O direito à habitação cumpre-se enfrentando a especulação

Só é possível resolver o problema da habitação atacando a especulação, combatendo os privilégios da banca e dos fundos imobiliários e, acima de tudo, procedendo a um aumento geral e significativo dos salários e das pensões. Esta posição assumida há muito pelo PCP, foi reafirmada pelo Secretário-Geral, Paulo Raimundo, numa sessão pública em Almada, realizada no sábado, 23.

Tem de ser a banca, com os seus 11 milhões de euros de lucros diários, a suportar o aumento das taxas de juro

Serão poucas as famílias portuguesas que não são afectadas pelos obstáculos crescentes à concretização do direito constitucional à habitação. Muitas das que já tinham casa – própria ou arrendada – estão hoje confrontadas com o brutal aumento das rendas e prestações bancárias e não sabem onde ir buscar mais 80, 90, 100 euros, ou até mais, para cobrir essas despesas, que se somam hoje a tantas outras, que também crescem – da electricidade aos combustíveis, das telecomunicações à alimentação.

Há ainda as que são autenticamente expulsas das cidades onde sempre viveram porque não têm meios para lá ficar, em locais cada vez mais reservados para habitação de luxo e unidades hoteleiras, e empurradas para periferias cada vez mais longínquas. A ameaça de despejo volta a pairar sobre centenas ou mesmo milhares delas.

Os jovens saem cada vez mais tarde de casa dos pais porque sair não é sequer uma opção para grande parte deles e são muitas as casas a acolher mais do que uma família, realidade que afecta particularmente os imigrantes, mas não só. A oferta pública, escassa, é essencialmente precária.

«Estamos de facto perante um drama», afirmou Paulo Raimundo depois de ouvir os relatos ali partilhados (ver caixa), comuns a tantos outros, ouvidos por esse País fora. Se a Constituição consagra a habitação como um direito e esse direito não está a ser concretizado, acrescentou o dirigente comunista, «então alguém está a cometer uma ilegalidade, e se assim é está a cometer um crime».

Tarde e ao lado do que era preciso

O Secretário-Geral do Partido questionou em seguida as opções do Governo face ao quadro de brutal especulação e de um mercado de arrendamento completamente oposto às necessidades do povo, à «gula e acumulação de lucros da banca, com os seus mais de 11 milhões de lucros por dia», e às «benesses aos fundos imobiliários»: o pacote Mais Habitação mais valia chamar-se Mais Transferências, ironizou, pois promove precisamente «mais transferências para a banca, mais transferências de benefícios para os fundos imobiliários».

As medidas anunciadas há dias pelo Governo, acrescentou Paulo Raimundo, «podendo ter importância para quem lhes pode aceder, deixam intocáveis – por opção, e só por opção – o principal responsável pela situação a que chegámos e simultaneamente a principal beneficiária dessa mesma situação, a banca». São, assim, medidas «insuficientes, tardias e que, sobretudo, passam ao lado do alvo».

Concretizando o que acabara de afirmar, o Secretário-Geral comunista considerou as medidas insuficientes porque, «aliviando o aperto da corda, deixam o nó no pescoço de quem tem um crédito à habitação» e tardias porque nada justifica que medidas, ainda que limitadas, sejam tomadas apenas ao fim do décimo aumento das taxas de juro. Quanto ao alvo, garantiu, deveria ser os lucros da banca, pondo-os a suportar o aumento das taxas de juro. Aliás, se algo marca o pacote Mais Habitação é precisamente o facto de não ter «nem uma medida, nem sequer uma aproximação disso, que belisque os 11 milhões de euros de lucros por dia da banca».

Concluindo, «a cada um de nós o Governo delibera que paguemos o mesmo e na totalidade; à banca o Governo garante que continuam a encher os cofres recebendo tudo, na totalidade e cada vez mais». Ou seja, «poupança zero para as famílias, lucro por inteiro para a banca».

Isto tem de parar

«Isto do BCE decretar aumentos brutais dos juros, a UE a subscrever, o Governo, o PS, PSD, Chega e IL a obedecer e o povo pagar tem de parar. E vai parar», garantiu Paulo Raimundo antes de reafirmar o que se impõe fazer: «enfrentar a banca e pô-la, com os seus milhões de lucros à nossa conta, a assumir o aumento das taxas de juro.»

Porém, salientou, apesar das insuficiências e limitações das medidas anunciadas pelo Governo, estas revelam que a luta das populações «já o obrigou a fazer alguma coisa». É essa mesma luta, aliás, «que vai continuar, já no dia 30, em vários pontos do País», e que mais cedo ou mais tarde, acredita, «vai levar por diante as medidas que se impõem para responder ao problema da habitação».

 

Relatos de um drama com causas (e soluções) políticas

Na sessão pública do passado sábado, em Almada, foram vários os testemunhos que deram conta da gravidade da situação que se vive em Portugal em termos de habitação.

