PCP critica «agenda de trabalho digno» e exige o fim da caducidade
O PCP realizou na segunda-feira, 28, na Assembleia da República (AR), uma audição pública intitulada «Alterações à legislação laboral. Defender os direitos dos trabalhadores», onde foi anunciado o agendamento e discussão de um projecto de lei, já no dia 9 de Dezembro, sobre a redução do horário de trabalho semanal para as 35 horas, para todos os trabalhadores do sector público e privado. «As reposições, conquistas e avanços, por muito justos que sejam, não nos vão cair ao colo», salientou Paulo Raimundo, Secretário-geral do Partido.
Os salários dão para cada vez menos
No Auditório do Edifício Novo da AR, que acolheu a audição promovida pelos deputados comunistas, estiveram as organizações representativas dos trabalhadores. «Para o PCP, a valorização do trabalho e dos trabalhadores é uma prioridade. Portanto, considerámos que a realização desta audição tinha uma grande importância», num momento «em que se agravam as dificuldades sentidas pelos trabalhadores e suas famílias, com a perda diária do poder de compra», salientou, no início, Paula Santos, deputada e presidente da Grupo Parlamentar do PCP, que acusou o Governo e as forças políticas à sua direita de conduzir «uma opção política de não valorização dos salários dos trabalhadores». Simultaneamente, acrescentou a também membro da Comissão Política do PCP, «persistem as normas gravosas da legislação laboral, a exploração nos locais de trabalho, o desrespeito pelos direitos, a permanência da caducidade da contratação colectiva, a desregulação dos horários de trabalho, a precariedade em muitos locais de trabalho».
Temas que foram abordados, em várias intervenções, por dirigentes da CGTP-IN, da Fesaht, da Fiequimetal, do Sinapsa, do CESP, do SINTTAV, da Interjovem, da Comissão de Trabalhadores da Bosch, do SEP, da FESET, do SIMAMEVIP, da Federação de Sindicatos da Função Pública, do SINTEVECC-SUL e do STAL.
Com Paula Santos, na mesa, onde se lia «O povo a pagar, os lucros a aumentar. Faz das injustiças força para lutar! Mais salários e pensões, saúde e habitação», estiveram Alfredo Maia, deputado que acompanha as questões do trabalho, Francisco Lopes, dos Organismos Executivos do Comité Central, Alma Rivera, deputada e da Direcção do Grupo Parlamentar, e Paulo Raimundo, Secretário-geral do Partido.
Agenda de precariedade
Alfredo Maia assinalou que ontem, 29 de Novembro, iniciava-se a discussão e votação na especialidade da «pomposamente» chamada «Agenda do trabalho digno e valorização dos jovens no mundo de trabalho», que, no essencial, «pouco muda na vida dos trabalhares e dos jovens», mantendo «as normas gravosas do Código de Trabalho que o PS não quis retirar, ao chumbar as propostas do PCP», designadamente o regime de caducidade das convenções, assim como não repõe o tratamento mais favorável para o trabalhador, nem as formulas de retribuição e compensação pelo trabalho suplementar.
«Sob um verniz de aparente modernidade, a dita “Agenda do trabalho digno”, que tolera a precariedade, não reduz a jornada de trabalho, nem garante a negociação colectiva», mas introduz «armadilhas, como a chamada semana dos quatro dias – sem garantias de redução da jornada de trabalho e de protecção dos salários» ou «novos mecanismos de arbitrariedade que não salvaguardam direitos consagrados na negociação colectiva», destacou o deputado.
Lado certo da luta
O PCP apresentou, entretanto, um importante conjunto de propostas de alteração, colocando no centro do debate problemas com os quais milhares e milhares de trabalhadores enfrentam diariamente e que atingem o cerne da dignidade nas relações de trabalho. Alfredo Maia deu como exemplo o caso da «disponibilidade», que inúmeras empresas «exigem de forma plena e absoluta, indiferentes aos níveis de esforço físico e intelectual impostos – não episodicamente, para satisfazer necessidades prementes e inadiáveis, mas de forma contínua, continuada e abusiva».
Assim, o Partido propõe a proibição de mecanismos de desregulação dos horários de trabalho ou do seu alargamento, defendendo a generalização das jornadas diárias de sete horas e semanal de 35 horas em todos os sectores.
Alfredo Maia avançou com outras propostas: o trabalho por turnos deve ser permitido apenas nos casos devidamente justificados e fundamentados e mediante o acordo do trabalhador, que terá de ser submetido a exames médicos prévios e regulares a cada seis meses; a prestação em regime de trabalho nocturno não poderá ultrapassar as seis horas diárias, incluindo um intervalo de 30 minutos; após cinco anos de trabalho neste regime, o trabalhador poderá optar pelo horário diurno fixo sem perda do subsídio de trabalho por turno, tendo também direito a um dia suplementar de férias por cada três anos de trabalho nocturno ou por turnos.
Em relação à prestação de trabalho normal em dia feriado, deve repor-se um descanso compensatório pelo tempo correspondente ao trabalho prestado, ou 100 por cento da retribuição, à qual acresce um dia de descanso compensatório.
Regime de teletrabalho
Em relação ao regime de teletrabalho, o Partido encara a questão com prudência e exige todas as garantias em defesa dos trabalhadores. Como salientou Alfredo Maia, na proposta do PCP «o recurso ao regime de teletrabalho carece sempre de acordo escrito, que estabelece a duração e as condições, sendo garantido, designadamente, o pagamento do subsídio de refeição; a fixação de um horário de trabalho; a propriedade da empresa em todos os instrumentos de trabalho; o pagamento de abonos para despesas adicionais, como energia, água e telecomunicações».
Código de Trabalho
O deputado recuou a 2003, ao primeiro Código de Trabalho, aprovado pela maioria PSD/CDS, «uma poderosa arma de chantagem contra os trabalhadores alvo de despedimento colectivo», com a «suposta presunção de que o trabalhador aceita a decisão de despedimento e o valor da indemnização que o patrão impõe, se aceitar recebê-la». «Trata-se de uma norma profundamente iníqua, que impede o trabalhador de impugnar judicialmente o seu despedimento, ou até de discutir o justo valor da indemnização, mas que o PS nunca aceitou corrigir», alertou.
O PCP exige a reparação desta injustiça: «além de propor a reposição do pagamento de um mês de retribuição e diuturnidades por cada ano de serviço, ou fracção, no mínimo de três, no cálculo do valor da indemnização, insiste na revogação de tal norma, indigna num Estado de Direito Democrático», esclareceu Alfredo Maia.
Revogação da caducidade
Outra das temáticas abordadas pelo deputado comunista foi a reivindicação do movimento sindical de revogação do regime de caducidade das convenções, «uma arma de pressão na negociação colectiva, que permite ao patronato retirar direitos, ou mesmo bloquear a negociação e fazer caducar os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho». «Trata-se de uma exigência que o PCP continua a apoiar, voltando a propor a revogação desse regime e que os contratos colectivos se mantenham em vigor até serem substituídos por novos instrumentos negociados», sublinhou.
Modelo de baixos rendimentos e de precariedade
# Mais de um quarto dos trabalhadores por conta de outrem de forma permanente auferem apenas o salário mínimo nacional.
# Dos novos contratos celebrados no primeiro semestre de 2022, 72 por cento são de natureza precária.
# Mais de 4,5 milhões de pessoas viveriam abaixo do limiar da pobreza se não fossem as transferência sociais – e mesmo assim são 2,3 milhões, isto é, 22, 4 por cento da população, a viver nessas condições.
O quadro geral das relações de trabalho caracteriza-se:
- Por uma profunda desregulação, com grande parte dos trabalhadores subtraída às normas e garantias de instrumentos de regulação colectiva de trabalho (em 2008, estavam abrangidos por Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho quase 1,9 milhões de trabalhadores; em 2021 eram pouco mais de 630 mil).
