Defender o SNS para garantir direitos às mulheres e às crianças
O Serviço Nacional de Saúde tem de ser defendido «também como elemento central para a consagração dos direitos das mulheres e das crianças», afirmou o Secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, no debate «A Saúde na gravidez, no parto e na infância – o papel essencial do SNS», realizado no sábado em Lisboa.
O PCP apela a uma forte mobilização em defesa do SNS
Para estainiciativa, o PCP solicitou contributos diversificados. Na mesa, a lançar o tema, estiveram profissionais de saúde profundamente conhecedores da matéria em análise: Aguinaldo Cabral, pediatra e fundador da Sociedade Portuguesa de Doenças Metabólicas; Alexandra Silvestre, enfermeira nos Cuidados Primários de Saúde; Ana Abel, médica obstetra; Ana Campos, médica obstetra e ex-directora do serviço de Ginecologia e Obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa; e Daniel Virella, neonatologista e coordenador de Neonatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central.
No debate que se seguiu participaram médicos, enfermeiros e terapeutas, mas também activistas e dirigentes sindicais do sector da Saúde, membros de comissões de utentes e de associações de defesa dos direitos das mulheres e jovens mães. A abertura ficou a cargo de Bernardino Soares, membro do Comité Central e responsável pela área da política de saúde do PCP. O Secretário-geral, Paulo Raimundo, encerrou a sessão.
As experiências relevadas, os relatos partilhados e as estatísticas apresentadas contribuíram decisivamente para traçar o quadro de um SNS de elevado valor, responsável por Portugal ocupar hoje os primeiros lugares à escala mundial em diversos indicadores de Saúde, com profissionais qualificados e profundamente dedicados ao serviço público, mas sob um violentíssimo ataque visando a entrega de importantes parcelas aos grupos privados, o que lhe limita o alcance e tolda o desenvolvimento.
Ainda assim, como sublinharia no final o Secretário-geral do Partido, tem sido notável a sua capacidade de «resistir e responder, só possível graças ao seu forte enraizamento entre a população, com o empenho e dedicação dos profissionais».
Conquista de Abril
A importância do SNS para a saúde materna e infantil mede-se em números: é a sua criação, na sequência da Revolução de Abril, que explica a queda abrupta dos indicadores relativos à mortalidade de mães e bebés. A realidade anterior, revelou Ana Abel, era marcada pelo predomínio do parto doméstico, assistido por pessoas sem a necessária formação:
Actualmente, quase todos os partos são realizados em hospitais, com elevadíssimas taxas de sucesso. A necessidade de humanização destes serviços, procurando corresponder aos desejos de cada mulher, terá de ser uma preocupação dos serviços, adiantara já Bernardino Soares. Atenção especial terá igualmente de ser dada às mães imigrantes, muitas das quais chegam à hora do parto sem os necessários exames e consultas de acompanhamento.
Ainda no campo das estatísticas, Ana Abel e Ana Campos referiram-se ao aumento da idade média das mães aquando do primeiro filho (hoje em torno dos 31 anos), ao decréscimo no número de filhos (1,34 em 2021 face a 3,20 de 1960), ao constante crescimento dos partos por cesariana e à discrepância entre os que são realizados no SNS e nos hospitais privados – quase o dobro, nos segundos. Falou-se também das frequentes transferências dos hospitais privados para o SNS de grávidas e mães com complicações decorrentes dos partos.
Alexandra Silvestre testemunhou a importância decisiva que os cuidados primários têm no acompanhamento das grávidas, dos bebés e das famílias e, ao mesmo tempo, as «gritantes» carências com que se debate o SNS. Sobretudo a nível de profissionais, que são poucos para o que se impunha, trabalham em condições precárias e não são valorizados.
Denunciando a«inexplicável ausência» da pediatria e neonatologia no discurso dos principais decisores políticos, Daniel Virella afirmou que os cuidados de saúde servem para resolver o que não foi resolvido antes: em sua opinião, sustentada em números e outras evidências científicas e estatísticas, não se pode separar a saúde do resto da vida, dos salários às condições de habitação, da alimentação aos níveis de instrução.
Aguinaldo Cabral, por seu lado, valorizou os ganhos em saúde infantil verificados após o 25 de Abril e a criação do SNS, sobretudo ao nível da prevenção. No desenvolvimento da criança, acrescentou, confluem diversos determinantes, a maioria dos quais de «índole médico-social, devendo ser sublinhada a importância decisiva do papel do SNS e dos serviços públicos».
Defender o SNS
A absoluta necessidade de defender o SNS das investidas de que está a ser alvo uniu os diversos intervenientes – fossem dirigentes do PCP, profissionais de Saúde ou utentes. A compreensão de que só um serviço público forte, universal e gratuito, é capaz de garantir o efectivo direito à saúde para todos e em todo o território era, ali, unânime.
