Mitigar períodos de seca exige medidas estruturais

«O PCP considera necessário e urgente o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional de Garantia de Segurança Hídrica que passe pelo investimento e controlo público dos recursos hídricos e por mais meios públicos para gerir, monitorizar e planificar a [sua] gestão», realçou Vladimiro Vale, segunda-feira, 8.

Não é a natureza que é madrasta, mas a política de direita

O membro da Comissão Política do Partido defendeu, em conferência de imprensa realizada na sede nacional, que só com esta medida de fundo será possível enfrentar períodos cíclicos de seca. Dito de outro modo, para o PCP, «a política da água não pode ser objecto de preocupação apenas nos momentos de seca». Deve obedecer a uma «estratégia de largo horizonte», sem alarmismos ou precipitações, mas igualmente sem deixar de avançar com medidas «urgentes e ponderadas».

O dirigente comunista começou, contudo, por contextualizar o problema. «O País, já em Janeiro, tinha vastas áreas em seca extrema e com um teor de água no solo no ponto de emurchecimento permanente», lembrou. Poucos meses depois, «continua a enfrentar a perspectiva de uma crise por falta de água em funções essenciais, ainda mais grave que na seca de 2005, sendo que a capacidade dos serviços públicos – quer científica, quer técnica e quer logística, já reduzida nessa altura, se degradou significativamente desde então».

Ora, «sabendo que períodos de seca acontecem e acontecerão, o que se torna essencial é mitigar as suas consequências, garantindo que não falte a água nas torneiras, para consumo humano, e nos campos, para assegurar a produção agro-pecuária», frisou.


Não é a natureza
mas a política

O estado a que chegámos e os responsáveis também mereceram referência por parte de Vladimiro Vale, que sublinhou que «numa linha contrária à prevista na Constituição, tem vindo a verificar-se uma desresponsabilização do Estado na administração, planeamento e gestão da água».

«Paulatinamente foram destruídos os Serviços da Administração Pública e dos Organismos Públicos de Investigação e Normalização, esvaziando-os de quadros e competências das estruturas no terreno, transferindo funções públicas de administração, gestão e planeamento, para entidades de direito privado ou de direito e capital privados», processo de «destruição da capacidade técnica e científica, de alienação do conhecimento institucional de recursos hídricos (de física, química, biologia, engenharias»», que «inviabiliza a gestão efectiva da água, a identificação correcta dos problemas e potenciais soluções».

Exemplo disso mesmo, detalhou, são «a extinção do INAG e suas delegações regionais, e a degradação provocada por subfinanciamento público do Instituto de Meteorologia e do LNEC».

Ou seja: não é a natureza que é madrasta, mas a política de direita. Nesse sentido, Vladimiro Vale insistiu que em consequência daquela, «as estruturas públicas perderam trabalhadores, meios e competências, foram afastadas da gestão das albufeiras, todas concessionadas a entidades privadas ou de direito privado a quem se delegou competências de administração».

Estas foram «opções inseparáveis dos denunciados incumprimentos de caudais mínimos dos rios», tanto mais que «nos últimos anos agravaram-se problemas decorrentes da má gestão ou gestão concentrada na obtenção de lucro nas barragens de produção energética, agravando problemas de poluição e de perda de qualidade da água».

«Este caminho de favorecimento da mercantilização explica o porquê de, em períodos em que o País já se encontrava numa situação de seca, os detentores das barragens electroprodutoras continuassem a esvaziar as barragens, aproveitando a alta dos preços da energia. Ajuda também a ilustrar os riscos de não existir controlo público do sector da energia e dos riscos decorrentes da venda de barragens da EDP, colocando importantes infra-estruturas de armazenamento de água doce nas mãos de capital estrangeiro», acrescentou o dirigente comunista.


Estratégia errada

«Agravaram-se os problemas, sendo que as estruturas públicas perderam capacidade de assegurar a gestão, a planificação e até a monitorização de protocolos internacionais», reiterou Vladimiro Vale, que voltou a atribuir culpas aos «sucessivos governos», os quais, «têm adiado investimentos – barragens, albufeiras, obras hidroagrícolas – indispensáveis à captação das águas de superfície para assegurar o abastecimento regular, para facilitar a reposição dos lençóis freáticos e para assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental, garantindo a fruição dos direitos de todos os cidadãos, a adequada utilização da água no sistema produtivo e a qualidade das suas funções ecológicas e ambientais».

