- Nº 2545 (2022/09/8)
Artes Plásticas

«A arte não avança, move-se»

Festa do Avante!

Numa Festa em que as intervenções plásticas são de uma constante e desafiadora inventiva na personalização dos espaços das diversas organizações regionais, uma exposição dedicada às artes visuais é uma afirmação das suas especificidades num tempo em que é cada vez maior a invasão da sua autonomia relativa pelas leis do mercado com a consequente especulação em que a arte parece ser cada vez mais um negócio de ricos, de fundações e coleccionadores em que os critérios estéticos são secundários ou mesmo inexistentes em favor do prestígio social que assim obtém e das valorizações dos seus investimentos nesse nicho do mercado dos objectos de luxo.

Tudo isto enquanto a condição de artista é cada vez mais precária, exceptuando uns tantos que se sujeitam aos ditames de quem determina o valor dos objectos de arte e a cotação dos artistas.

Há aqui todo um processo típico do cinismo moderno de uma sociedade sem dignidade nem alguma dignidade para oferecer em que as artes mergulham e naufragam na vulgaridade do kitsch das modas.

Um universo cultural e artístico em que é cada vez mais porosa a relação entre a arte e o capital, e as artes são servidas a essa mesa por um numeroso exército de cozinheiros da bolsa das artes, onde se acotovelam galeristas, curadores, especialistas em relações públicas e marketing, jornalistas, organizadores de feiras e outros eventos, coleccionadores, publicitários, analistas financeiros, casas de leilões etc., etc., em que a arte se sujeita aos critérios mediáticos e institucionais que reduziram a crítica de arte a uma função de propaganda de critérios estéticos em que ninguém acredita.

É esta a danação das artes e da cultura nos tempos actuais e é contra essa danação que a Festa do Avante!, no seu todo e as exposições de artes visuais no seu particular, luta sem detença pela democratização das artes e da cultura possíveis no quadro social, económico e político em que vivemos para que com ele sejamos confrontados e a arte se confronte consigo própria num acto de resistência em relação ao seu tempo, na «tradição dos oprimidos» como Walter Benjamin proclamava.

Mais do que analisar o que tem sido dado ver nas sucessivas exposições de artes visuais que têm sido organizadas para descobrimento e reflexão dos milhares que participam nas festas do Avante!, é mais importante relevar a autonomia e independência deste espaço em relação ao universo normalizado das artes visuais e ser esse o caminho que continua a ser trilhado, este ano integrando-se no centenário de José Saramago com a sua consigna «a arte não avança, move-se», que os artistas convidados a nela participarem de uma forma plural e livre acabaram por ilustrar e justificar.


Manuel Augusto Araújo