Depois de Bernardino Soares ter garantido, a lançar o debate, que o SNS «continua a ter o papel essencial na garantia dos cuidados de saúde para as mulheres e as crianças», Paulo Raimundo voltou ao tema, rejeitando o discurso do caos que por aí prolifera: «é no SNS que continua a ser prestada a esmagadora maioria dos cuidados de saúde, é nele que estão as respostas para as situações de doença mais complexa, que nenhum grupo privado quer tratar. É com o SNS robusto e a funcionar em pleno que podemos da resposta aos problemas, nalguns casos crescentes, da população. Mas igualmente na promoção da Saúde.»
Diferentes têm sido as opções dos sucessivos governos, e este não é excepção: fragilização do SNS, desvalorização dos seus profissionais, crescentes transferências de dinheiros públicos, valências e serviços para os grupos económicos privados. Este caminho de privatização prosseguido pelo Governo, acusou o Secretário-Geral comunista, é «apoiado e animado» por PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal.
Da parte do PCP, afirmou Paulo Raimundo, «se denunciamos as carências que o SNS tem é precisamente para as ultrapassar» e há meios financeiros para isso, como se comprova pelos milhões desviados para os grupos económicos da energia, dos combustíveis, da grande distribuição ou das auto-estradas.
Impõe-se, pois, uma «forte mobilização» em defesa do SNS, envolvendo os profissionais de Saúde e os seus sindicatos, as populações e comissões de utentes, as organizações de defesa dos direitos das mulheres, as associações cívicas e todas as personalidades que inequivocamente se posicionem neste sentido.
Números
em 1961, a taxa de mortalidade infantil foi de 88,8 por mil nados vivos, e em 1974 era ainda de 34,7; em 2020 e 2021 ficou-se pelos 2,4;
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- em 1960 realizaram-se 219 164 partos. Em 2020 foram 78 890;
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- em 2018, existiam 230 hospitais em Portugal: 111 do SNS (107 públicos e quatro parcerias público-privado) e 119 unidades privadas;
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- um milhão e 400 mil utentes não têm médico de família;
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- em 2021, quatro em cada 10 grávidas não tiveram acesso à ecografia do primeiro trimestre nos cuidados de saúde primários;
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- só 28% das mulheres têm acompanhamento adequado de planeamento familiar;
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- mais de 40% do orçamento do Ministério da Saúde vai parar aos grupos privados, cerca de seis mil milhões de euros;
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- 70% do investimento previsto no SNS para 2022 ficou por concretizar.
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O que há e o que se impõe que haja
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Na intervenção de encerramento, o Secretário-geral do Partido reafirmou a defesa intransigente do Serviço Nacional de Saúde e a absoluta necessidade de o reforçar, de modo a que possa cumprir aquele que é o seu desígnio constitucional.
Ora, um SNS «robusto e a funcionar em pleno» exige investimento público, assegurado a partir do Orçamento do Estado, e, acima de tudo, profissionais motivados, com boas condições de trabalho, o que implica carreiras justas, salários valorizados, estabilidade e, «não menos importante, respeito», afirmou. Para que cumpra a sua missão, acrescentou, não é concebível o «sistemático encerramento de urgências pediátricas, obstétricas e blocos de partos, ou especialidades como a pediatria, com tudo o que isso implica». Pelo contrário, defendeu, o SNS deve ser «da abertura e não do encerramento», garantindo serviços de ginecologia, obstetrícia e pediatria (incluindo os serviços de urgência), reforçando meios humanos e físicos e a capacidade de resposta.
O SNS pelo qual o PCP se bate, acrescentou Paulo Raimundo, tem ainda de «garantir a todos o acesso a médico e enfermeiro de família» e ser capaz de inverter atrasos verificados no acompanhamento a grávidas, bebés e famílias. Terá de romper com o constante desinvestimento em unidades de referência nos cuidados materno-infantis e prestar a necessária informação a todas as mulheres e em todas as fases do processo, «da gravidez ao parto e ao puerpério, assegurando a preparação do parto e até onde for possível a participação informada nas decisões».
Este SNS «forte e capaz» terá também de travar «urgentemente a degradação dos indicadores de saúde, como é o caso da mortalidade materna, especialmente entre mulheres migrantes, ou a elevada taxa de cesarianas, com forte incidência nos partos em hospitais privados». Para o PCP, deve ainda ser dada formação aos profissionais de modo a que seja possível a «humanização de todo o processo, para que o nascimento de um filho seja, como pode e deve ser, um momento de felicidade, de realização de um sonho e de um projecto de vida».
Paulo Raimundo reafirmou ainda a necessidade de garantir «mais médicos, enfermeiros e assistentes técnicos e operacionais, mas também psicólogos, farmacêuticos, técnicos de diagnóstico, terapeutas, dentistas, nutricionistas e tantas outras profissões, para garantir um trabalho que é cada vez mais multidisciplinar e de equipa». Para tal, reafirmou, é necessário a sua valorização e a criação de condições para a sua fixação no SNS. A participação democrática na gestão das instituições e na definição das prioridades foi também referida pelo Secretário-geral do Partido.