Amílcar Cabral assassinado há 50 anos por agentes do colonialismo português
Amílcar Cabral, fundador e líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973, passam amanhã 50 anos, por agentes do colonialismo a soldo do governo fascista de Portugal. Condenado pelas forças progressistas em todo o mundo, o crime hediondo não travou a luta vitoriosa dos guineenses e cabo-verdianos pela sua emancipação nacional e social.
O legado de Amílcar Cabral constitui um valioso contributo para o combate dos povos pela liberdade, progresso social, soberania e independência
PAUL ARPS
Há meio século, em 20 de Janeiro de 1973, Amílcar Cabral, destacado dirigente do movimento de libertação nacional, foi assassinado, em Conakry, por agentes do colonialismo a mando do governo fascista de Portugal.
O crime provocou repulsa e indignação em toda a humanidade progressista. A Organização das Nações Unidas, a Organização da Unidade Africana, governos, partidos e personalidades de diversos quadrantes no mundo condenaram a acção ignóbil do colonialismo português.
O Partido Comunista Português, então na clandestinidade, garantiu que, não obstante o PAIGC e todo o movimento de libertação nacional terem perdido um dirigente ímpar, os objectivos dos colonialistas que comandaram os assassinos não seriam atingidos. Expressou a sua plena confiança em que a luta pela qual Cabral deu a vida prosseguiria até à vitória final. Prestou homenagem ao ardente patriota inteiramente devotado à luta de libertação do seu povo; ao revolucionário consequente dirigindo a construção de uma sociedade progressista na sua pátria libertada; ao inimigo irreconciliável do colonialismo português e amigo sincero do povo de Portugal, que considerou sempre um aliado na luta contra o inimigo comum. E reafirmou ao PAIGC e aos povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde, a inteira solidariedade e o activo e fraternal apoio dos comunistas portugueses em todas as circunstâncias.
O assassinato de Cabral não destruiu a gesta independentista dos povos guineense e cabo-verdiano. O PAIGC prosseguiu o combate nas diversas frentes e intensificou a luta armada, obtendo significativas vitórias sobre o exército colonial.
Em Julho de 1973, realizou-se o II Congresso do PAIGC, que elegeu Aristides Pereira secretário-geral do partido. Em 24 de Setembro, a Assembleia Nacional Popular, reunida na zona libertada do Boé, no Leste guineense, proclamou o Estado da Guiné-Bissau e de imediato a maioria dos países da ONU reconheceu a jovem República.
Com as pesadas derrotas políticas, militares e diplomáticas na Guiné-Bissau, em Moçambique e em Angola, e com o ascenso das lutas dos trabalhadores e do povo em Portugal, o fascismo colonialista português estava moribundo. A 25 de Abril de 1974 – 15 meses depois do assassinato de Cabral –, o Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubou a ditadura em Portugal. O levantamento militar e o levantamento popular que se lhe seguiu, abriu caminho à Revolução de Abril.
No seguimento de conversações entre as novas autoridades portuguesas e o PAIGC, foi assinado em Argel, a 26 de Agosto, um acordo em que Portugal reconheceu a República da Guiné-Bissau e reafirmou o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência. O governo português reconheceu a independência de jure da Guiné-Bissau a 10 de Setembro e Cabo Verde tornou-se independente a 5 de Julho de 1975.
Os povos dos dois países proclamaram Cabral seu herói nacional e fundador da nação guineense e da nação cabo-verdiana.
Nada poderá parar a marcha da História
Filho de pais cabo-verdianos, Cabral nasceu em 12 de Setembro de 1924, na cidade de Bafatá, na então colónia da Guiné. A família muda-se anos depois para a ilha de Santiago, em Cabo Verde, e ali o jovem Amílcar conclui o ensino primário. Entre 1938 e 1944 frequenta o Liceu de São Vicente, onde, aluno brilhante, dinamiza iniciativas culturais, escreve poesia, preside à associação de estudantes, joga futebol.
Em 1945, com uma bolsa de estudos, ruma a Portugal e matricula-se no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. No ambiente do pós-II Guerra Mundial, com a derrota do nazi-fascismo e o crescente prestígio da União Soviética, com a emergência das lutas emancipadoras dos povos na Ásia, América Latina e África –, Cabral estuda e convive com outros jovens, portugueses e africanos (como Agostinho Neto, Mário de Andrade e Lúcio Lara, de Angola; Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, de Moçambique; Alda Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe; Vasco Cabral, da Guiné, entre outros). Participa nas actividades da Casa dos Estudantes do Império, cria um Centro de Estudos Africanos (para «reafricanização dos espíritos»), dá aulas de alfabetização a trabalhadores, manifesta-se contra o surgimento da NATO, é membro activo do Movimento de Unidade Democrática (MUD) Juvenil, que se opõe à ditadura fascista.
Após terminar com elevadas classificações licenciatura e estágios, escolhe em 1952 trabalhar nos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné. Na então colónia, como engenheiro agrónomo, desempenha diversos cargos e dirige o recenseamento agrícola do território, aprofundando assim o conhecimento da realidade. Tenta criar, em 1954, uma associação desportiva e recreativa em Bissau, mas as autoridades coloniais consideram-na subversiva, proíbem-na e obrigam Cabral a abandonar o país natal.
