Romain Rolland – uma consciência livre, de Jorge Reis
Romain Rolland foi um dos intelectuais mais lidos pela primeira geração do neorrealismo
Jorge Reis, pseudónimo literário de Atilano dos Reis Ambrósio, nasceu em Vila Franca de Xira em 30 de Janeiro de 1926. Segundo António Mota Redol, que prefacia este estudo/biografia de Jorge Reis sobre Romain Rolland, um dos intelectuais mais lidos pelos jovens autores neorrealistas, sobretudo os da geração inicial do movimento em Vila Franca de Xira: Alves Redol, Dias Lourenço, Bona da Silva, Carlos Pato, Garcez da Silva, Mário Rodrigues Faria, Arquimedes da Silva Santos, todos eles colaboradores do jornal Mensageiro do Ribatejo, no qual, entre 1932 e 1939, mantiveram uma Página Literária, de grande qualidade crítica e interventiva sobre a realidade sociocultural do País.
Jorge Reis, o mais jovem desta geração notável, terá começado a ler Romain Rolland em finais dos anos 1930, aos 16 anos de idade, revela-nos ele neste livro, sendo o autor de Jean-Christophe um dos escritores presentes no espólio da biblioteca pública do Ateneu Artístico Vilafranquence, inaugurada em 1942, por iniciativa de Atilano, António Lopes, António Tavares, Octávio Pato, com apoio, diz-nos Mota Redol, de Alves Redol, à época já a viver e a trabalhar em Lisboa.
Soeiro Pereira Gomes criará também uma biblioteca popular, em Alhandra, na qual não faltavam textos de Romain Rolland.
Socorrendo-nos do prefácio que Mota Redol escreveu para esta edição do livro de Jorge Reis, salientamos algumas passagens: «em 1944, desencadearam-se greves na zona de Lisboa, a norte e sul do Tejo, com grande adesão. Atilano participou intensamente na sua organização, no apoio aos presos grevistas na Praça de Toiros de Vila Franca, pelo que teve de entrar na clandestinidade na estrutura do Partido Comunista Português, acompanhando Soeiro Pereira Gomes nessa circunstância.» Vive clandestino em Coimbra e no Porto, e em 1949 parte «a salto» para França onde, após várias vicissitudes, consegue emprego na Radiodiffusion Française, em 1951. Passa então a usar o pseudónimo Jorge Reis, com o qual assinará todos os seus livros, nomeadamente esse magnífico romance Matai-vos Uns aos Outros, Aquilino em Paris – Páginas do Exílio e o livro de contos A Memória Resguardada, todos esgotados e a aguardar que uma editora atenta os queira recuperar para os leitores de hoje.
A geração cinéfila dos anos 1950/60 lembrarão por certo a voz de Jorge Reis, voz peculiar e carregada de humor, que nos apresentava as Actualidades Francesas, projectadas nos cinemas «de estreia» antes do filme.
Romain Rolland – uma consciência livre, é um ensaio biográfico do autor desse monumento literário que é Jean-Christophe, uma das obras-primas da literatura universal, ensaio que Jorge Reis, falecido em Paris em 2005, nunca conseguiu ver publicado em vida. São estranhos e complexos os caminhos da edição em Portugal, sobretudo quando as obras são incómodas dado incorporarem e defenderem os valores fundamentais da nossa humana condição, a começar pela liberdade de pensar e de agir contra-a-corrente. Vejamos este texto de Rolland, que Jorge Reis inscreve neste seu exemplar ensaio: «Sim, sou um crente na Humanidade. Toda a minha vida prova que o intelectual pode ser livre […] Continuo a sê-lo. Livre, a vida inteira. Quase só, entre intelectuais cujos dogmas orgulhosos e preconceitos egoístas não compartilhava. Quase só, numa pátria cujo nacionalismo combatia, denunciando em 1914 uma guerra fratricida. Ainda mais só, depois da paz, a falsa paz de rapinas…Só – com meia dúzia de homens a defender, no Ocidente, a União Soviética e a enfileirar a seu lado. Não me venham, pois, dizer que não se é livre! É livre quem está pronto a tudo sacrificar à sua alma livre!»
Terminado em Abril de 1966, este ensaio de Jorge Reis só agora foi publicado, graças ao empenho da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo e, em particular, do seu presidente, António Mota Redol.
A Romain Rolland, escreve Jorge Reis, «muito lhe devem aqueles que abriram os olhos para o mundo, quando o salazarismo torturava e deportava e que a vizinha Espanha era estrangulada pelo garrote vil do franquismo, a maioria daqueles que assentavam praça nas fileiras do antifascismo, foi na obra – no pensamento e na acção – do autor de Jean- Christophe, de L’ Ame Enchantée e de Clerambaut – que encheu a mochila e o cantil.»
Para que a memória não esqueça.