Trabalho: patronato continua a ganhar com a agenda laboral indigna

Alfredo Maia

Foi aprovado o decreto da Assembleia da República n.º 36/XVi, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, ou o também designado, na linguagem propagandística do Governo e do PS, «Agenda do Trabalho Digno». Trata-se, porém, de uma agenda de indignidades que não ousa bulir nos interesses do patronato, que aliás despudoradamente se prepara para desafiar a ousadia de algumas «novidades».

O PS continua conluiado com o patronato em matéria de legislação laboral

Numa recente entrevista ao Jornal de Negóciosii, o responsável da Bolt em Portugal deixou bem claro que nem esta nem as restantes plataformas digitais a operar no País tencionam cumprir a lei. Ele próprio não respeitará a presunção da laboralidade que vincula a sua empresa a 20 mil motoristas e outros tantos estafetas. «Não está previsto» reconhecer os contratos, disse Nuno Inácio.

O semanário Expressoiii inquiriu as diferentes companhias sobre se tencionam – e como – cumprir as novas normas, obtendo o silêncio como resposta. Mas foi adiantando opiniões de advogados de grandes escritórios tendentes a alimentar dúvidas quanto à sua exequibilidade prática.

Está lançada uma nova frente de resistência patronal ao pouquíssimo que se avançou, como se não bastasse a manutenção das normas gravosas do Código do Trabalho e como se não fossem os trabalhadores a ter mais legítimas e mais fortes razões para contestar a agenda indigna aprovada pelo PS com a cumplicidade do PSD.

À medida em que, na discussão na especialidade, se iam «fechando» matérias e sobretudo com a votação final globaliv, a imprensa foi dando eco do que «vai mudar» na legislação laboral e construindo a ideia – falsa, mas conveniente ao PS e útil ao patronato – de que uma grande mudança estava em marcha.

E foi destacando, para além da regulamentação (insuficiente) das plataformas digitais, regras sobre o período experimental, contratação a termo, trabalho temporário, outsourcing, compensação pela cessação do contrato a termo, teletrabalho e cuidadores informais. Com pequenas melhorias, mas muito, muito longe do necessário.

Por exemplo, foi salientado com manifesto exagero o aumento da compensação por cessação do contrato a termo – de 18 para 24 dias da retribuição-base e diuturnidades. Mas omitiu-se que PS e PSD chumbaram a proposta do PCP de reposição do pagamento de três ou dois dias de retribuição e diuturnidades por cada mês de duração do contrato.

Assim como se omitiu que foi liminarmente rejeitada a proposta do PCP de reposição da indemnização por despedimento com base num mês de retribuição e diuturnidades por cada ano de serviço, que fora reduzida, em 2012, para apenas 12 dias e diuturnidades por imposição da tróica e aceite por PS, PSD e CDS.

Também passou em claro a manutenção do roubo, perpetrado naquela altura, no pagamento do trabalho suplementar, em dias normais e em dias de descanso semanal ou feriado, embora com uma aparência – que disso não passa! – de progresso.

De facto, na nova redacção, o trabalho suplementar prestado em dias úteis até ao total de 100 horas anuais continua a ser pago com o acréscimo de 25% da retribuição horária na primeira hora, ou fracção, 37,5% nas seguintes e 50% nos dias de descanso semanal ou feriado.

Apenas se exceder as 100 horas anuais, esse trabalho passa a ser pago com o acréscimo de 50% pela primeira hora ou fracção e 75% nas subsequentes, em dia útil, e de 100% nos dias de descanso ou feriado, ou seja, as compensações asseguradas no Código do Trabalho antes da intervenção da Troica, independentemente no número de horas trabalhado.

Foi com essas compensações que o PCP quis repor, recuperando também o direito a um descanso compensatório. Mas o PS, em convergência com o PSD e a IL, impediu-o, em ordem a manter o trabalho barato e a favorecer o patronato.

Foi também com esses objectivos que a convergência na política de direita travou as propostas do PCP de redução dos horários de trabalho (35 horas semanais, sete diárias) em todos os sectores, bem como de imposição de restrições ao recurso à laboração contínua e ao trabalho por turnos.

No discurso, o PS bem apregoa o princípio da «conciliação» da vida pessoal e familiar com o trabalho como central na sua pretensa Agenda do Trabalho Digno. Mas, confrontado com propostas concretas que tornariam essa articulação possível, não hesitou em manter-se conciliado com o capital.

Conluiado com a direita, o PS também não quis mexer nas normas sobre caducidade e sobrevigência das convenções, que dão todo o poder ao patronato, permitindo-lhe impor a redução de direitos, bloquear negociações ou mesmo acabar com os contratos colectivos de trabalho.

Entre outras normas gravosas na legislação que o patronato não deixa revogar, e que o PS obedientemente mantém, está também a da presunção da aceitação do despedimento. Por mais ilegal e injusta que seja a decisão da empresa, o trabalhador, privado do emprego e do salário, fragilizado económica e psicologicamente, fica impedido de a impugnar nos tribunais se aceitar a indemnização.

Trata-se de uma norma aviltante e indigna, como o PCP bem salientou ao longo dos debates, que o PS nem sequer discutiu e a que a imprensa pouco ou nada ligou. É um exemplo flagrante da subserviência aos interesses do capital.

i Publicado no Diário da Assembleia da República de 6 de Março

iiEdição de 19 de Fevereiro

iiiEdição de 10 de Março

ivSessão plenária da Assembleia da República de 10 de Fevereiro