A vitória da URSS em Stalinegrado foi há 80 anos
A 2 de Fevereiro comemoram-se os 80 anos da vitória do Exército Vermelho na Batalha de Stalinegrado, a mãe das batalhas da II Guerra Mundial e quiçá a maior da história. A batalha no Volga, tendo como epicentro a cidade de Stalinegrado (Volgogrado), envolveu cerca de 2,2 milhões de militares, ao longo de 200 dias e noites, de 17 de Julho de 1942 a 2 de Fevereiro de 1943, numa extensa frente, abrangendo o território russo dos actuais distritos de Voronej, Rostov, Volgogrado e da República da Kalmykia.
A proeza do povo soviético ao longo de 1418 dias de guerra não tem paralelo
A derrota das tropas da Wehrmacht e satélites em Stalinegrado teve um profundo significado no destino da Guerra, que teve na frente Leste os principais e decisivos embates. De um total de 256 divisões das forças nazis, cerca de 179 foram destinadas à frente contra a URSS e o Exército Vermelho. A que acrescem 61 divisões dos satélites (italianos, romenos, húngaros, croatas, eslovacos, etc.), perfazendo um total de 240 divisões.
Stalinegrado foi o ponto de viragem da II Guerra, a partir do qual a iniciativa estratégica não mais deixou de pertencer ao Exército Vermelho. Até à derradeira Batalha de Berlim, na Primavera de 1945, no coração da besta nazi. Note-se que o badalado Dia D na historiografia ocidental, o desembarque na Normandia dos Aliados, só ocorreu 16 meses após a transcendente vitória soviética no Volga, num momento em que a completa libertação do território da URSS se encontrava num estádio avançado.
A superioridade da União Soviética na Batalha de Stalinegrado, a par do significado militar, estratégico, político, ideológico, encerra uma genuína e poderosa dimensão simbólica. Stalinegrado condensou a crueza, destruição e barbárie e o exemplo anónimo massivo de patriotismo e resistência soviéticos perante o invasor e os seus hediondos propósitos. A imortal gesta colectiva de Stalinegrado – e o caminho percorrido pelo Exército Vermelho e a URSS até ao hastear da bandeira vermelha sobre o Reichstag e o acto da capitulação incondicional do regime nazi – não podem ser abstraídos dos impactos que irradiam da Revolução de Outubro e do papel central desempenhado pelo VKP(b), o Partido Comunista de toda a União (bolchevique), e gerações de comunistas soviéticos.
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Após os trágicos reveses da URSS nas primeiras semanas e meses da guerra, a resistência soviética impôs na batalha travada nos arredores de Moscovo no final de 1941 a primeira derrota estratégica ao invasor. A informação de Richard Sorge (Ramsay) desde Tóquio de que o Japão não tencionava entrar em guerra contra a URSS a breve trecho permitiu à Stavka (o Alto-Comando Supremo Militar presidido por Stálin) lançar na batalha de Moscovo, com efeito determinante, divisões soviéticas deslocadas da parte oriental do país. As forças nazis foram rechaçadas e a linha da frente no início de 1942 recuara para oeste mais de 200 quilómetros.
A derrota nazi às portas da capital confirmou o descarrilar da Operação Barbarossa e o total fracasso do Blitzkrieg (a guerra-relâmpago). Esboroara-se a ilusão de uma rápida campanha triunfante e caía por terra o mito da invencibilidade da máquina de guerra nazi. Permitiu à URSS ganhar tempo e reorganizar e mobilizar forças para prosseguir uma guerra prolongada.
Travado em Leninegrado (que resistiria a um bloqueio de quase 900 dias) e Moscovo, o inimigo não se encontrava porém derrotado, permanecendo uma ameaça temível. Os insucessos soviéticos na Primavera e Verão de 1942, nomeadamente a catástrofe da ofensiva sobre Kharkov, abriram o caminho à ambiciosa operação de Hitler rumo ao Volga e Cáucaso, visando a penetração em profundidade, o envolvimento de Moscovo a partir de Leste e isolamento da parte europeia da URSS da região dos Urais e o corte da via vital de abastecimento de petróleo de Baku. Neste sentido, Stalinegrado, importante centro industrial e de comunicações, afigurava-se um alvo nevrálgico.
