A música emerge das suas raízes latino-americanas, em particular do Brasil e do México. Às melodias e ritmos somam palavras que brotam da vivência quotidiana dos seus membros e que buscam um sentido transformador, incluindo no plano social. São o grupo “Francisco, el Hombre” e para a actuação na Festa prometem um concerto «bem especial», com larga gama de sentimentos, do «emocionante ao dançante»
Uma originalidade do vosso grupo está logo expressa no nome e que aponta para uma espécie de dupla nacionalidade da formação: brasileira e mexicana, a dupla nacionalidade dos irmãos Sebastián e Mateo Piracés-Ugarte que fundaram o Francisco, el Hombre. Como é que surgiu a ideia de misturar elementos musicais do Brasil e da América Latina?
Olá, quem responde aqui é LAZÚLI, vocalista, percussionista e compositora que no caso é brasileira. Bom, sinto que especialmente Seb (Sebastian) estava querendo resgatar suas raízes mexicano/chilenas e se reencontrar-se com essas muitas culturas que Abya Yala (América Latina) traz, coisa que só um projecto novo poderia possibilitar. Então a Francisco surgiu como um sonho que Seb compartilhou com seu irmão (os dois já tinham outra banda juntos) e da vontade de viver a estrada como o personagem “Francisco, el hombre”vivia em suas lendas. No percurso aprendemos a ser permeáveis às culturas locais, deixando um pouco da gente e levando um pouco de cada lugar por onde passamos.
Querem explicar o que quer dizer a vossa autodefinição musical: «Batuque Punk Tropicarlos»?
Hahahaha esse nome eu não lia há muito tempo! A gente testou vários nomes pra tentar definir o que fazemos na Francisco, e esse foi um deles. Explico:
Batuque porque a batucada é algo transamericano e transatlântico, algo ancestral e muito brasileiro que captura o chakra base de quem estiver presente e esse ingrediente está sempre no nosso caldeirão;
Punk porque essa foi uma escola para vários de nós, e trazemos essa veia em nossa musicalidade e modo de vida;
Tropicarlos porque somos brasileires, latinoamericanes e temos um senso de humor bem particular, a gente gosta de fazer trocadilhos, encaixar nomes aleatórios de pessoas onde não havia antes e piadas sem graça. Uma referência para esse Carlos aí é um personagem versão brasileira do Eddie do Iron Maiden que uma banda punk de amigos, chamada “Merda”(é isso mesmo) criou.
As vossas canções, quase sempre alegres e divertidas, têm, amiúde, letras de crítica social, corrosiva, à sociedade de consumo, aos excessos do capitalismo, à violência doméstica, ao racismo. O vosso trabalho tem objectivos de mudança política, podemos classificar a vossa obra como “música de protesto ou de intervenção” ou não se revêem nesse tipo de classificação?
A gente não curte rótulos, falamos sempre do que nos é urgente, do que nos comove, e muitas vezes essas mensagens acabam sendo políticas. Se quiser encontrar termos para descrever nossa obra pode usar palavras como «arte que busca transformar, catalisar mudanças do micro e do macro, pois quando a indivídua/o/e muda, muda seu entorno». Para nós, música é comunicação e arte é transformação.
O Francisco, el Hombre tem 10 anos, existe desde 2013, editou três álbuns, três EP, cinco singles e teve uma canção nomeada para os prémios Grammy em 2017 (Triste, Louca ou Má). Pelo tipo de letras que cantam é de se imaginar que o período do governo de direita de Bolsonaro (agravado com as dificuldades da pandemia COVID-19) tenha correspondido a um tempo de dificuldades para trabalhar. Como é que o grupo passou por esses anos?
Muitas mudanças ocorreram, e assim como muita gente no mundo, e ainda mais num país de terceiro mundo como o Brasil, a gente se apertou, mas pudemos nos sustentar de muitas maneiras graças a esse colectivo/família que formamos entre nossa produtora Difusa Fronteira e Francisco, el hombre.
Nos últimos meses estiveram em tournée no Brasil, a assinalar os 10 anos do grupo, num espectáculo com Cláudia Manzo e DJ Zubreu. Qual foi o momento dessa tournée que ficou mais marcado na vossa memória?
Cada show é muito especial e único. Um show que me marcou por exemplo foi o do Circo Voador, o primeiro show dessa leva de 10 anos e foi histórico fazê-lo nessa casa também histórica do Rio de Janeiro, com abertura e participação do ÀVUÁ, participação de Lan Lanh, Jonathan Ferr e Braza, e tanta gente linda presente. Foi uma real festa de aniversário.
Na vossa biografia um dos factos notáveis foi o de uma campanha que lançaram em 2016, intitulada #VaiPraCuba, que procurava financiamento para irem à ilha filmar um documentário sobre a cultura cubana. Sentem alguma ligação especial com Cuba? É uma ligação política ou artística?
Ambos! Cuba é um país de cultura riquíssima, além de seus pontos políticos/filosóficos interessantes. Na época, estava rolando o começo de uma polarização entre esquerda e direita, sem muita consciência do povo do que isso realmente quer dizer, e surgiu uma espécie de xingamento para quem fosse “de esquerda”, o «Vai pra Cuba!». Então a gente foi ver e viver Cuba, conhecê-la para além dos estereótipos que nos chegavam.
Qual é o repertório que vão apresentar na Festa do Avante! – abrange toda a vossa carreira ou foca-se em temas recentes e/ou novos?
A gente preparou um show bem especial para essa tour de 10 anos, abrange grande parte da nossa carreira sim, e prometo que tem uma gama de muitos sentimentos nesse setlist, do emocionante ao dançante, mas só quem for vai saber de facto!