Soberania alimentar
Os agricultores tiveram, no ano passado, uma perda de rendimento na ordem dos 11,8%
Portugal está numa dependência perigosa em matéria alimentar. No último ano, o saldo da balança agro-alimentar, incluindo o pescado, chegou aos cinco mil e duzentos milhões de euros negativos, mas só no agroalimentar passámos já os quatro mil milhões. Um défice que continua a aprofundar-se, não obstante todos os anúncios de planos e medidas para o combater.
Défice que no caso dos cereais é ainda mais assustador, tratando-se não apenas de um caso de soberania alimentar mas já de segurança nacional – e este inverno registámos, novamente, a menor área semeada de sempre. Isto, apesar de os agricultores portugueses darem notáveis provas de determinação, de vontade, de amor à terra e ao trabalho, revelando o potencial que tem a agricultura nacional e a produção de alimentos.
Potencial que não ilude as marcas da política de direita, uma profunda debilidade, que está espelhada nos censos de 2019 – com menos agricultores, mais envelhecidos, maior concentração da propriedade, mais áreas de pastagens e de culturas permanentes – e que os últimos anos veio sofrer impactos muito sérios: da epidemia, que não estão todos ultrapassados, uma vez que houve quem, pela idade, fosse obrigado a abandonar a actividade, face às múltiplas e muitas vezes incompreensíveis limitações; da seca, que são estruturais, como por estes dias se vê, e que exigem medidas de fundo; dos aumentos especulativos dos preços dos factores de produção (sementes, adubos, fitofármacos, combustíveis, energia, rações, maquinaria), que começaram no último semestre de 2021; das sanções a pretexto da guerra; a que agora se vão somar os impactos da aplicação de um Plano Estratégico da PAC que não corresponde aos interesses nacionais.
Assim se explica que o INE indique que os agricultores tiveram, no ano passado, uma perda de rendimento na ordem dos 11,8%.
Como se explica também pelo facto do Governo assumir opções políticas que aprofundam ainda mais as dificuldades. Mantém as ajudas, no âmbito do PEPAC, direccionadas para o grande agronegócio, com cortes directos nos apoios à pequena agricultura e mais complicações nas candidaturas actuais às ajudas comunitárias. Anuncia milhões e milhões que depois nunca chegam ou chegam tarde e mal a quem precisa. Desmantela paulatinamente o Ministério da Agricultura. Recusa indemnizar os agricultores que, crescentemente, se vêem a braços com prejuízos provocados por animais selvagens. Recusa sucessivamente as propostas do PCP, designadamente sobre o Gasóleo Agrícola, sobre a aquisição de factores de produção ou sobre a criação de uma estrutura que assegure o escoamento e aprovisionamento de cereais.
Face à pulsão inflacionista, as recentes medidas do Governo, que, apesar de tudo, são uma resposta à luta, são limitadas, parciais e neste caso estão ainda eivadas de problemas específicos.
Desde logo porque elas incluem a aceitação da ideia de que os produtores têm culpas no cartório pelo aumento dos preços. Depois porque não pedem um cêntimo que seja à grande distribuição dos lucros extraordinários que obtiveram.
Ainda, porque os milhões anunciados, e este Governo é exímio em anunciar milhões, vão acabar nos bolsos dos mesmos. Repare-se que, aos pequenos agricultores, estão apenas reservados 50 euros, quando o ano passado já ficaram afastados dos apoios extraordinários.
E porque, para satisfazer a CAP e a grande distribuição, passou por cima das estruturas existentes, designadamente a PARCA, impedindo uma verdadeira transparência. É muito significativo que o Protocolo assinado com aquelas estruturas exija a autorização das partes para a revelação dos dados apurados. E até a reprogramação do PEPAC, será aí debatido, à margem da Comissão de Acompanhamento existente, que envolve todas ao organizações do sector.
Ora o que faz falta, também na agricultura, é outra política, patriótica e de esquerda! É dessa outra política que o PCP vem tratando no Roteiro da Soberania Alimentar que está a desenvolver.