O relógio e o tempo

Anabela Fino

«À medida que termina a sua era de domínio global, os EUA precisam de assumir a liderança no realinhamento da arquitectura de poder global… os EUA ainda são a entidade política, económica e militarmente mais poderosa do mundo, mas dadas as complexas mudanças geopolíticas nos equilíbrios regionais, não são mais a potência imperial global (….).» A afirmação é do ex-conselheiro de segurança nacional Zbigniew Brzezinski, já falecido, e ganhou particular acuidade com a serena revolução levada a cabo na 15.ª cimeira do BRICS, na África do Sul.

Acrónimo atribuído a Jim O’Neill, ex-secretário do Tesouro do Reino Unido e antigo presidente da Goldman Sachs Asset Management, a sigla do grupo que começou por reunir Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul tornou-se incontornável.

Ainda ecoavam as arrogantes e ofensivas declarações de O’Neill ao Financial Times garantindo que os BRICS «nunca conseguiram nada desde que começaram a reunir-se», e que «ésimplesmente ridículo» tais países aspirarem a uma alternativa ao dólar, quando de Joanesburgo chegou a notícia de que a Arábia Saudita, Argentina, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão se lhes juntavam.

«Eles vão criar um banco central do BRICS? Como é que se faz isso? É quase embaraçoso», disse O’Neill na sua pesporrência neoliberal e neocolonialista, como se os membros do bloco alargado, que representam 46,5% da população mundial, mais de 36% do PIB mundial baseado na paridade do poder de compra, ultrapassando o G7, e detêm 45% da produção mundial de petróleo, entre outros factores relevantes, fossem incapazes de se entender e progredir livres do rolo compressor do dólar e da exploração desenfreada do imperialismo.

Sem subestimar as dificuldades que o grupo tem pela frente, a começar pelas conhecidas rivalidades que opõem de há muito alguns dos seus membros, passando pelas diferenças políticas e institucionais, registe-se que mesmo sem uma nova moeda já está em curso a desdolarização da economia. A Arábia Saudita fez soar o toque de finados do petrodólar ao começar a aceitar pagamentos de petróleo noutras moedas, os BRICS fazem transacções comerciais e financeiras entre si sem utilizar o dólar americano, e o seu Novo Banco de Desenvolvimento faz empréstimos em moedas locais, tendo como objectivo próximo «alcançar cerca de 30% de tudo o que empresta em moeda local», como disse a sua presidente, Dilma Rousseff, em entrevista ao Financial Times.

A cada vez mais recorrente utilização de sanções económicas como arma de pressão dos EUA sobre os «desalinhados» com Washington acordou o mundo para a premente necessidade de encontrar alternativas à moeda do império. Não é tarefa fácil nem pacífico, mas parafraseando um velho ditado afegão, o imperialismo tem o relógio, mas os povos têm o tempo.




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