Segurança alimentar só com produção nacional
O Grupo Parlamentar do PCP promoveu, no dia 15, uma audição pública na Assembleia da República, sob o lema Produção de Alimentos, agricultura e soberania alimentar – um desígnio nacional, que contou com a participação de Jerónimo de Sousa.
«Grau de dependência externa é cada vez mais alarmante»
Lusa
De Norte a Sul do País, das pastagens transmontanas às planícies do Baixo Alentejo, dezenas de agricultores, produtores nacionais e representantes de associações de agricultores rumaram à capital, onde tiveram a oportunidade de expor, em primeira mão, os problema que sentem no seu dia-a-dia.
Como explicou João Dias, deputado do PCP na Assembleia da República que apresentou e moderou a iniciativa, a audição da passada sexta-feira surgiu na sequência das jornadas parlamentares realizadas pelos eleitos comunistas. Depois do contacto com vários agricultores do distrito de Setúbal, surgiu a necessidade de conhecer ainda melhor a realidade dos que produzem no País inteiro e obter mais contributos para a reflexão do Partido e do seu grupo parlamentar.
Uma coisa é evidente, como sublinhou o deputado: «O grau de dependência externa de Portugal é cada vez mais alarmante e começa a colocar em causa a segurança alimentar», afirmou, apontando em seguida alguns exemplos que condicionaram o abastecimento do País. Foram casos disso, no passado, as greves de transportes em Espanha e na França, o navio Ever Given encalhado no Canal do Suez, os impactos da pandemia e, agora, as sanções a pretexto da guerra na Ucrânia.
Para lançar a discussão, João Dias apontou quatro grandes problemas, que se somam de políticas de condicionamento da União Europeia e pelas opções de direita feitas por sucessivos governos de Portugal: o aumento dos custos de produção, os preços pagos aos produtores, a seca estrutural e a inacção do Governo face às dificuldades dos agricultores.
Membros da Comissão de Agricultura do PCP, João Frazão, da Comissão Política, e Agostinho Lopes, da Comissão Central de Controlo, também estiveram presentes na iniciativa.
Soluções para a produção nacional
Depois de ouvidos quase duas dezenas de relatos, coube a Jerónimo de Sousa encerrar a audição, começando por agradecer aos presentes, assegurando-lhes que as suas contribuições serão «muito úteis» para o trabalho e intervenção do PCP.
Depois de se referir aos muitos problemas levantados, o Secretário-geral focou-se na inacção dos dirigentes do País, não por incapacidade mas por opção deliberada ao serviço de interesses concretos: «desdobrando-se em anúncios de milhões e milhões, o Governo não faz chegar ais agricultores um cêntimo sequer de dinheiro novo, sem lhes somar novos encargos», começou por referir. O dirigente comunista criticou ainda as «candidaturas e mais candidaturas, burocracia e mais burocracia, prazos apertados para tentar evitar a candidatura de muitos agricultores», acrescentando que «em todos estes processos, o Governo parece ter um critério fundamental: olhar para o défice das contas públicas e ver como é que isso tem menor impacto imediato».
Para o PCP, salientou ainda o Secretário-geral, os problemas não começaram hoje e não estão desligados de um percurso de décadas de política de direita executadas «ora por PS, ora por PSD e CDS». Igualmente, os problemas também não estão desligados da adesão à Comunidade Económica Europeia e da entrada em Portugal da Política Agrícola Comum (PAC), «projectada a pensar noutras agriculturas, que não a pequena e média agricultura nacional».
Segundo o dirigente comunista, a PAC, cuja reforma está para ser implementada nos diversos Estados-membro, continua a sacrificar os mesmos de sempre: «vai manter a injusta distribuição das ajudas, em que oito por cento dos grandes beneficiários recebem 80 por cento das ajudas». «Já os muitos pequenos agricultores que até aqui recebiam mil euros por ano, agora receberão apenas 500», exemplificou.
Soberania alimentar é imperativa
«Os últimos anos mostraram o quão vulnerável está o nosso País face a possíveis paralisações do tráfego, uma pandemia, fenómenos climatéricos extremos, bloqueios ou sanções», afirmou. No entanto, e apesar de reconhecer que não existe capacidade para produzir tudo o que os portugueses consomem, para Jerónimo de Sousa «entre o oito e o 80 há ainda muito caminho para andar».
Para o PCP, a defesa da produção nacional e da soberania alimentar implica assegurar aos agricultores as condições para manter a sua produção através, por exemplo, da aquisição pública de factores de produção para venda a preços controlados, do escoamento dos seus produtos a preços justos, da obrigatoriedade da sua compra pelas cantinas, refeitórios e empresas públicas e da alteração da lógica das ajudas públicas, ligando-as à produção da pequena e média agricultura.
