- Nº 2552 (2022/10/27)

Tomar a iniciativa pelos direitos das crianças e dos pais porquê?

Opinião

O projecto de resolução da Conferência Nacional que está em discussão propõe como um dos eixos centrais da acção do Partido a necessidade de tomar a iniciativa pela promoção dos direitos das crianças e dos pais. Três notícias recentes reforçam essa premência.

A primeira é a divulgação do relatório sobre Pobreza e Exclusão Social em Portugal em 2021, que revela que 2,3 milhões de pessoas, 22,4% da população, vivia em risco de pobreza e exclusão social: 23% das mulheres, 38% das famílias monoparentais e 18% das crianças e jovens, dos 0 aos 18 anos. Imagine-se os números quando saírem os resultados do inquérito de 2022, com o aumento do custo de vida e da inflacção dos últimos meses já espelhados.

A outra é a denúncia de que 38 mil alunos continuam sem professor a pelo menos uma disciplina, mais de um mês depois de começarem as aulas.

A última é a divulgação dos dados da natalidade deste ano, que subirá ligeiramente face a 2021 – ano em que se registou a menor natalidade dos últimos 60 anos –, mas que ficará nos 80 mil bebés, mantendo Portugal como um dos países do mundo com mais baixa taxa de natalidade.

Estes três exemplos reforçam aspectos que têm estado no centro das preocupações do PCP no que se refere ao presente e ao futuro das novas gerações.

Por um lado, o facto de o cumprimento dos direitos das crianças estar indissociavelmente ligado aos direitos e às condições de vida dos seus pais. Os dados da pobreza em Portugal mostram uma evidência: as crianças são pobres porque as suas famílias são pobres. Porque os salários dos trabalhadores são baixos: três quartos dos trabalhadores recebem até mil euros de salário e 2,1 milhões de trabalhadores têm vencimentos iguais ou inferiores a 800 euros.

Podemos dar outro exemplo. São muitos os que se chocam e indignam com as horas que bebés e crianças pequenas passam na creche e na escola no nosso país: 10 horas por dia, em média. Passam essas horas todas na escola porque os pais e as mães têm gosto que assim seja ou porque 41 horas foi o tempo médio de trabalho por semana em Portugal em 2021, fora as deslocações casa-trabalho, e porque 44% trabalhadores têm horários à noite, por turnos, ao fim-de-semana ou em combinações destes todos?

Podem fazer-se os mais tocantes discursos sobre a situação da infância no nosso país, que se não se alterarem as condições de trabalho dos pais, nomeadamente os salários, os horários e os vínculos, a situação continuará a degradar-se. Em todas as esferas da vida das crianças é assim: a qualidade da habitação, da alimentação, do tempo livre, dependem das condições de vida dos pais.

Por outro lado, muitos dos direitos das crianças dependem, para ser cumpridos, de serviços públicos. Da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde, da rede pública de creches que não existe, da segurança social, dos transportes, da segurança, da justiça, da qualidade do espaço público, do acesso à cultura ou ao desporto. Tudo esferas da vida das crianças e dos jovens em que o Estado tem responsabilidades e em que a degradação dos serviços e a falta de trabalhadores comprometem a qualidade do serviço prestado.

As consequências desta realidade estão à vista na taxa de natalidade – abaixo dos valores necessários à reposição das gerações e sobretudo abaixo do número de filhos que mulheres e homens em idade fértil afirmam ter como projecto de vida -, na qualidade de vida das crianças, nos índices de saúde que se vão divulgando, nas dificuldades de aprendizagem, nas legítimas interrogações de muitos quanto aos níveis de desenvolvimento integral que a sociedade portuguesa está a proporcionar às suas crianças e jovens.

O texto da Conferência refere que, perante esta realidade, «é necessária uma resposta muito ampla, a começar pela defesa e avanço dos direitos dos trabalhadores, mas que envolve simultaneamente a garantia (...) de políticas que combatam todo o tipo de discriminações e assegurem (...) o desenvolvimento integral do indivíduo e o progresso do País». É por essa resposta que temos de tomar a iniciativa, reforçar a luta e o Partido.


Margarida Botelho