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Para as tropas soviéticas, a batalha de Stalinegrado comportou duas fases estratégicas: a operação defensiva (17 de Julho a 18 de Novembro de 1942) e ofensiva (19 de Novembro de 1942 a 2 de Fevereiro de 1943). Os meses iniciais resultam na progressão das tropas de Hitler, que em meados de Setembro inicia o assalto na zona urbana. A pugna é encarniçada. Combate-se rua a rua, casa a casa, metro a metro. Hitler exige aos seus generais a conquista de Stalinegrado a qualquer custo. O comando alemão continua a despejar novas divisões sobre a cidade, desguarnecendo os flancos. No ponto mais crítico da batalha, as tropas soviéticas encontravam-se comprimidas numa estreita língua ao longo do Volga. Em condições dramáticas, sob fogo constante da aviação e artilharia nazis, o destacamento de forças soviéticas que resistia em Stalinegrado continuava a ser abastecido e reforçado com novos efectivos desde a margem leste do Volga.
Incapaz de quebrar a resistência soviética e tomar o controlo total da cidade, Stalinegrado transformou-se numa armadilha fatal para o ocupante. A contra-ofensiva soviética começara a ser meticulosamente planeada em Setembro, para se iniciar no momento preciso em que as tropas de Hitler, tendo esgotado o potencial de progressão, seriam forçadas a passar à defensiva. Os generais Júkov, vice-responsável do Alto-Comando Supremo, e Vassilevsky, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas foram os principais autores do plano estratégico de contra-ofensiva e cerco do grupo de forças alemãs que tinham como esteio o 6.º Exército da Wehrmacht. A operação tem início a 19 de Novembro. As forças soviéticas avançando nas três frentes, do Sudoeste, do Don e de Stalinegrado, fecham a 23 de Novembro a tenaz em torno do 6o Exército, bloqueando num perímetro inicial de 170 quilómetros um corpo de 284 000 tropas invasoras. Até final de Dezembro, em combates de uma extraordinária magnitude e complexidade entre os rios Don e o Volga, fracassam as tentativas do invasor para desbloquear o 6.º Exército (operação “tempestade de inverno”). Às tropas soviéticas da frente do Don, sob comando do general Rokossovsky, fora colocada a tarefa de liquidar as forças encurraladas do 6.º Exército. Perante a rejeição do ultimato de rendição, o comando soviético inicia a 10 de Janeiro a operação «Anel». A 25 de Janeiro as tropas soviéticas entram em Stalinegrado desde oeste e cortam as forças nazis em duas partes. A 31 de Janeiro uma delegação soviética desce à cave onde se situa o comando do resto do 6º Exército e apresenta um novo ultimato, que é aceite. O restante grupo de forças rende-se a 2 de Fevereiro de 1943. No dia seguinte, na Alemanha nazi é decretado luto nacional.
Stalinegrado encerrou de forma catastrófica a campanha de Verão de 1942 de Hitler. Segundo dados soviéticos, durante toda a Batalha de Stalinegrado, o «bloco fascista perdeu cerca de 1,5 milhão de soldados e oficiais, força aérea incluída, entre mortos, feridos e prisioneiros», representando «aproximadamente 25% das forças que combatiam na frente soviético-alemã», e «cerca de 2000 tanques e canhões motorizados, mais de 10 mil peças de artilharia e morteiros, quase 3000 aviões de combate e transporte e mais de 70 000 viaturas». As baixas do Exército Vermelho totalizaram «1,13 milhão de homens, incluindo cerca de 480 000 mortos».
Depois de Stalinegrado, as posições nazis retrocederam centenas de quilómetros para oeste dos rios Volga e Don. O Exército Vermelho encetou acções ofensivas numa extensa linha de combate que alcançava 2000 quilómetros, libertando Rostov no Don, Kharkov, Kursk, o Donbass e chegando ao rio Dniepre.
