No centenário do seu nascimento

José Dias Coelho, artista e militante

José Dias Coelho foi assassinado pela PIDE em 1961, tinha apenas 38 anos

José Dias Coelho nasceu em Pinhel, em 19 de Junho de 1923 e, após uma passagem, com a família, por Coimbra, onde fez os primeiros anos da instrução primária, e por Castelo Branco, onde frequentou o liceu, vai morar para Lisboa, onde conclui os estudos liceais e participa pela primeira vez numa exposição, com um conjunto de caricaturas, a que a crítica se refere com apreço e que desde logo são reveladoras do seu talento invulgar.

Por essa altura, o fascismo avançava na Europa e no mundo: a guerra de Espanha termina com a vitória dos fascistas e tem início a Segunda Guerra Mundial, com a qual Hitler pretendia assegurar a conquista e o domínio do mundo. Por cá, Salazar conclui o processo de fascização do Estado, criando um vasto conjunto de instrumentos repressivos, designadamente a polícia política (PVDE/PIDE/DGS), o Tribunal Militar Especial, a Legião Portuguesa, o Campo de Concentração do Tarrafal. Não sem antes assegurar a liquidação dos sindicatos livres e a aprovação fraudulenta da Constituição fascista.

Ainda muito jovem, José Dias Coelho junta-se àquele que viria a ser o seu partido de sempre: o Partido Comunista Português. Estava então em curso a reorganização de 1940/41, que, superando dificuldades e fragilidades orgânicas causadas pela brutal ofensiva repressiva dos anos 30, transformaria o PCP num partido marxista-leninista, um grande partido nacional, vanguarda de facto da classe operária e das massas trabalhadoras, o grande partido da resistência e da unidade antifascistas.

É neste contexto político que José Dias Coelho participa nas actividades do Movimento Nacional de Unidade Antifascista (MUNAF) e, depois, integra o Movimento de Unidade Democrática (MUD), o primeiro movimento antifascista legal, criado na sequência do fim guerra. E, logo a seguir, inicia uma intensa actividade no MUD Juvenil, participando igualmente na Comissão de Escritores e Artistas Democráticos e na subcomissão dos Artistas Plásticos.

A influência do Partido crescia, nomeadamente entre a intelectualidade que levava por diante uma intensa actividade simultaneamente criativa e antifascista. Num impressionante movimento cultural, a literatura e as artes plásticas, com o movimento neo-realista, dão voz à realidade do País, mistificada pela propaganda fascista.

Os romancistas, poetas e artistas plásticos, com a sua arte e o seu talento, são verdadeiros porta-vozes dos anseios, aspirações e lutas dos trabalhadores e do povo. Iniciativas como a criação, por Bento de Jesus Caraça, da Universidade Popular e a Biblioteca Cosmos, surgem como testemunhos imperecíveis de uma resistência empenhada à ditadura e da luta por uma cultura ao serviço do povo.

 

As Exposições Gerais, os artistas e os intelectuais

Muitos artistas plásticos, entre eles José Dias Coelho (que entretanto frequentava escultura na Escola de Belas Artes e se destacava como um dos principais dirigentes da luta dos estudantes de Belas Artes pela criação da Associação Académica), resistem à imposição da mediocridade e da propaganda reaccionária e dão, de formas diversas, imagens do seu povo e da sua luta, colaboram com o seu talento criador em acções abertamente políticas pela liberdade e pela paz.

José Dias Coelho desenvolve uma activa intervenção na dinamização das Exposições Gerais de Artes Plásticas, cuja primeira se realiza em 1946 e que mostram o que de mais válido e de maior qualidade existia nas artes plásticas de então. Por outro lado, essas Exposições reúnem pela primeira vez criadores de todos os géneros artísticos, de todas as idades e sem júri de admissão, apresentando-se como uma frente comum liberta das pressões impostas pelo fascismo, de que eram exemplo as exposições organizadas por António Ferro no SNI.

A enorme capacidade de José Dias Coelho para criar e desenvolver amplos consensos, a sua aguda sensibilidade política e sólida preparação ideológica, o seu prestígio e a confiança nele depositada por todos os que o conheciam, inclusivamente por artistas e intelectuais bastante mais velhos do que ele, foram decisivos para o êxito das Exposições Gerais, para a concretização de várias outras acções comuns e até para o alargamento da frente intelectual antifascista, isolando os intelectuais serventuários do regime.

Nessas exposições surgirão nomes que viriam a afirmar-se como figuras maiores das artes plásticas portuguesas: Rolando Sá Nogueira, João Abel Manta, Júlio Pomar, João Hogan, Alice Jorge, Rogério Ribeiro, Cipriano Dourado, Querubim Lapa, Lima de Freitas, Manuel Ribeiro de Pavia, Maria Keil, Margarida Tengarrinha, e muitos outros, jovens que integravam o vasto círculo de amigos de José Dias Coelho e sobre os quais ele exercia forte influência política.

