Milhares na marcha nacional pelo efectivo direito à Saúde
No sábado, dia 20, milhares de pessoas, vindas de todos os distritos, manifestaram-se nas ruas de Lisboa, Porto e Coimbra. Protestaram contra a falta de investimento no Serviço Nacional de Saúde e exigiram medidas que garantam ao SNS as condições necessárias para cumprir a obrigação que a Constituição atribui ao Estado, concretizando o direito de todos os portugueses à Saúde.
É preciso acabar com o estrangulamento financeiro do SNS
A convocação da marcha «Mais SNS, melhor Saúde» partiu deuma comissão promotora, constituída pela CGTP-IN, por estruturas representativas de trabalhadores do sector (a Federação da Função Pública – FNSTFPS, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e o Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica – STSS, pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Autarquias Locais – STAL e pelo Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos.
A iniciativa ganhou, ao longo de cerca de um mês, o apoio de muitas outras organizações.
Em Coimbra, ao final da manhã, a marcha desde o Centro de Saúde da Avenida Fernão de Magalhães até à Praça 8 de Maio contou com gente de todos os distritos das Beiras e de Leiria. No Porto, durante a tarde, nas proximidades do Hospital de São João, manifestaram-se trabalhadores e utentes deste distrito e de Aveiro (Norte), do Minho e de Trás-os-Montes e Alto Douro. Em Lisboa, também de tarde, do Campo Pequeno até ao Saldanha, a marcha reuniu pessoas dos concelhos desta Área Metropolitana, do Ribatejo, do Alentejo e do Algarve.
Em seis pontos apenas
Numa resolução, aprovada nas três cidades pelos participantes na marcha nacional em defesa do direito à Saúde, as reivindicações foram sintetizadas em seis pontos:
– «Exigir a garantia do financiamento necessário para que as unidades do SNS possam cumprir a sua função, pondo fim ao estrangulamento financeiro, que as tem impedido de resolver problemas estruturantes, e, assim, garantir a prestação de cuidados com segurança e qualidade»;
– «Exigir ao Governo que tome as medidas necessárias para a valorização profissional e salarial de todos os profissionais de Saúde no SNS, que contribuam para estancar mais saídas e trazer de regresso parte dos milhares que procuraram, noutros países ou no sector privado, melhores condições de trabalho»;
– «Exigir o fim do processo de privatização da saúde, terminando com a transferência crescente da prestação de cuidados de saúde para os grupos económicos, que custa ao País muitos milhares de milhões de euros»;
– «Exigir a garantia de médico e enfermeiro de família para todos os portugueses, o que passa pela formação e contratação de mais profissionais»;
– «Exigir ao Governo medidas de organização e direcção que garantam a articulação entre os Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados Hospitalares, por forma a garantir acesso atempado às consultas da especialidade e às cirurgias»;
– «Exigir ao Governo políticas de promoção de saúde e prevenção da doença, dotando o SNS de meios para as concretizar».
Na resolução ficou expressa a determinação de «continuar a luta em defesa e pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, única solução para que as populações, independentemente das suas condições socioeconómicas, tenham garantido o direito constitucional de acesso aos cuidados de Saúde».
«Não pode ficar indiferente!»
«O Governo não pode ficar indiferente ao que se está a passar aqui hoje, ao que se passou antes e vai continuar a passar», salientou Paulo Raimundo, considerando que a marcha em Lisboa, no Porto e em Coimbra foi «uma grande acção de massas, de exigência», «uma grande manifestação de descontentamento da população».
Em declarações aos jornalistas, durante a marcha em Lisboa, o Secretário-geral do PCP garantiu que «vamos continuar a apoiar estas acções» e alertou que «o pior momento do SNS é aquele que está para vir, se não forem tomadas as medidas que é preciso tomar hoje: reforço das verbas, reforço do investimento, valorização dos profissionais e garantia do acesso da população portuguesa à saúde».
Para lá de assuntos que ocupam muito tempo na comunicação social e nas declarações de outros responsáveis políticos, «é preciso dar resposta» a problemas como «a fixação de profissionais no SNS, a valorização do Serviço Nacional de Saúde, garantir que todas as pessoas têm acesso a cuidados médicos»
«É um problema de grande dimensão» haver mais de um milhão e 600 mil pessoas sem médico de família», enfatizou Paulo Raimundo.
