Degradação ambiental: o capitalismo no banco dos réus

Culpado: foi este o veredito a que chegou o Tribunal Ambiental promovido anteontem, em Lisboa, pela Juventude Comunista Portuguesa. O réu, esse, é o capitalismo, «responsável pelos crimes ambientais a que assistimos», como salientou na ocasião o Secretário-geral do Partido, Paulo Raimundo.

Não é possível defender o ambiente sem travar a acumulação desenfreada

Encerrando a iniciativa, realizada num anfiteatro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o dirigente comunista afirmou que, «para o capitalismo, de pouco vale o bem-estar das populações, a preservação da natureza, a defesa dos ecossistemas, dos mares e oceanos, das florestas, dos solos. O que conta é primeiro o lucro, depois o lucro e no fim o lucro».

Foi assim e é assim, garantiu Paulo Raimundo: «Não há defesa do ambiente sem justiça social e não é possível justiça social no quadro do capitalismo, logo não se esperem soluções vindas do criador dos problemas. A procura desenfreada de lucro é responsável pela esmagadora maioria das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, pela desflorestação, pela desertificação, pela extinção das espécies. O capitalismo não é, nunca foi e nunca será verde.»

Assim, acrescentou o Secretário-geral do PCP, há que associar a denúncia da degradação ambiental e a exigência de medidas que promovam o equilíbrio ecológico a um forte combate ao capitalismo, por mais «verde» que este se procure apresentar: a «economia verde», de que tanto se fala, é apenas uma operação com o objectivo de «revitalizar o capitalismo, aproveitando justas preocupações de amplas camadas e sectores», denunciou.

Esta é a realidade, por mais que se procure passar para cima de cada um as responsabilidades pela degradação ambiental e transformar a luta em defesa do ambiente numa questão de gerações.

 

Luta de classes ou jardinagem?

Para Paulo Raimundo, a questão é clara e coloca-se nos moldes definidos pelo defensor da Amazónia, Chico Mendes: «ecologia sem luta de classes é jardinagem.» De facto, notou, «não há, em nenhum domínio, políticas neutras e sem ideologia» e a luta «pelo ambiente, a luta pela preservação da natureza, é uma luta que se insere obrigatoriamente na intensa luta de classes que travamos». Não é possível salvaguardar o meio ambiente, acrescentou, «sem travar a acumulação e a concentração de riqueza predadora, desenfreada e destrutiva».

A hipocrisia é, também ela, chocante: o «mercado do carbono», em que se compra o direito a poluir; a tentativa das grandes potências ocidentais de transferir para os países emergentes a responsabilidades pela poluição, são apenas dois exemplos. Certo, porém, é que às potências capitalistas «não interessa que os países utilizem de forma soberana os seus recursos», sublinhou o Secretário-geral do PCP. O caso de África é paradigmático: com 10% das reservas hídricas e petrolíferas, 8% das reservas de gás e 6% das de carvão, 60% das terras aráveis ainda não cultivadas, um enorme potencial solar, geotérmico e eólico e das maiores reservas minerais fundamentais para toda a indústria moderna, desperta hoje o apetite do grande capital. É por isso que, COP após COP, os problemas continuam por resolver, «até porque a sua resolução não é compatível com os objectivos dos que querem dominar o mundo».

Caminho a trilhar

Se não é possível falar da defesa do ambiente sem dar combate ao sistema que o degrada, esta denúncia não se pode esgotar nem em «proclamações generalistas» nem em «visões catastrofistas», garante Paulo Raimundo. Exige, sim, «medidas concretas no nosso País».

Desde logo, apontou, «mais meios para as estruturas públicas em matéria de planeamento, ordenamento, monitorização e intervenção ambiental, e não os caminhos que se têm aberto aos privados». Mas também a contratação de pessoal na Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território ou no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e o reforço de meios humanos na limpeza e na vigilância – com direitos laborais condicentes.

O controlo público dos sectores estratégicos, como o energético, é outra das propostas dos comunistas, colocando empresas como a EDP e a GALP «a responder às necessidades do País e não dos accionistas». O PCP defende também políticas de mobilidade sustentáveis «que dêem centralidade ao transporte público, assegurando a sua qualidade, alargando a sua rede e garantindo preços acessíveis», e o investimento na ferrovia.

Paulo Raimundo apontou ainda a aposta na produção e consumo locais, o controlo público da água, o combate à mercantilização dos resíduos, ao desperdício e à obsolescência programada, a adopção de medidas de adaptação às alterações climáticas e o reforço dos centros de recolha oficial de animais como questões essenciais para o desejado «futuro verde».

De resto, lembrou, a Constituição da República aponta o caminho, quando consagra no seu artigo 66.º que «todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender», e que «incumbe ao Estado (…) assegurar esse direito».