«Ao longo de décadas tem-se acentuado e intensificado a ofensiva contra a Gestão Pública da Água», continuou o membro da Comissão Política, que explicou que, «se por um lado os sucessivos governos têm apostado na transferência forçada de competências do Estado Central para as autarquias, por outro tem aumentado a pressão para a expropriação dos municípios da gestão da água, competência claramente municipal».

«Governos PS, PSD e CDS têm dificultado o acesso aos fundos comunitários às autarquias, dificultando investimentos fundamentais, com vista a forçar a agregação dos sistemas de água». O propósito é «a sua posterior privatização», é privilegiar «o negócio em detrimento do controlo democrático da gestão da água», denunciou ainda.

Acresce que «a sensibilização das populações para uso racional da água é fundamental, mas a estratégia de responsabilização dos comportamentos individuais não resolve o problema».

De facto, «a utilização doméstica da água representa uma percentagem mínima dos caudais necessários ao global dos usos da água instalados e autorizados. Culpabilizar ou responsabilizar os utilizadores domésticos e/ou os serviços públicos de abastecimento de água pela sua falta para outros fins, não permite olhar para o verdadeiro problema e apenas se destina a justificar um caminho de mercantilização e de aumento dos preços da água como as recentes recomendações da Entidade Reguladora, agora em consulta pública, revelam»

Levar a água ao nosso moinho

Para o PCP, «é necessário definir critérios de hierarquização do uso da água em condições de seca, que privilegiem a sua utilização para uso humano, a saúde e os serviços públicos, a pequena e média agricultura e ainda o equilíbrio dos ecossistemas. Critérios que não podem ser definidos de forma avulsa e extemporânea ou de forma que introduz injustiças de classe, como tem vindo a acontecer em vários pontos do País».

Mais! «É preciso avançar com um Plano Nacional para a prevenção estrutural dos efeitos da seca», proposta que os comunistas portugueses apresentaram em 2020 mas que foi «rejeitada com os votos contra de PS, PSD, IL e a abstenção de BE e PAN», salientou Valdimiro Vale na conferência de imprensa.

Pelo caminho ficou também «o desenvolvimento e implementação de um plano integrado das necessidades de utilização da água para fins múltiplos, com as adequadas e possíveis capacidades de armazenamento, promovendo a utilização racional e eficiente da água como factor de desenvolvimento económico e social, assente na universalidade de acesso a este recurso, em detrimento da sua utilização massiva e da sua exploração numa base privada monopolista», lamentou o dirigente comunista, para quem «a política da água não pode ser objecto de preocupação apenas nos momentos de seca. Impõe uma estratégia de largo horizonte mas, na situação com que o País está confrontado, implica medidas adequadas, não alarmistas ou precipitadas, mas urgentes e ponderadas».

Questão «necessária e urgente» é, por isso, para o Partido, «o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional de Garantia de Segurança Hídrica que passe pelo investimento público, controlo público dos recursos hídricos, mais meios públicos para gerir, monitorizar e planificar a [sua] gestão e avançar com investimentos há muito adiados».

«A construção de barragens e albufeiras, bem como a recuperação de regadios já existentes, designadamente os tradicionais, terá que ser uma linha de investimento, assim como a modernização e construção de estações de tratamento de águas residuais e o maior aproveitamento destas águas para diversos fins», defendeu também Vladimiro Vale, que reclamou, ainda, «o acesso a financiamento sem condicionamentos dos necessários investimentos na modernização e expansão das redes e condutas, reduzindo significativamente as perdas», intervenção célere na «contenção de modelos de exploração agrícola intensiva e superintensiva, que colocam em risco o fornecimento de água para abastecimento humano», bem como de «projectos de exploração mineira que ponham em causa os recursos hídricos».

«A posição do PCP e as medidas que entende necessárias inserem-se numa intervenção coerente e persistente». De resto, como se afirma na proposta de Lei de bases do Ambiente do PCP, «o uso da água não pode ser tratado na perspectiva da sua apropriação nem do seu comércio», nem pode haver «lugar a individualismo, a competição, à procura de mais-valias de curto prazo. A menos que se queiram agravar as iniquidades actuais e hipotecar o futuro», concluiu o dirigente comunista.