Questionado sobre um aumento da despesa do SNS em pessoal, o dirigente comunista chamou a atenção para o facto de 2023 ser «o ano em que se transferiu mais dinheiro público (cerca de 40 por cento do total do Orçamento do Estado da Saúde) directamente para o negócio da doença». O SNS «é delapidado todos os dias», mas essas verbas deveriam ser usadas para «garantir condições» no serviço público.
«O Governo, infelizmente, tem um plano, que é desmantelar o SNS», acusou, realçando que «há uma diferença brutal entre a propaganda, aquilo que se afirma, e a realidade».
A delegação do PCP, de que fizeram parte Jorge Pires e Paula Santos, membros da Comissão Política do Comité Central do Partido, trocou saudações com muitos dos participantes na marcha, na qual depois se integrou, desfilando até ao Saldanha.
A força de um grito em Lisboa
Faixas, cartazes, bandeiras, folhas de papel ou cartão com inscrições manuscritas, uma seringa gigante (pronta para «injectar» no Governo a política de Saúde necessária), camisolas – em vários suportes foi transmitida a mensagem dos milhares de pessoas que desfilaram em Lisboa, entre o Campo Pequeno e a Praça do Duque de Saldanha. Destaque-se a força e a persistência de tantas vozes, gritando palavras de ordem ao longo de todo o percurso.
«A Saúde é um direito, não é um negócio, e sem ela nada feito!» foi uma forma de juntar duas das frases mais repetidas. Com a iniciativa a partir de carros de som, megafones ou vozes mais potentes que dispensavam amplificação, quem estava mais perto entrava facilmente no jogo ritmado: «O povo merece melhor SNS», «É preciso investir, para a saúde garantir», «Sem trabalhadores temos mais dores», «O que é que o povo quer? Saúde para viver!».
Pelos escritos (embora muitas pessoas não tivessem visíveis elementos identificativos), foi possível perceber melhor quem estava na marcha. Logo atrás da faixa da comissão promotora, desfilaram activistas do MUSP e de muitas comissões de utentes: Alverca, Alhandra, Póvoa de Santa Iria, Castanheira do Ribatejo, Vialonga, Vila Franca de Xira, Alenquer, Amadora, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Lourinhã, Sintra… Um grupo da ASPP clamava pelo direito à saúde operacional na PSP. Seguiram-se comissões de utentes de Lisboa, Marvila, Loures, Frielas e Santo António dos Cavaleiros, Odivelas, Pontinha, Benavente, Quinta do Conde, Montijo, Almada, Laranjeiro-Feijó, Alhos Vedros, Baixa da Banheira, Seixal, Setúbal, Alto Alentejo, Barreiro, Cascais, Oeiras, Algarve, Santarém, Beja, Aljustrel… O Movimento Democrático de Mulheres, o MURPI (Confederação Nacional de Reformados, Pensionistas e Idosos), «a juventude quer o que é seu – SNS público, gratuito, para todos».
A União dos Sindicatos de Lisboa marcou o início de uma também longa série de estruturas sindicais: da Função Pública (com faixas a lembrar a luta dos técnicos auxiliares de saúde e auxiliares de acção médica pela sua carreira e a contestar a falta de trabalhadores), dos enfermeiros, dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, dos médicos, da Administração Local, da Inter-Reformados, da hotelaria, do comércio e serviços.
Do palco instalado na placa central do Saldanha, intervieram: Cecília Sales, do MUSP; Helena Fonseca, do STSS; Isabel Barbosa, do SEP; João Proença, da FNAM; Sebastião Santana, da FNSTFPS; e Isabel Camarinha, Secretária-geral da CGTP-IN. Por fim, foi aprovada e aclamada a resolução desta marcha, ficando a garantia de que a luta pelo SNS e pelo direito à Saúde vai continuar.
Um abraço ao São João
Eco do primeiro ponto do artigo 64.º da Constituição – «Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover» –, a marcha, no Porto, estendeu-se como um abraço da comunidade a envolver o Centro Hospitalar Universitário de São João.