«Governo aprendeu pouco com 2017»
Jerónimo de Sousa começou a sua intervenção na audição de dia 15 pelo tema dos incêndios, enviando uma «forte palavra de solidariedade àqueles que foram atingidos pelos dramáticos incêndios que nos últimos dias lavraram de Norte a Sul do País» e o apreço do PCP a todos os que «combateram o fogo».
«A todos queremos manifestar o empenhamento do PCP em encontrar soluções para apoiar a recuperação dos seus bens perdidos e para assegurar os seus rendimentos», alentou o Secretário-geral. «Foi nesse sentido que questionámos a Comissão Europeia sobre apoios que possam ser mobilizados e que, hoje mesmo, propusemos a aplicação de critérios de apoio às vítimas semelhantes aos usados com as vítimas dos incêndios de 2017», acrescentou.
«Cinco anos depois dos incêndios de Junho e de Outubro de 2017, depois de termos passado por situações semelhantes em 2003 e 2005, sabemos que, para lá dos relatórios, dos anúncios, das leis e dos despachos, da culpabilização dos pequenos e médios proprietários, o que falta fazer de estrutural para defender a floresta nacional é ainda muito», disse.
Já antes, no início da audição, João Dias referiu que a questão dos incêndios não pode ser «desligada da estrutura e da forma como o Governo olha para o modelo agrícola nacional». «A agricultura tem importância na prevenção dos incêndios no território», salientou.
Depoimentos
«Que mais pode acontecer aos produtores florestais e aos pequenos e médios agricultores? Dos brutais preços dos factores de produção e agora os incêndios. António Costa é primeiro-ministro há sete anos e podemos perguntar o que foi feito nesse período em relação a esta questão. Não há ordenamento florestal, os preços de produção da madeira continuam baixíssimos. De uma vez por todas, são precisos meios financeiros e que o cadastro florestal seja realmente feito com técnicos e não pelos próprios agricultores.»
Isménio de Oliveira, Associação Distrital dos Agricultores de Coimbra
«A nossa política agrícola é fortemente condicionada pela Política Agrícola Comum (PAC), pelos seus regulamentos, visões ambientalistas extremistas e anti-agricultura, temos de questionar a actual PAC e a que se prepara para chegar em Janeiro de 2023. O nosso País tem que reequacionar a PAC e a actual situação na gestão da água e no fomento da produção agrícola nacional»
Francisco Silva, Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal
«Em Portugal a afluência da água que chega às barragens e regiões hidrográficas, num ano médio, é sete vezes superior àquilo que todos nós gastamos em agricultura, turismo, consumo humano e indústria. Portugal só retém, nas barragens, 20 por cento daquilo que lá aflui. (…) Temos notado um cada vez menor apoio ao regadio público».
Gonçalo Tristão, Federação Nacional de Regantes de Portugal
«Hoje 100 por cento do continente está em seca extrema ou severa. Na questão da seca e em todas as situações limite, são sempre os agricultores os primeiros a serem prejudicados na sua produção. (…) É certo que o governo não manda chover, mas exige-se uma outra resposta, especialmente por parte do Ministério da Agricultura. Mais do que medidas administrativas que antecipam direitos adquiridos, flexibilizam restrições, de programas de investimento e medidas que arriscam aumentar o endividamento, são necessários urgentes apoios financeiros extraordinários para os agricultores que se encontram asfixiados devido ao aumento de despesas com a alimentação animal ou com a rega».
Laura Tarrafa, Confederação Nacional da Agricultura
«Queria alertar para o que se está a passar em Alqueva, a gestão da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA) e a falta de capacidade da S.ª Ministra da Agricultura de tomar as medidas necessárias para que o projecto do Alqueva tenha sustentabilidade. O Estado comprou energia à EDIA até ao final de Julho deste ano ao dobro daquilo que tinha comprado no ano passado».
Francisco Palma, Associação de Agricultores do Baixo Alentejo
«A agricultura está a atravessar um período extremamente delicado. Os aumentos dos factores de produção têm sido muito complicados. Os aumentos nos combustíveis têm sido doentios. Se calhar isso também contribuiu para os incêndios, as pessoas não têm dinheiro para limpar os terrenos. Os preços que nos pagam não crescem, mas os dos factores de produção sim. (…)
«Sou adepto da regionalização, mas não é esta. Trás-os-Montes não é igual a Entre o Douro e Minho e a Beira Interior não é igual à Beira Litoral. O Alentejo interior não é igual ao Alentejo litoral».