No plano internacional, o bloco do Eixo jamais se recompôs da derrota no Volga. O Japão abandonou a intenção de atacar a URSS e a Itália decidiu retirar o grosso das suas forças do território soviético. Na Roménia, a ditadura de Antonescu acusa Hitler de ter abandonado à sua sorte as tropas romenas no Volga... A Turquia, até à data mantendo uma posição de neutralidade, afastou a possibilidade de um ataque à URSS (outro teria sido o cenário se as tropas Wehrmacht tivessem chegado à Transcaucásia). A derrota da Alemanha começa a ganhar contorno. No final do ano realiza-se a Conferência de Teerão entre Stálin, Roosevelt e Churchill.
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Os êxitos na frente da guerra da URSS não teriam sido possíveis sem os esforços titânicos na retaguarda, os instrumentos económicos de planeamento e concentração de meios e recursos e a extraordinária capacidade de direcção e organização demonstrada pelo poder soviético. Atenda-se que até Dezembro de 1941, o agressor conquistara perto de 10% do território da União Soviética, em que residia pelo menos «45% da população». Tratavam-se das zonas de maior desenvolvimento e peso económico do país, incluindo toda a Ucrânia (a Crimeia não era na altura parte desta), Bielorrússia,
Moldávia, repúblicas Bálticas e muitos distritos da parte europeia da Rússia.
Nestas circunstâncias, sob coordenação do Comité Estatal de Defesa, a URSS entre Julho e Dezembro de 1941 procedeu à evacuação de 2593 empresas, das quais 1523 de grande dimensão, para as regiões orientais do país, naquela que constituiu uma verdadeira saga.
Estes esforços épicos tinham como fundamento o dramático processo de industrialização da URSS, e muito em especial o desenvolvimento da indústria pesada, algo que fora tornado possível nas condições do poder soviético e de uma economia assente na propriedade estatal dos meios de produção e sistema financeiro nacional. No pré-guerra, a industrialização acelerada, não obstante os seus custos e desequilíbrios, permitiu essencialmente à URSS colmatar a brecha com as potências capitalistas em muitas áreas da produção e mesmo passar para a dianteira em alguns sectores. Factor que depois se revelaria crucial na total passagem para as condições de uma economia de guerra e no caminho trilhado até à conquista da vitória em 1945, em que a URSS continuou justamente a tirar partido das vantagens e superioridade da economia e planeamento socialistas.
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A proeza do povo soviético ao longo de 1418 dias de guerra não tem paralelo. A humanidade deve em muito à URSS e ao socialismo a derrota do nazi-fascismo. Facto que é necessário sublinhar no momento em que a guerra grassa novamente no leste da Europa, o neonazismo é instrumentalizado e a crise do capitalismo coloca ao mundo ameaças sem precedentes.
Contrariamente ao apregoado por sucessivas campanhas de reescrita da história, foi na frente Leste que se decidiu não só o destino da II Guerra Mundial, mas também da liberdade no mundo.
Hitler proclamara o III Reich como império de mil anos e o ataque à URSS buscava o «espaço vital». O destino dos povos da URSS sob o jugo nazi estava traçado. O Fuhrer estabelecia as metas: «deveremos liquidar entre três e quatro milhões de russos por ano». Nos territórios ocupados da URSS, a máquina de terror nazi liquidou intencionalmente 7.4 milhões de civis.
A verdade, escamoteada pelo pensamento único, é que a coluna vertebral da Wehrmacht foi aniquilada na frente soviético-alemã. No total, a URSS foi responsável por cerca de 75% dos esforços militares empreendidos pela coligação anti-Hitler.
A guerra de 1939-1945 ceifou pelo menos 60 milhões de vidas, das quais 26,6 milhões soviéticas. O seu sacrifício e a memória da façanha histórica da URSS e da resistência antifascista na II Guerra permanecem vivos e perdurarão ao longo da história.