“A pobreza e a degradação de rendimentos transformaram-se num grande quotidiano palpável, agravando as condições de acesso à habitação por milhares de pessoas, designadamente em Portugal. No período entre 2017 e 2022, em que a remuneração média dos portugueses cresceu 11,7%, os custos de construção de habitação nova cresceram 21,9% e os índices de preços da habitação 63%, perto de seis vezes mais.”

 

“Ainda há pouco tempo, uma colega de trabalho com uma criança de nove anos teve que voltar para casa dos pais porque o preço da renda obrigou-a a deixar de ter casa própria.”

 

“Sem habitação não há liberdade. Isso é uma coisa que nós devemos ter muito claro: quando falamos de habitação, falamos de liberdade, de direitos humanos, de democracia.”

 

“O problema da habitação afecta todos e a juventude também, diretamente ou indiretamente. Eu trabalho no sector bancário, ganho pouco acima do salário mínimo, também sou estudante no Ensino Superior e hoje em dia não consigo encontrar habitação em que não tenha que dar dois terços do meu salário para uma renda de uma casa em condições, de modo a estar perto da faculdade e do trabalho.”

 

[Com o fecho, para obras, da residência universitária da Faculdade de Ciências e Tecnologia, na Caparica] a maioria dos estudantes viu-se obrigada a recorrer ao mercado privado da habitação, que, como sabemos, está sujeito a uma enorme especulação (…): aqui em Almada um quarto individual ronda preços muito acima dos 300, 350 euros, e estes valores têm vindo a aumentar. (…) 240 estudantes estão hoje numa posição de muito maior precariedade devido ao fecho desta residência, o que demonstra claramente a importância de alternativas públicas.”

 

 

“O Governo que fala em ‘reduzir e estabilizar’ as prestações ao banco está, na prática, a empurrar as famílias para um adiamento daqueles pagamentos, que sendo um pouco mais ‘reduzidos’ durante dois anos, terão de ser pagos na íntegra no final. Tocar nos lucros da banca, nada. Carregar sobre quem tem crédito à habitação, tudo.

Este é um caminho que é preciso e urgente interromper, um caminho que, com mais ou menos esbracejar, é o caminho de PSD, Chega, IL e CDS.”

Paulo Raimundo


É hora de agir

• Fazer frente à banca: baixar o valor dos empréstimos, colocando os seus lucros a suportar o aumento das taxas de juro

Proteger a habitação própria para travar penhoras e despejos, impedir a especulação e impor como limite máximo 0,43% de aumento para as rendas no próximo ano

Concretizar uma moratória por um máximo de dois anos, suspendendo a amortização do capital e pagando juros apenas a uma taxa igual àquela a que os bancos se financiam (a banca financia-se a valores muito mais baixos do que aqueles que cobra nos empréstimos à habitação e paga duas a três vezes menos pelos depósitos do que aquilo que cobra pelos empréstimos)

A Caixa Geral de Depósitos, como banco público que é, deve assumir uma opção clara que permita baixar o spread e os custos bancários

Eliminar os benefícios fiscais aos grandes proprietários e especuladores como os fundos imobiliários e pôr fim do regime fiscal de privilégio que é o Regime dos Residentes Não Habituais

Forte aposta da disponibilização de habitação pública, mobilizando recursos para a construção, requalificação e aquisição de habitações, elemento determinante para impedir que o direito à habitação esteja refém dos lucros da banca e da especulação imobiliária

Garantir que em Portugal, como diz a Constituição, «Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».


Sábado é dia de luta

«Casa para viver! Exigimos soluções» é o lema das manifestações e acções de rua convocadas para o próximo sábado, 30, em vários pontos do País, pelo direito à habitação. Organizadas por diversos movimentos e organizações, terão lugar em: Lisboa (15h00, Alameda), Porto (15h00, Batalha); Aveiro (15h00, Largo Jaime Magalhães); Braga (15h00, Coreto da Avenida); Coimbra (15h00, Praça 8 de Maio); Covilhã (15h00, no Pelourinho); Faro (15h00, Jardim Manuel Bívar); Guimarães (15h00, Toural); Lagos (15h00, Rua Victor da Costa e Silva, nas traseiras da Adega da Marina); Leiria (15h00, Fonte Luminosa); Nazaré (15h00, Praça Souza Oliveira); Portimão (15h00, Largo 1.º de Dezembro); Viseu (15h00, Rua Formosa, na Estátua Aquilino Ribeiro); Samora Correia (15h00, Jardim Urbanização da Lezíria); Barreiro (11h00, Escola Secundária Santo André); Beja (10h00, Jardim do Bacalhau); Évora (10h00, Praça do Giraldo); Portalegre (10h00, Mercado Municipal); Tavira (11h00, Mercado Municipal); Alcácer do Sal (17h00, Avenida dos Aviadores, junto à entrada da Feira de Outubro)

O Governo não nos ouve, voltamos à rua em força», afirma-se.