Passa a viver e trabalhar em Portugal e Angola – onde contacta com patriotas que depois formarão o MPLA –, com breves passagens pela Guiné. Numa dessas viagens, funda em Bissau, com outros patriotas, em 19 de Setembro de 1956, o Partido Africano da Independência (PAI), mais tarde PAIGC. Em Janeiro de 1960 deixa definitivamente Lisboa e, em Maio, instala a direcção do PAIGC em Conakry, na República da Guiné.
A partir de então, Cabral e seus companheiros – entre eles Luís Cabral, seu irmão, e Aristides Pereira, que serão os primeiros presidentes da República da Guiné-Bissau e da República de Cabo Verde – preparam condições para a luta que se avizinha. Não sem antes tentarem, uma vez mais, uma solução pacífica para a liquidação da dominação colonial nos dois territórios. O PAIGC envia em 1 de Dezembro de 1960 ao governo português um memorando a propor negociações sobre a independência. Não obtém resposta.
Assim, face à cega intransigência da ditadura fascista e colonialista portuguesa e, por outro lado, com o alargamento da luta política e o aumento dos apoios internacionais, o PAIGC desencadeou a 23 de Janeiro de 1963 – completam-se agora 60 anos – a luta armada de libertação nacional na Guiné, com um ataque ao quartel militar de Tite, no sul do território.
A partir daí, a luta desenvolveu-se de forma imparável, tanto no plano político e militar como no plano diplomático, com sucessivos êxitos do PAIGC, que articulava o combate libertador com o MPLA, que iniciou a luta armada em Angola em 1961, e a FRELIMO, que proclamou a «insurreição armada geral» em Moçambique em 1964.
Desesperados, os colonialistas tentaram travar os avanços do PAIGC – em especial a proclamação nas regiões libertadas do Estado nacional da Guiné-Bissau, o primeiro da sua história – assassinando Amílcar Cabral.
Poucos dias antes da sua morte, na mensagem de Ano Novo que dirigiu aos militantes do seu partido, em Janeiro de 1973, o líder do PAIGC alertava que «a situação em Portugal se degrada aceleradamente e o povo português afirma, cada vez com maior vigor, a sua oposição à criminosa guerra colonial». E que, por isso, «o governo colonial fascista e os seus agentes na nossa terra estão apressados em ver se conseguem mudar a situação antes que fiquem completamente perdidos na sua própria terra».
Antecipando o futuro, Cabral previu: «Mas perdem o seu tempo e fazem perder em vão e sem glória as vidas dos jovens portugueses que mandam para a guerra. Cometerão ainda mais crimes contra as nossas populações, farão ainda muitas tentativas e manobras para destruir o nosso Partido e a luta. Farão certamente ainda vários actos de agressão desavergonhada contra os países vizinhos. Mas tudo em vão. Porque nenhum crime, nenhuma força, nenhuma manobra ou demagogia dos criminosos agressores colonialistas portugueses será capaz de parar a marcha da História, a marcha irreversível do nosso povo africano da Guiné e Cabo Verde para a independência, a paz e o progresso verdadeiro a que tem direito».
Valioso contributo para a luta dos povos
O assassinato de Cabral não foi a primeira tentativa dos colonialistas portugueses e seus serventuários de destruir o PAIGC para travar a luta pela emancipação nacional e social dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
Logo no final dos anos 50 e começo dos anos 60 do século XX, perante a implantação e fortalecimento do partido, «os criminosos colonialistas portugueses e outros inimigos do nosso povo usaram os oportunistas para criarem falsos movimentos no exterior da nossa terra, para lançar a confusão em volta da nossa luta, para barrar caminho à marcha gloriosa do nosso Partido», lembrava Cabral, menos de um ano antes da sua morte.
Numa circular de Março de 1972, intitulada «Vamos reforçar a nossa vigilância, para desmascarar e eliminar os agentes do inimigo, para defendermos o partido e a luta e para continuarmos a condenar ao fracasso todos os planos dos criminosos colonialistas portugueses», o secretário-geral do PAIGC denunciava que, ao longo dos anos, «os criminosos colonialistas portugueses não pouparam nem esforços nem dinheiro para tentar comprar dirigentes e responsáveis do partido».
A par do suborno e do recrutamento de traidores, os colonialistas promoveram permanentes campanhas, com base no racismo, no tribalismo e em diferenças de religião, procurando semear a divisão nas fileiras do Partido, quebrar a sua unidade, «destruir o PAIGC por dentro». E fizeram sempre planos para prender ou matar os dirigentes do partido, particularmente o secretário-geral, porque estavam convencidos de que a prisão ou a morte do dirigente principal significaria o fim do partido e da luta. Em Novembro de 1972, a liquidação do dirigente do PAIGC foi o objectivo principal da participação dos colonialistas portugueses e seus lacaios na invasão da República da Guiné, na fracassada Operação Mar Verde, organizada ao mais alto nível pelo governo fascista e colonialista de Portugal.
Nunca desistiram os fascistas colonialistas de decapitar o PAIGC, até que concretizaram a eliminação física do seu líder a 20 de Janeiro de 1973, procurando parar a luta emancipadora dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Mas em vão, como a história o demonstrou.
Hoje, o legado de Amílcar Cabral, revolucionário, patriota e internacionalista, constitui um valioso contributo para o combate dos povos pela liberdade, soberania e independência, pelo progresso social, bem como um património dos que lutaram contra o regime fascista e colonialista português.