- Por um perfil de baixos salários, em gritante contradição com elevados níveis de qualificação, exigência e penosidade.
- Pela prevalência de múltiplas formas de precariedade, que atinge a maioria dos jovens e não poupa aqueles que, tendo sido despedidos, são forçados a entrar ou a regressar a essa espiral de exploração indecente de sonhos e expectativas.
- Por regimes de laboração contínua, trabalho nocturno e por turnos frequentes, injustificados e abusivos; pelo uso e abuso de bancos de horas, adaptabilidade e trabalho suplementar sem a justa compensação.
- Por um grave desrespeito por direitos e garantias dos trabalhadores, inclusivamente de negociação colectiva, que só não é maior porque os sindicatos e a força organizada dos trabalhadores vão fazendo frente à exploração e aos abusos.
Secretário-geral do PCP reclama a subida dos salários
A encerrar a audição, Paulo Raimundo concluiu que a «realidade da maioria» dos trabalhadores «é marcada pelo aumento gradual da exploração e empobrecimento».
Como salientou, dos cerca de quatro milhões de trabalhadores, cerca de um milhão aufere o salário mínimo nacional de 705 euros, «o que quer dizer que têm de organizar a sua vida com pouco mais de 625 euros mensais». A estes juntam-se dois milhões e 100 mil trabalhadores que recebem até 800 euros (700 euros líquidos) e 70 por cento ganham menos de mil euros brutos, o que demonstra «a dimensão do problema social com que nos confrontamos», ainda mais evidente «quando sabemos que 700 mil trabalhadores não conseguem sair da situação de pobreza com que se confrontam mais de dois milhões de pessoas em Portugal».
Emergência nacional
Para o Secretário-geral do PCP, «a subida dos salários é uma emergência nacional» e «não só para os que ganham menos». «O aumento geral dos salários para todos os trabalhadores e do salário médio, a valorização das carreiras e das profissões, a valorização da formação e da qualificação, são essenciais para a fixação das novas gerações no nosso País, para um Portugal com futuro», defendeu, acentuando que «enquanto aos trabalhadores são exigidos sacrifícios e compreensão, para o capital são só benesses e lucros», como os «quatro mil milhões de euros de lucros nos primeiros nove meses» de 2022 das 13 empresas cotadas na bolsa.
Orçamento revelador
«Exemplo de como é possível um Governo se colocar ao serviço dos grupos económicos em contraste com os direitos dos trabalhadores» são «as iniciativas do chamado acordo na concertação social ou os acordos assinados no âmbito da Administração Pública», assinalou Paulo Raimundo, referindo-se às «leis laborais ao serviço dos interesses do capital, pelas mãos daqueles que politicamente servem os seus interesses, que têm sempre, sempre e desde sempre, como centro do ataque duas questões fundamentais: salários e horários». «O caminho é o de sempre, encontrar todas as possibilidades e formas de fragilizar as relações laborais de maneira a que esta fragilização se traduza, lá está, na redução real do salário e na desregulação dos horários de trabalho», completou, precisando que «a precariedade é um dos instrumentos mais eficazes para cumprir estes objectivos».
Contratação colectiva
Na «mira» dos ataques aos direitos de quem trabalha «esteve e está sempre» a contratação colectiva, cujas normas «estão acima do Código de Trabalho», destacou o Secretário-geral do PCP, recordando que no sector privado «o aumento do salário não se faz por decreto, mas sim por via da contratação colectiva». «Manter os bloqueios que permitem a chantagem patronal, manter a norma da caducidade e continuar a negar a reintrodução plena do principio do tratamento mais favorável impede a concretização do objectivo da valorização dos salários», alertou.
A percentagem de trabalhadores abrangidos por revogação da contratação colectiva em 2021 era de 18,4 por cento, de 2007 a 2010 era superior a 50 por cento, chegando em 2008 aos 65,5 por cento. Desde 2012, o máximo foi de 31,3 por cento, em 2018.