 

Repressão e clandestinidade

Em 1949, José Dias Coelho participa na campanha «eleitoral» de Norton de Matos. Detido pela PIDE, é levado para o Aljube, onde permanece incomunicável durante 10 dias. Por essa altura, realiza-se em Paris o I Congresso Mundial dos Partidários da Paz, para o qual Picasso desenha a célebre Pomba da Paz, que se transforma num símbolo à escala planetária. No ano seguinte, surge em Portugal a Comissão Nacional para a Defesa da Paz, que lança a campanha das «100 mil assinaturas para o Apelo de Estocolmo», na qual Dias Coelho se empenha activa e intensamente.

Entretanto, o Governo fascista de Salazar é admitido na NATO e, em 1952, realiza-se no Instituto Superior Técnico a reunião do Pacto do Atlântico, alvo de forte contestação popular. Na sequência dela, José Dias Coelho é expulso de todas as escolas do País.

No final de 1952, José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha iniciam a vida em conjunto. Em 1953 nasce a primeira filha. A segunda filha nasceria na clandestinidade, em 1959.

Em 1955 entra na clandestinidade, como funcionário do PCP, sabendo que a sua tarefa consistia em montar uma oficina de falsificação de documentos (bilhetes de identidade, licenças de bicicleta, cartas de condução, passaportes, etc.) para defesa dos militantes clandestinos no trabalho de organização e nas relações internacionais do Partido.

Das suas mãos e do seu talento de artista plástico saíram também numerosas gravuras de linóleo e madeira que deram um contributo decisivo para o enriquecimento gráfico de várias publicações do Partido: o Avante!, O Militante, A Voz das Camaradas, A Terra, O Ferroviário.

Nesse tempo de vida clandestina escreve também, com a colaboração da sua companheira, o livro A Resistência em Portugal, que constitui a primeira abordagem da luta dos comunistas, dos trabalhadores e do povo contra o regime fascista.

 

Novas tarefas e um crime bárbaro

Em finais de 1960, José Dias Coelho mudam de tarefas, passando ele a integrar a direcção do Partido em Lisboa, com a responsabilidade do Sector Intelectual, onde desenvolve relevante actividade, facilitada pelo prestígio que mantinha junto da intelectualidade e pela sua imensa capacidade de diálogo. Organiza várias acções da Oposição Democrática, nomeadamente na preparação das «eleições» para a Assembleia Nacional marcadas para 12 de Novembro de 1961.

Nesse ano, no decurso do qual o regime fascista sofre fortes abalos, o Partido avançava decididamente na correcção do desvio de direita, após a fuga de Peniche ocorrida no ano anterior. O colectivo partidário desenvolvia intensa actividade, reforçando a sua ligação à classe operária e às massas e repondo a via do levantamento nacional como caminho para o derrubamento do fascismo. Em preparação estavam, já, as grandes lutas que marcariam o início do ano seguinte: o poderoso 1.º de Maio de 1962 e a conquista das oito horas de trabalho pelos assalariados agrícolas da zona do latifúndio.

Ainda em 1961 deram-se ainda o assalto ao Paquete Santa Maria, o início da luta de libertação do povo angolano, as grandes manifestações contra a farsa que foram as «eleições» para a Assembleia Nacional fascista, a fuga de Caxias, a 4 de Dezembro, de um conjunto de dirigentes e quadros do Partido, e a libertação de Goa, início da derrocada do colonialismo português.

Mas 1961 foi, também, um ano de forte repressão: dirigentes do Partido, como Octávio Pato, Carlos Costa, Joaquim Pires Jorge e Américo de Sousa foram presos. E José Dias Coelho foi assassinado pela PIDE a 19 de Dezembro. Tinha 38 anos.

 

Referência permanente

José Dias Coelho constitui uma referência permanente na luta que hoje continua e que assumiu enquanto artista e militante.

A última gravura que José Dias Coelho criou, um mês antes de ser ele próprio assassinado, representa, dir-se-ia que premonitoriamente, o assassinato do jovem operário Cândido Martins (Capilé) numa manifestação popular, em Almada, e tem como legenda: «De todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas.»

José Dias Coelho, artista e militante, exemplo de dignidade revolucionária, coragem e abnegação, é uma dessas sementes que germinam nas lutas dos trabalhadores e do povo, que prosseguem, na luta pela democratização da cultura – que envolve intelectuais comunistas e muitos outros democratas e patriotas sem partido –, na afirmação do projecto e dinamização da intervenção do PCP.

Pelos direitos, pela alternativa patriótica e de esquerda, parte integrante da democracia avançada inspirada nos valores de Abril, pela sociedade nova sem a exploração do homem pelo homem.