Limitar o trabalho por turnos e nocturno reforçar os direitos dos trabalhadores

O regime de trabalho nocturno e por turnos, a laboração contínua que devia obedecer a critérios de excepcionalidade, tem vindo a generalizar-se. Uma prática que resulta sempre em benefício do patronato e em grave prejuízo dos trabalhadores.

O trabalho nocturno tem de ter carácter excepcional

É o trabalho ao sábado, ao serão, ao domingo, por turnos, à noite.

Os números são avassaladores e comprovam essa tendência de desregulação dos horários de trabalho, responsável pela subversão do princípio dos três 8x8x8 – oito horas de trabalho diário, oito horas para lazer, convívio familiar e cultura, oito horas para dormir e descansar –, que esteve na base desse avanço civilizacional que foi a criação de uma jornada de trabalho.

Se em 2009, segundo o INE, o número de trabalhadores em trabalho por turno era de 457 500, em 2019 elevava-se já a 796 000 (dos quais 403 500 são mulheres), ou seja, quase que duplicou no espaço de uma década. Uma evolução de sentido negativo coincidente com sucessivas alterações à legislação laboral que resultaram sempre em degradação dos direitos dos trabalhadores.

A acompanhar esta realidade desde a primeira hora esteve sempre o PCP. Remonta a 2001 o seu primeiro diploma sobre a matéria, a que se seguiram duas outras iniciativas em 2017 e 2020. Na passada semana, um novo projecto de lei foi submetido a debate parlamentar – não por acaso, aliás, esta foi a primeira iniciativa legislativa sobre este assunto apresentada pela bancada comunista nesta legislatura – e, tal como as três anteriores levadas a plenário nas últimas duas décadas, foi chumbada por PS e PS, desta feita também com o voto contra da IL e a abstenção do Chega.

 

PS e direita em sintonia

A sobressair do debate no dia 28, em contraste com as preocupações e a persistência do PCP na busca de soluções justas, esteve a manifesta ausência de vontade do PS em contrariar o actual estado de coisas - «a legislação laboral já prevê normas laborais específicas», «não se pode ignorar a concertação social», foram argumentos aduzidos -, posição acompanhada pelas bancadas à sua direita, em discursos que não disfarçaram indiferença perante os atropelos aos direitos dos trabalhadores.

Em nenhum momento, com efeito, se revelaram sensíveis aos alertas feitos pela bancada comunista relativamente aos impactes na saúde provocados pelo trabalho por turnos, em particular o nocturno. As suas consequências não são desconhecidas e estão demonstradas por investigações científicas: o trabalho nocturno exige um esforço suplementar; o sono diurno é um sono mais curto (cerca de duas a três horas a menos do que o sono da noite) e de menor qualidade; o trabalho nocturno gera perturbações de sono, vigílias frequentes, irritabilidade, esgotamentos, tendências depressivas.

 

Consequências nefastas

O deputado Manuel Loff, baseando-se em estudos que o comprovam, chamou a atenção em particular para o facto de as mulheres serem especialmente atingidas, devido a um aumento substancial do risco do cancro da mama: a incidência é 50% mais elevada nas mulheres activas de 30 a 54 anos que trabalham de noite pelo menos metade do ano.

Mas não é só sobre a saúde que recaem as consequências nefastas da desregulação dos horários de trabalho. É a própria vida dos trabalhadores que sofre alterações profundas, como tratou de evidenciar o parlamentar da bancada do PCP: «São homens e mulheres obrigados a viver em contraciclo. São mães e pais que não estão com os filhos. Que saem de casa com as crianças ainda a dormir; que chegam quando estas já estão a dormir. Que não podem assistir às festas e às actividades escolares e desportivas dos filhos – o turno não deixa. São fins de semana que não há, nem com a família, nem com os amigos. São mães, pais e filhos,

namorados que não têm tempo para viver em conjunto.

São crianças que crescem privadas do tempo de descanso, de lazer; famílias que se constroem nos intervalos dos turnos.»

Razões, pois, na perspectiva do PCP – e nesse sentido vão as medidas por si propostas –, para que o princípio e a lei, reconhecendo as características penosas do trabalho nocturno, partam da afirmação da sua excepcionalidade, limitando tanto aquele como o trabalho por turnos às «situações que sejam técnica e socialmente justificadas, e uma vez garantidas com todo o rigor as condições de segurança, a protecção da saúde, a garantia de protecção da maternidade e paternidade, infra-estruturas e serviços sociais compatíveis com este tipo de horários de trabalho, e que sejam fixados por negociação e contratação colectiva subsídios e compensações adequadas aos trabalhadores abrangidos.»

Objectivos estes, como sublinhou Manuel Loff, que o PCP não desiste de alcançar.

 

Crescentemente feminino

41% das mulheres assalariadas, em 2021, trabalhavam com um ou mais destes horários. É entre as mulheres que eles mais têm crescido

45% das trabalhadores do sector dos Serviços, que concentra 90% das mulheres com este tipo de horários, estão abrangidas por eles

Uma exigência histórica

Em 1866, a Associação Internacional dos Trabalhadores apresentou a reivindicação universal dos três oitos: oito horas para trabalhar, oito horas para lazer, convívio e cultura; oito horas para dormir e descansar.

 

Trabalho nocturno: riscos para a saúde

Investigações científicas mostram que o trabalho noturno exige um esforço suplementar. O sono em estado de reativação diurna é um sono mais curto (cerca de 2 ou 3 horas a menos do que o sono de noite) e de uma qualidade menor.

O trabalho nocturno provoca perturbações de sono, vigílias frequentes e outras perturbações neuropsíquicas, irritabilidade, agressividade, esgotamentos, astenia, tendências depressivas.

O risco de desenvolver um cancro na mama é cerca de 50% mais elevado nas mulheres com idades compreendidas entre os 30 e os 54 anos tendo trabalhado de noite pelo menos metade do ano, do que nas mulheres da mesma idade trabalhando durante o dia. Se o trabalho nocturno se estender por seis anos o risco sobe para 70%.

 

Limitar, apoiar e compensar: o PCP propõe o PCP

• Limitação do trabalho noturno e por turnos às situações que sejam técnica e socialmente justificadas*

• Fixar o conceito de trabalho nocturnoentre as 20h00 e as 7h00

• Não aplicação de mecanismos de desregulamentação do horário de trabalho relativamente ao horário de trabalho noturno e por turnos

• Limitar o recurso ao sistema de turnos 3x8 e estabelecer para este sistema a redução semanal do horário de trabalho

• Estabelecer periodicidade no gozo dos dias de descanso rotativos, mesmo ao sábado e domingo

• Obrigatoriedade de realização periódica de exames médicos

• Acréscimo de 25% no pagamento do trabalho por turnos, acumulável com o acréscimo por trabalho nocturno, sempre que o turno o implique

• Antecipação da idade de reforma para o regime de trabalho por turnos

• Bonificação no cálculo da reforma em mais 0,2% por cada ano de trabalho por turnos ou nocturno

• Aumento da taxa social única a pagar pelas entidades patronais que recorram ao trabalho por turnos ou noturno

• Reconhecimento do direito a sair do regime de turnos, passando para o horário diurno**

 

*com garantias de segurança, de protecção da saúde, dos direitos de maternidade e paternidade, de equipamentos de apoio

** após trabalhar 20 anos neste regime ou quando o trabalhador tiver 55 anos de idade, sem perda do subsídio que usufrui à data, sem prejuízo das condições mais favoráveis consagradas nos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho