Corrigir injustiças na reparação da sinistralidade laboral

Portugal tem um problema sério de sinistralidade laboral e de doenças profissionais. Só em 2022, registaram-se 510 acidentes de trabalho graves e 134 acidentes de trabalho mortais. Apostado em dar um combate firme a este flagelo continua o PCP.

Acidentes de trabalho em Portugal são um problema sério

A expressão mais recente desse empenho de quem não aceita que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais sejam uma inevitabilidade foi a elaboração de três projectos de lei. Estiveram em debate e votação no Parlamento, dia 26, acabando inviabilizados pelo voto contra da maioria absoluta do PS, acolitada pelo PSD (nos três diplomas), pela IL (em dois) e pelo Chega (num deles).

Entendendo que a sinistralidade laboral pode e deve ser prevenida e combatida, as propostas do PCP (ver caixa) apontam para a correcção de injustiças que continuam a persistir neste domínio, visando simultaneamente garantir «direitos laborais e sociais». Isso mesmo salientou logo a abrir o debate o deputado Manuel Loff, eleito pela CDU pelo círculo eleitoral do Porto.

Nesse sentido, um dos textos legislativos avançava para a revisão do regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, procedendo à segunda alteração à Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, enquanto um segundo propunha que a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho seja a entidade beneficiária de 1% do montante das coimas aplicadas por violação das regras de segurança e saúde no trabalho.

Já o terceiro diploma advogava o recálculo das prestações suplementares para assistência a terceira pessoa, propondo-se ainda que a indexação seja referenciada ao salário mínimo nacional e não ao Indexante de Apoios Socais (IAS).

Sob vários pretextos, tanto o PS como as forças políticas à sua direita revelaram no debate (ver caixa) não ser esta uma matéria que os preocupe sobremaneira, muito menos esteja no quadro das suas prioridades de acção. Ignorada por todos eles foi, por exemplo, a falta de uma fiscalização regular e eficaz à obrigatoriedade legal de seguro pelo risco de acidentes de trabalho, questão que Manuel Loff colocou no centro do debate.

Acontece que «tem crescido o número de empresas que não transferem a responsabilidade pelos riscos de acidente de trabalho para as seguradoras», o que, «associado a encerramentos de empresas sem processos regulares de insolvência, leva a que um número cada vez maior de trabalhadores em situação de incapacidade para o trabalho se veja sem a protecção adequada». Para esse facto alertou o deputado com assento na bancada do PCP, lamentando que nestas circunstâncias «os sinistrados e suas famílias, não poucas vezes, caiam em situação de fragilidade e vulnerabilidades sociais, das quais dificilmente saem».


Seguradoras a ganhar

Outro ponto para o qual Manuel Loff chamou a atenção refere-se à forma como a legislação vigente «claramente beneficia as seguradoras ao desresponsabilizá-las por muitos dos casos de acidentes de trabalho». Uma realidade que se mantém nos dias de hoje e que o PCP considera profundamente injusta, defendendo que o cumprimento das regras de segurança e saúde no trabalho, bem como a reparação dos acidentes de trabalho, não pode ser feita «sacrificando trabalhadores e beneficiando seguradoras».

É que, como sublinhou Manuel Loff, são graves os impactos e consequências humanas da sinistralidade laboral, sendo «em muitas situações «um factor de destruição da vida profissional e familiar, sobretudo quando o resultado é a incapacidade parcial ou total para o trabalho e/ou uma situação de deficiência irrecuperável de grau elevado».

 

As falsas desculpas do PS e companhia...

Através da deputada Marta Freitas, o PS procurou justificar o voto contra alegando que as propostas do PCP são «pontuais e casuísticas», que não se pode iniciar um processo legislativo «pelo fim, sem dados concretos», «sem ouvir os especialistas», havendo que «aguardar pela conclusão» do chamado «Livro Verde da Segurança e Saúde no Trabalho». Considerou, por outro lado, aludindo à evolução da tendência da sinistralidade nos últimos cinco anos, que «existe um decréscimo de acidentes, em particular os mortais».

No final, Manuel Loff não deixou a bancada do PS sem resposta, desmentindo os dados e conclusões por aquela referenciados.Sustentado em informações da ACT, revelou que em 2020 o número de acidentados mortais por acidente de trabalho foi de 137, subiu para 149 em 2021, desceu em 2022 para 134, pelo que, frisou, o que ressalta é uma estabilização, «não uma redução consistente».

Sem comentário não passou também o dito «Livro Verde», que a deputada do PS disse que ficaria pronto lá para o final do ano, com Manuel Loff a afirmar que preferiria que fosse «um livro verde para o presente, que resolvesse o problemas às pessoas, aos sinistrados graves». «Aos 134 mortos no ano passado, para que é que serve a operação Livro Verde?», indagou.

 

Propostas justas e necessárias

Dos três diplomas do PCP, nomeadamente do que propõe a revisão do regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, destaquemos as seguintes propostas:

- Garantia de indemnização de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, independentemente de culpa da entidade patronal;

- Alteração das regras de escolha do médico assistente, com vista a assegurar a independência necessária na avaliação do momento da alta;

- No caso de o sinistrado ser mandado trabalhar, não estando apto para retomar o trabalho e a prestação for recusada pela entidade patronal, poder recorrer a qualquer médico, sendo sujeito à avaliação por perito designado pelo tribunal, no prazo de cinco dias;

- Revisão do regime de apoio permanente de terceira pessoa, alargando designadamente o regime ao período de incapacidade temporária;

- Iindexação de todas as prestações ao salário mínimo nacional e não ao IAS, dado o seu carácter de rendimentos substitutivos do trabalho;

- Alteração da norma que hoje impõe a remição obrigatória das pensões por incapacidade permanente inferior a 30% - uma remição que beneficia as companhias de seguros em largos milhões de euros, enquanto constitui um avultado prejuízo para os sinistrados;

- Retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões não ser de valor inferior ao da retribuição mínima mensal garantida na data da certificação ou da morte;

- Atribuição à Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho de 1% do montante das coimas aplicadas por violação ou incumprimento das regras de segurança e saúde no trabalho e da reparação de acidentes de trabalho;

- Recálculo da prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, não na base do IAS - Indexante dos Apoios Sociais, mas sim com referência ao salário mínimo nacional.

 



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