Uma lista de 12 factos que aconteceram em 1966 acompanha uma selecção elaborada por José Duarte para enquadrar a estreia, nesse ano, do programa radiofónico Cinco Minutos de Jazz.
Cinco desses factos são musicais e incluem referências a obras de Shostokovich (música sinfónica); Beatles (pop/rock); Ornette Coleman, Miles Davis e John Coltrane (jazz).
Dois factos referem-se a outras artes: Tarkovsky (cinema), Liechtestein, Chagall, Warhol e Vasarely, com estes quatro artistas plásticos reunidos na mesma referência.
Um facto assinala um episódio da Guerra Fria: a italiana Fiat assinou um acordo com a União Soviética para construir uma fábrica de automóveis na cidade de Togliattigrad, assim chamada em homenagem ao dirigente comunista italiano Palmiro Togliatti.
Dois factos dizem respeito à política portuguesa: o anúncio do primeiro acto de processamento judicial sobre o assassinato de Humberto Delgado e a imposição da lei marcial em Macau na sequência de um protesto de alunos e professores chineses, cuja repressão provocou oito mortes, 200 feridos e 62 prisões.
Dois factos referem-se ao próprio Cinco Minutos de Jazz. O primeiro marca a data da sua estreia, a 21 de Fevereiro. O segundo é sobre aquilo que José Duarte, na edição de 2019 de um livro homónimo, descreve como sendo «as primeiras mensagens apócrifas» que na altura começou a receber e que tentavam acabar com uma emissão que duraria 57 anos, até à morte do seu autor, no passado dia 30 de Março de 2023.
Descreve José Duarte que essas mensagens o classificavam «como amante de batuques e racista e até “apreciador da cultura dos pretos que punham em risco a unidade nacional”».
A irritação com que o regime olhava para o jazz, e que fez da sua divulgação e organização em Portugal um acto de resistência antifascista, levou José Duarte a concluir esse livro desta maneira, no seu estilo de escrita que tentava simular em texto o swing próprio do jazz:
«cada simples Cinco foi outro pauzinho
na engrenagem
cada um uma oportunidade arriscada
para deixar mensagens implícitas
contra o poder ditatorial»
Olhamos para a escolha desses 12 factos e temos, portanto, todo um programa político-cultural:
- defesa da diversidade musical colocando em pé de igualdade a importância da música sinfónica, do jazz e da pop;
- defesa da liberdade criativa colocando no mesmo patamar criadores de artes, nacionalidades e ideologias muito diversas;
- defesa da paz internacional e da luta social através do exemplo da fábrica da Fiat aberta na União Soviética e da homenagem ao histórico secretário-geral do PCI;
- reivindicação de justiça ilustrada pelo assassinato pela PIDE de um opositor a Salazar;
- recusa do colonialismo através do exemplo da repressão pelas autoridades portuguesas sobre chineses em Macau;
- denúncia do racismo através das acusações recebidas contra o programa.
O 25 de Abril não mudou os princípios e o cariz de resistência democrática que a divulgação do jazz comportou, não só na interpretação de José Duarte, mas por toda a sua geração de divulgadores na imprensa – perdemos José Duarte, mas já tínhamos perdido Manuel Jorge Veloso (que foi meu camarada de redacção quando trabalhei aqui no Avante!), Luís Villa-Boas, Duarte Mendonça e Paulo Gil. Restam poucos.
No congresso de jornalistas de 1998, José Duarte protagonizou outro dos muitos episódios da sua vida de militante pela causa político-cultural do jazz: fez uma intervenção onde defendeu o papel do jornalismo em defesa da «paz e igualdade na informação para Outras Artes, Outras Músicas» e que «o papel do jazz é um papel de permanente criatividade, de constante imprevisibilidade, de incansável imaginação, papel de saudável iconoclastia, investigação e falta de respeito pelo óbvio, papel, pois, da frente, papel progressista».