quem comprou, não param de crescer e a pressão que existe para açambarcar imóveis nos locais mais rentáveis ultrapassa já os concelhos centrais. (…) O aumento do preço das casas para venda subiu mais de 15,5 por cento desde o início do ano; no arrendamento o aumento foi de mais de 35 por cento nos últimos quatro anos».
Ana Moreira, trabalhadora na autarquia de Matosinhos e dirigente sindical: «O ataque aos serviços prossegue, muitas vezes escondido sob a capa da eficiência. É o que está a acontecer com o processo da municipalização, com o Governo a recusar a necessária regionalização, optando por atirar para os municípios responsabilidades e encargos em áreas da sua competência».
João Alves, estudante do Ensino Superior: «O Governo, que agora anuncia a devolução das propinas por cada ano de trabalho na área da formação, apenas foge à resolução dos nossos problemas e mantém a propina como um mecanismo que impede o acesso dos que menos têm ao Ensino Superior».
João Baptista, trabalhador e membro da CT da Infraestruturas de Portugal (IP): «Assistimos a uma verdadeira política da avestruz, ou seja, este Governo continua com a cabeça enterrada na areia, para assim nada ouvir, nada resolver e tudo adiar. (…) Vão avançar com as PPP para os projectos de alta velocidade. A CT demonstrou estar contra este modelo ruinoso de negócio e que a solução devia passar por afectar os melhores quadros da IP».
Marlene Moreira, da DORP do PCP: «É absolutamente fundamental que seja implementada uma rede pública de creches capaz de suprir a carência de vagas que hoje se verifica na região e no País, e que, na prática, se traduz na negação do direito à creche e da sua gratuitidade para milhares de crianças e suas famílias».