Quando o presidente de um sindicato, neste caso os Teamsters, tem de pedir ao presidente do seu país, neste caso os EUA, o favor de não lhe proibir uma greve, estamos conversados sobre democracia, neste caso, burguesa. É por isso que, quando sobram menos de duas semanas para chegarem a um acordo com trabalhadores, os patrões da United Parcel Service, mais conhecida por UPS, se podem dar ao luxo da intransigência total, mesmo depois de 97 por cento dos motoristas terem votado a favor da greve sem fim à vista.
Pelo menos a Forbes está preocupada. Na edição de segunda-feira avisava que, se os 340 mil trabalhadores da UPS começarem a greve já no dia 1 de Agosto, como está previsto, a América provará «a greve mais cara do último século, que custará à economia dos EUA mais de 7 mil milhões de dólares nos primeiros dez dias».
A UPS é a maior empresa de logística e entregas do mundo e também dos EUA. Só neste país, entrega mais de 24 milhões de encomendas diariamente, ultrapassando o próprio serviço postal público estado-unidense. Isto significa que, se a UPS parar, nada a consegue substituir e a economia também pára. Os donos da UPS anunciaram que estão a treinar milhares de motoristas «não-sindicalizados» e que, em caso de paralisação, até administrativos e gestores farão entregas, mas, previsivelmente, a procura de fura-greves será sempre astronomicamente superior à respectiva oferta.
A intransigência dos patrões é total. Depois de semanas de negociações, em vésperas da caducidade do actual contrato colectivo, a única cedência patronal foi a promessa de instalação de sistemas de ar condicionado nas carrinhas com que os motoristas fazem as entregas. Mas os trabalhadores continuam a exigir «salários que permitam viver» a milhares de trabalhadores part-time, prémios para quem teve de fazer entregas durante a pandemia, a redução do recurso ao trabalho extra-ordinário com mais contratações e o aumento da percentagem de trabalhadores com contratos permanentes e full-time. «Não precisamos de biscates, precisamos de melhores salários» sintetizou, em declarações à ABC, o presidente dos Teamsters, Sean O’Brien.
Em Dezembro, o Congresso e a Casa Branca ignoraram diferenças partidárias e concertaram esforços para proibir a greve dos trabalhadores ferroviários. A justificação? Sairia demasiado cara à economia dos EUA. Munidos deste precedente, os patrões da UPS, que em 2022 acumularam lucros de 13 mil milhões de dólares, um recorde histórico, podem ser intransigentes à vontade: a UPS também é demasiado importante para a «economia» para que se admitam greves. Claro que os precedentes são, como dizem os estado-unidenses, iguais às latas de minhocas: sai uma e começam a sair todas: onde se traça a linha entre as greves que prejudicam muito «a economia» (assim, abstractamente com aspas) e as que prejudicam pouco? E a economia de quem? De todos por igual, ou de uns mais do que de outros?
Sean O’Brien deixou um conselho à Casa Branca: «Não se metam. No meu bairro de Boston, se duas pessoas tiverem um desentendimento e tu não tivesses nada a ver com isso, não te metias». É quase como se o sindicalista soubesse antecipadamente de que lado é que vai estar o governo «do povo, pelo povo, para o povo» sempre que haja uma luta entre exploradores e explorados. São assim os regimes em que se pode fazer e dizer tudo, excepto tudo o que ponha em causa os lucros dos capitalistas.