- Nº 2595 (2023/08/24)

As Mulheres do meu País, uma obra de Maria Lamas

Argumentos

Decorridos 75 anos sobre a publicação do 1.º fascículo de As Mulheres do meu País, reler a obra de Maria Lamas é trazer à memória as condições de vida das mulheres num tempo de luto e de luta, de pós-guerra, de resistência, de clandestinidade, e é também constatar a actualidade das suas palavras.

Maria Lamas, mulher de intervenção humanista e política, viva e solidária com mulheres anónimas, com trabalhadoras, com intelectuais com quem partilhou saberes. De forma simples e integradora, procurou melhorar a condição de vida das mulheres e dignificar o seu estatuto.

O projecto As Mulheres do meu País foi uma resposta-protesto pela ordem política de dissolução do Conselho Nacional da Mulheres Portuguesas (CNMP), a que presidia.

O regime fascista não perdoou o enorme sucesso da Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada pelo CNMP, que abria horizontes a outros pensamentos e que ficou marcada pela afirmação das mulheres face ao regime.

As Mulheres do meu País é um documento único sobre as condições socioeconómicas das mulheres portuguesas, sobre as mulheres trabalhadoras e sobre a condição feminina. Retrata o Portugal do final dos anos de 1940. Diz: «Fui ao encontro das minhas irmãs portuguesas, procurei conhecer e sentir as suas vidas humildes ou desafogadas, as suas aspirações ou falta de aspirações, sintoma alarmante de ignorância, desinteresse e derrota». E: «Assim foi escrito este livro, que é uma expressão de fraternal solidariedade com as mulheres do meu País. (…) vítimas milenárias de erros milenários que, apesar de tudo, continuam a ser as obreiras da vida…»

Maria Lamas dedica esta obra a todas as mulheres portuguesas.

A obra é organizada em fascículos, como forma de fugir à censura. O 1.º fascículo, publicado em Maio de 1948, centra-se na mulher camponesa: «As Mulheres que labutam de sol a sol na terra portuguesa costumam definir o seu destino com esta frase: “A nossa vida é muito escrava!” (…) Mulheres a quem a vida pesa brutalmente são todas as que suportam inconcebíveis trabalhos, rigores e angústias, (…) Agora, porém, referimo-nos em especial, à camponesa, força humilde e esquecida, cuja contribuição para a vitalidade do País, (…) chega a ser desumana, pela violência desmedida.»

Os restantes fascículos contemplam os grupos laborais que falam da mulher do mar, da operária, das empregadas (que englobava as profissões liberais, intelectuais e artistas) e as domésticas.

Maria Lamas lamenta que as mulheres portuguesas não tenham consciência dos seus direitos e deveres.

Nas Palavras Finais de Maria Lamas ao encerrar o livro, lê-se: «Ao darmos por findo este documentário sobre a vida da mulher em Portugal, não ficamos, de forma alguma, com a pretensão de ter dito tudo quanto seria justo e necessário dizer.

Pelo contrário, se o conhecimento directo das condições em que ela vive (…) nos revelou a gravidade de certos problemas que especialmente lhe dizem respeito, permitindo-nos avaliar os diversos graus da sua mentalidade (…). À medida que íamos percorrendo aldeias, vilas e cidades, (…) melhor compreendíamos a importância da obra que urge realizar, para que a mulher portuguesa ocupe o lugar que lhe compete na sociedade e na vida.»

E dirá, em entrevista ao DL: «A grande maioria das mulheres portuguesas – especialmente a corajosa mulher do povo, a sacrificada mulher da classe média, a profissional e a intelectual – dirige ansiosamente os seus olhos para o futuro. Mesmo as que não sabem exprimir as suas razões, sentem que alguma coisa está errada – alguma coisa que as atinge nos seus direitos, na sua própria felicidade. Mesmo as que não lutam, esperam! (…) Desligam a sua vida da vida política do País. Isto é um erro grave em que incorrem quase todas as mulheres portuguesas, um erro que é preciso desfazer.»

É inevitável a ligação de Maria Lamas ao Movimento Democrático de Mulheres (MDM). É sua presidente honorária.

No passado mês de Junho, a propósito dos 75 anos da publicação do 1.º fascículo de As Mulheres do meu País”, o MDM realizou no Museu do Aljube – Resistência e Liberdade uma grande iniciativa «As Mulheres do meu País – uma obra que sobrevive ao tempo», integrada num ciclo de conversas «Mulheres de Abril, na Resistência ao fascismo», dinamizadas pelo MDM.

Maria Lamas é ela também uma mulher de Abril!


Ana Souto