 

Não há defesa do ambiente sem justiça social

• Entre 2002 e 2021 desapareceram 68,4 milhões de hectares em florestas primárias, uma diminuição de 6,7%

• Um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçados de extinção. Em Portugal, 62% das espécies com estatuto conhecido e 75% dos habitats com estatudo conhecido estão em «estado mau» ou «desfavorável»

• 1% dos mais ricos são responsáveis por 16% do total de emissões de gases com efeito de estufa. Nos EUA, isto corresponde a três milhões de indivíduos, que emitem cada um mais de 318 toneladas de CO2 por ano: 2500 vezes mais do que os que vivem nas Honduras, em Moçambique ou no Ruanda

• 1% da Humanidade detém mais do dobro da riqueza que 6,9 mil milhões de pessoas: esse 1% acumulou quase dois terços de toda a riqueza gerada desde 2020. Em Portugal, os 5% mais ricos concentram 42% da riqueza nacional

• 2,2 mil milhões de pessoas não têm água potável em casa e 2,3 mil milhões não têm acesso a serviços básicos de saneamento. Mais de 800 crianças com menos de cinco anos morrem diariamente de diarreia e 258 milhões (um quinto do total) não podem ir à escola. As mulheres ganham menos 24% do que os homens

 

O julgamento

Dois juízes apresentam o caso: a Humanidade acusa o capitalismo de promover a degradação ambiental e o aumento das desigualdades e das injustiças. Em seu nome, vários jovens formulam mais do que argumentos, factos, contra o réu.

 

As acusações

«A obsolescência programada tem levado à falta de qualidade dos produtos e a sobreprodução, completamente desnecessária, desempenha um papel relevante no ataque ao ambiente e aos consumidores.»

Duarte Carvalho

«[O capitalismo] procura privar de água aqueles que dela necessitam. Procura sempre desresponsabilizar-se dos terríveis danos que faz aos rios e oceanos e cria secas, mas os seus habituais lacaios dizem todos que o que é preciso é fechar a torneira em casa e gastar menos água. Atiram a culpa para o indivíduo e desculpam o sistema inteiro que gera os problemas.»

Rafael Verde

«Todos os verões a floresta arde e ouvimos os mesmos lamentos. Todos os anos a mancha de eucaliptal galga pelas nossas serras e vales e os ecossistemas e as espécies autóctones se encolhem e vão desaparecendo.»

Carolina Santos

«O modelo de produção nos campos é o apogeu do extractivismo aplicado à agricultura. Tem grande prejuízo ambiental, degrada os solos, utiliza água ao serviço de interesses particulares e destrói património.»

Bianca Castro

«Apenas 100 empresas são responsáveis por 70 por cento das emissões industriais mundiais. Não podemos atirar culpas individuais quando o problema remete sobretudo a uma classe, a sua obtenção de lucro e acumulação de capital, bem como o modo de produção que a leva a disfarçar as suas acções.»

Vasco Martins

«Sabemos que ao capitalismo nada disto interessa, preocupado que está com os lucros milionários das grandes empresas automóveis, que prometem agora investir tudo em carros eléctricos ou menos poluentes… Sempre o mesmo paradigma, um que não serve à juventude ou à humanidade.»

Francisco Antunes

«A fome assola o nosso planeta. O capitalismo já demonstrou na prática que não conseguiu, não consegue, nem conseguirá acabar com este flagelo porque a sua natureza tendencial é alimentar, mas apenas se o lucro estiver assegurado.»

Rafael Tomé

«Em Portugal, onde a energia enquanto sector fundamental é privada, assiste-se com maior vigor ao flagelo da pobreza energética. 69,6% das habitações dos portugueses têm classificação energética C ou F. 12,7 % não têm equipamentos para aquecer a sua casa e 18,9 % foram incapazes de aquecer a sua casa por razões financeiras.»

Simão Bento

«A guerra, tal como o capitalismo, não serve nem os povos, nem o ambiente. Ataca as

paisagens, esgota os recursos, destrói as potencialidades de produção agrícola, necessária para a soberania dos povos, degola as justas aspirações das populações e deixa duras marcas nas gerações vindouras.»

André Marques


A defesa

Ao «Sr. Monopólio» coube defender o capitalismo das várias acusações que sobre si pendiam. Com pouca criatividade e sem argumentos novos: insistiu na lógica do lucro, repetiu as supostas vantagens da «economia verde» (para si próprio, claro está), procurou responsabilizar as acções individuais de cada um pela degradação ambiental, escondendo culpas próprias, e, à falta de melhor, procurou recuperar a ideia de que é o capitalismo o «fim da história» e que «não há alternativa».

 

A sentença

Os argumentos da defesa não convenceram ninguém, ao passo que as acusações eram fortes, consistentes e verificáveis. Face a isto, o colectivo de juízes e o plenário não tiveram dúvidas em considerar o capitalismo culpado de colocar em risco o futuro da Humanidade.

E concordaram que para construir um futuro verdadeiramente verde, sustentado e duradouro, como diria em seguida Paulo Raimundo, não há volta a dar: «é mesmo com uma política patriótica e de esquerda, a curto prazo, e, a longo prazo, com o socialismo e o comunismo.»