Aspectos diversos, o mesmo eixo e a mesma consequência
O interesse fundamental de Portugal é a paz
Banksy por Pawel Ryszawa
Os últimos dois meses têm sido fartos em noticias envolvendo as Forças Armadas, embora quase todas elas por más razões. A começar, no Exército, pelo indecoroso caso de violência na instrução e acabando na submissa doação de carros de combate Leopard à Ucrânia, passando pela existência de legionella em instalações situadas da Base Naval de Lisboa, a trama de milhões que envolveu responsáveis no MDN, a absurda situação de pré-ruptura, no final do ano, no Hospital das Forças Armadas, a proibição de gozo de férias aos militares da Força Aérea por motivo do aniversário do Ramo (escassez de pessoal a quanto obrigas) que há-de ocorrer ou pelo caso dos dois navios patrulha que, embora ao serviço e já com largas horas de navegação, ainda aguardam pelas peças de artilharia, já para não falar do estado mais geral de alguns navios e o cansaço das guarnições, a situação operacional dos EH 101, etc.
A submissa decisão relativa ao fornecimento de carros de combate Leopard II, por entre afirmações contraditórias de membros do Governo, não lembra ao diabo e confirma mais uma vez que a concepção que preside à tomada de decisão não é a do interesse nacional. Desde o ridículo anúncio da oferta dos inoperacionais Kamov (que tanto quanto se sabe, parece que ainda não foram e ficará para os anais do anedotário), até ao anúncio da oferta dos Leopard II, com assumidos problemas que afectam a sua operacionalidade, como reconhecido pelo Primeiro-ministro, tudo aparece aos olhos do povo português e, particularmente dos militares, como uma triste paródia.
Mas é mais do que isso: é o contributo de Portugal para uma escalada de guerra, destruição e mortes. E quando se fala de escalada não é pelo efeito prático desses carros de combate no rumo do conflito, mas pelo clima político de acirramento da crispação que alimenta quando, ao contrário, o que se impõe é parar a guerra e forçar a negociações. É útil relembrar o ignorado conceito de diplomacia preventiva, que foi utilizado pela primeira vez durante o conflito do Congo (1960), sendo posteriormente recuperado em 1992 pelo então Secretário-geral das Nações Unidas na sua Agenda para a Paz e que poderia, se esse tivesse sido o objectivo, evitado esta guerra.
Mas é útil também ter presente o que consagra a nossa Constituição da República, mas também não ignorar que Portugal tem interesses próprios a defender e que esses interesses não são necessariamente os da NATO ou da UE. Há uma velha máxima da estratégia que diz: pelo que é vital, morre-se; pelo que é importante, combate-se; pelo que é secundário, negoceia-sei. Ora, mesmo seguindo o padrão dominante de raciocínio, não há nada do ponto de vista das alianças a que Portugal pertence que nos obrigue a ter de agir desta forma. O interesse fundamental de Portugal é a paz. Portugal não ganha com o negócio do armamento, nem da energia, nem dos combustíveis, como outros estão a ganhar aos milhares de milhões. Portugal não tem de «dançar» ao som da música que a hierarquia das potências tocam. Não faltam exemplos mais remotos e mais actuais que o recomendam, mas as opções são sempre as mesmas e de sentido negativo. E o discurso justificativo é sempre o mesmo, com as óbvias consequências. Como temos afirmado, e a vida vem comprovando, quanto mais inserção e participação externa mais degradação e definhamento vem ocorrendo nos múltiplos aspectos que compõem as Forças Armadas – condições sócio-profissionais, materiais, equipamento, atractividade, bem como vem deixando a rectaguarda da instituição militar fragilizada com consequências na manutenção dos equipamentos, com redução da sua disponibilidade operacional limitando o treino, a formação e a manutenção das qualificações dos militares. E não são peças propagandísticas sobre nichos de qualidade e inovação que conseguem tapar uma realidade cada vez mais evidente. E isto nada tem a ver com a qualidade e profissionalismo dos homens e mulheres que compõem as fileiras. Ao contrário, não fosse isso e bem pior tudo estaria.
Exercer soberania é antes de mais um acto de vontade e só depois de capacidade. Quando a vontade não está presente não há capacidade que se consiga materializar. É, pois, necessária uma outra política onde a vontade de afirmação soberana de Portugal seja a matriz para a resposta necessária a um Portugal com futuro.