Firmino Cordeiro, Associação de Jovens Agricultores
«Infelizmente, a rarefacção da pastagem das abelhas não se deve apenas às alterações climáticas, o aumento selvagem e descontrolado da agricultura intensiva tem vindo a confinar os apicultores e as colmeias em locais cada vez mais pobres e exíguos».
«É com consternação que vimos as prateleiras dos supermercados inundadas com méis oriundos de países onde a legislação é bem mais permissiva, com menos custos de produção e, evidentemente, com preços mais competitivos».
Joaquim Pífano, Associação para o Desenvolvimento Rural e Produções Tradicionais Concelho Avis
«Os agricultores do distrito de Castelo Branco sofrem das mesmas maleitas dos agricultores do resto do País. Pensamos que esses males têm origem nas políticas da União Europeia e da PAC, com a distribuição injusta das ajudas e dos subsídios, com países que são favorecidos em relação a esses apoios em discriminação da nossa produção nacional. Naturalmente que associada à PAC, temos a obsessão pela redução do défice. Investimentos que seriam necessários para alavancar a economia, não são feitos. A isto temos de somar os problemas do COVID-19, da seca, as questões da guerra. Tudo problemas para o nossa agricultura, mas os agricultores são resilientes e querem viver nos territórios».
Aníbal Cabral, Associação Distrital de Agricultores de Castelo Branco
«Em Leiria também aumentaram os adubos, os gasóleos, aumento tudo. O que não aumentou foi o valor das coisas que os agricultores produzem e, como tal, é impossível fazer agricultura. Nestas condições, nós vemos cada vez mais agricultores a pararem, outros a produzirem menos. Há o problema das importações. A grande distribuição e as grandes superfícies comerciais consomem tudo o que vem lá de fora e não aquilo que é nosso. Em Leiria, desde o dia 1 de Abril, já fizemos quatro manifestações.»
António Ferraria, União dos Agricultores do Distrito de Leiria
«Apesar dos grandes distribuidores fazerem reflectir no preço ao consumidor a inflação galopante, o produtor, principalmente aquele que não tem dimensão negocial, não consegue vender o seu produto mais caro para fazer face ao aumento dos custos de produção como a implantação da cultura, o material de rega, manutenção de alfaias, gasóleo, adubos e fitofármacos. Para fazer face a estes custos e para manter a actividade, recorre-se a crédito para arrancar com as campanhas, até porque os subsídios e as ajudas não são de fácil acesso a toda a gente».
João Freilão, Federação dos Agricultores do Distrito de Santarém
«É importante formar melhor as pessoas. Na nossa região também se sente um envelhecimento na população activa na agricultura. Neste período, poucos jovens agricultores entram na actividade. Dentro de cinco anos a uma década, a maioria dos agricultores estará reformada e não estamos a encontrar soluções para os substituir. Ninguém entra numa actividade que não seja rentável, sejam eles trabalhadores por conta de outrem ou sejam eles empresários.»
Sérgio Ferreira, Cooperativa de Apoio e Serviços do Concelho da Lourinhã
«Na nossa região, sentimos que o aumento dos custos de produção se devem a dois factores que não conseguimos colmatar: o aumento dos combustíveis e o aumento dos fitofármacos. A questão dos adubos e dos pesticidas é grave porque não sabemos se os preços a que os compramos são justos e equilibrados ou se existe especulação. Acho que se deveria tabelar e indicar o preço nos produtos fitofármacos».
Joaquim Caçoete, Associação dos Agricultores do Distrito de Setúbal
«Esta iniciativa manifesta, mais uma vez, a preocupação do PCP com este grande problema nacional em que se encontra a agricultura. Neste momento, em relação às vinhas, as adegas não conseguem pagar o justo preço que os agricultores precisavam de receber pela sua produção. Isto provoca o empobrecimento dos agricultores e o abandono da terra».
Fernando Guerra, Associação de Agricultores do Distrito de Lisboa
«Sem gente na terra com capacidade, conhecimento e meios de trabalho actualizados, sem economia local e sustentável que gere emprego com justa remuneração, aquilo que o PCP identificou como objectivo nacional, autonomia e soberania alimentar, não será possível».
Euclides Sousa, Associação dos Apicultores do Concelho de Montemor-o-Novo
«O pior ainda é fazermos muitos sacrifícios para produzir e não ver o resultado do nosso trabalho e, depois, nas escolas os nossos filhos comem produtos estrangeiros porque têm de ser comprados por uma central de compras do Estado. Nós não conseguimos escoar a preços justos, mas o Estado vai comprar a outros».
Francisco Puga, Viana do Castelo