Adulai Seidi, do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde

«Não há nada mais importante do que a liberdade do povo»

Na Guiné-Bissau há um «regime ditatorial em formação». Quem o diz é Adulai Seidi, representante do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) na Festa do Avante!, ele próprio vítima de sequestro e tortura por parte de gente ligada à segurança do presidente ilegítimo, Umaro Sissoco Embaló. O PAIGC, garante, procura mobilizar o povo para a luta pela liberdade e a democracia.

«Tentam construir uma ditadura, com violações dos direitos humanos, sequestros, torturas»


Que avaliação faz o PAIGC da actual situação na Guiné-Bissau?

A avaliação que fazemos é de que a Guiné-Bissau está em risco de se tornar num «não Estado». Há um regime instalado no país que assumiu o poder por via golpista, na sequência das eleições de 2019, às quais concorreu o presidente do partido Domingos Simões Pereira. O PAIGC entrou com um contencioso judicial para que fosse divulgada a acta de apuramento dos resultados, mas o outro candidato proclamou-se presidente.

Agora, tentam construir uma ditadura, com violações dos direitos humanos, sequestros, torturas. Há um regime ditatorial em formação. As próprias decisões judiciais estão a ser postas em causa pelo poder político golpista.

 

O PAIGC tem sido um dos alvos principais dessas perseguições, não conseguindo sequer realizar o seu Congresso, que teve de adiar por diversas vezes...

Falando em perseguições, eu próprio fui vítima deste regime… O PAIGC agendou o seu Congresso para 19 de Março [de 2022] e eu fui raptado nessa altura por homens ligados à segurança do actual presidente. Espancaram-me de forma brutal e levaram-me para um local desconhecido. Estive às portas da morte. Aliás, é precisamente por isso que estou aqui em Portugal, para receber tratamento médico adequado.

Assaltaram órgãos de comunicação social de modo a silenciar todas as vozes críticas do regime e tentaram limitar a liberdade de circulação de pessoas. O PAIGC foi impedido três vezes de realizar o seu congresso, que é um processo absolutamente democrático que precisa somente da decisão dos seus próprios militantes e dirigentes. Sequestraram as instituições democráticas do Estado.

Para impedir o Congresso alegaram a existência de uma decisão judicial nesse sentido, que é uma operação administrativa do ponto de vista do direito. Mas esta mesma instância judicial deliberou que o presidente do PAIGC é livre de se deslocar para onde quiser, revogando um despacho anterior do antigo procurador, que lhe limitou esse direito. Ora, já depois disso Domingos Simões Pereira foi impedido de entrar no recinto do aeroporto por homens armados que alegaram «ordens superiores». Que país é este em que «ordens superiores» se sobrepõem a decisões judiciais?

 

Como se reflecte esta grave situação política na vida concreta dos guineenses?

Com toda esta instabilidade, a população da Guiné-Bissau não está bem. Não temos infra-estruturas, há dois anos que não há escola e somos dos países que se encontram na «linha vermelha» da mortalidade materna e infantil. O sector privado também não funciona e o FMI cortou os empréstimos ao país por se ter atingido os 70 por cento de dívida. A população sobrevive com dificuldade.

 

Que caminho aponta o PAIGC para se sair desta situação?
Não há nada mais importante do que a liberdade do povo. Em 1962, o PAIGC lançou a luta armada pela independência e teve a lucidez de convocar todo o povo para lutar pela sua liberdade. O nosso foco é continuar a consciencializar o povo para o facto de esta ser uma luta pela liberdade e fazemo-lo utilizando as ferramentas que a democracia nos dá. Enquanto partido democrático, pretendemos dar o exemplo.

 

Entretanto, o presidente de facto do país marcou eleições para Dezembro. Há alguma hipótese de serem eleições democráticas?

Pela própria forma como a decisão foi tomada, trata-se de um processo ilegal. Não se pode esperar qualquer respeito pela legalidade por parte de uma instituição [a Presidência da República] assumida ela própria de forma ilegal.

Mas mesmo se esquecêssemos isso, os 90 dias estabelecidos por lei para realizar eleições após a dissolução da Assembleia da República [concretizada em meados de Maio] já passaram há muito. Antes da dissolução da assembleia, o primeiro-ministro Nuno Nabian tinha o apoio de apenas um deputado e agora lidera um governo de iniciativa presidencial. Não tem compromisso com o povo.

Nuno Nabian deixou o lugar de primeiro vice-presidente da Assembleia da República após ter organizado a tomada de posse simbólica do presidente golpista e foi depois nomeado primeiro-ministro.

 

Este golpe é um processo endógeno ou há interesses externos envolvidos?

Há clarividência sobre isto, a Nigéria e o Senegal estão envolvidos, aproveitando-se do seu poder na CEDEAO para legitimar o golpe e reconhecer a «vitória» de Umaro Sissoco Embaló. Aliás, foi denunciado recentemente pela Assembleia da República um acordo secreto com o Senegal envolvendo a exploração de petróleo.