Centenas de utentes e profissionais deram corpo e voz a esse compromisso, inscrito na lei fundamental, ao exigir do Governo uma intervenção forte e urgente em defesa do Serviço Nacional de Saúde.
A caminhada fez-se mosaico de expectativas que urge cumprir. «A população de Vila do Conde exige mais médicos de família», gritava uma das faixas. Outra reclamava um centro de saúde em Azevedo e Campanhã, em plena cidade do Porto, e houve ainda quem ali se tivesse deslocado para apelar à reabertura das urgências de Ovar e das extensões de saúde encerradas com prejuízo das populações.
Esta iniciativa permitiu ainda dar voz ao dever inadiável de «cuidar de quem cuida»: lado a lado com utentes estiveram representantes de sindicatos dos médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e assistentes, a pugnar por carreiras profissionais valorizadas e condições de trabalho melhores – exigências sucessivamente negadas por governos que têm cedido aos interesses do negócio da doença.
O resultado dessas escolhas políticas está à vista. «O subfinanciamento crónico do SNS, a incapacidade de reformar, a gestão não participada levada a cabo pelos sucessivos governos têm colocado em risco» o SNS, alertou Joana Bordalo e Sá, médica e presidente da FNAM.
As suas palavras reflectiram os anseios dos diferentes profissionais que, todos os dias, lutam contra a exaustão e inventam forças para continuarem a defender o SNS no terreno, resistirem ao assédio do sector privado e mesmo para aguentarem até ao final de cada mês, porque há salários que não chegam aos 800 euros.
É o caso dos assistentes operacionais, há décadas em luta por uma carreira profissional que está, finalmente, ao alcance, mas da qual o Governo quer, agora, excluir uma parte dos trabalhadores. Garantir que ninguém fica para trás é um dos objectivos desses profissionais e é aquele que resume a caminhada que envolveu o São João, porque só com mais SNS haverá melhor saúde.
Reivindicações concretas no centro
Na marcha, em Coimbra, que se iniciou junto ao Centro de Saúde da Avenida Fernão de Magalhães, participaram milhares de utentes e trabalhadores do SNS e de outros sectores, do distrito anfitrião e de Leiria, Guarda e Viseu, Aveiro (Sul) e Castelo Branco.
Estiveram patentes reivindicações concretas de mais investimento no serviço público e menos financiamento dos grupos privados, para salvar o SNS.
As faixas, bandeiras e pancartas traduziram várias dessas reivindicações, reflectindo uma larga abrangência territorial e sectorial: em defesa do Hospital dos Covões e dos HUC, pela restauração das urgências em Nelas e do SAP 24 horas em Tábua, contra a «saúde intermitente» em Arganil, pela reabertura das extensões de saúde em Soure e por um posto médico em Figueiró do Campo, pela valorização do Centro de Reabilitação Rovisco Pais e do Hospital de Cantanhede, em defesa da Maternidade da Guarda, por investimento em material no Centro de Saúde Norton de Matos, por mais médicos para os centros de saúde (Vieira de Leiria, Moita, Marinha Grande, Pampilhosa da Serra, Góis e Vila Nova de Poiares), pelas especialidades de estomatologia, oftalmologia e otorrino no Centro de Saúde da Fernão de Magalhães – entre outras justas exigências.
Nas faixas de sindicatos, reivindicou-se «vínculo público de nomeação nos hospitais do SNS», «direito à saúde operacional na PSP» e assinalou-se a presença de enfermeiros, trabalhadores do comércio, escritórios e serviços, da ERSUC...
Também foram visíveis bandeiras e faixas do MDM, da Inter-Reformados, da ACRP (MURPI), da Associação Centro Saudável, entre outras estruturas.
No início da marcha ou no final, na Praça 8 de Maio, intervieram representantes do MUSP (Fátima Pinhão) e de comissões de utentes, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, do Sindicato dos Médicos da Zona Centro, da União dos Sindicatos de Coimbra (Luísa Silva, coordenadora) e da CGTP-IN (Mário Nogueira, da Comissão Executiva).