Jerónimo de Sousa em entrevista ao Avante!

A luta dos trabalhadores é decisiva para travar a ofensiva e para assegurar avanços

O aumento dos salários e das pensões é uma medida decisiva para fazer face à escalada dos preços de bens essenciais e à degradação das condições de vida da população, sublinha o Secretário-geral do PCP.

Esta foi uma das ideias-chave reiteradas por Jerónimo de Sousa em entrevista ao Avante!, no decurso da qual teceu criticas ao Governo, não só pela sua recusa em adoptar aquelas medidas, como por teimar em manter as normas gravosas da legislação laboral e por rejeitar as soluções avançadas pelo PCP para as dificuldades nos serviços públicos, em particular no SNS e na Escola Pública.

A marcar esta conversa estiveram ainda temas fortes como o do papel da luta dos trabalhadores e das populações, a situação internacional e em particular a guerra na Ucrânia, bem como as principais tarefas e prioridades que estão colocadas ao colectivo partidário.

Há uma estratégia de confrontação e de guerra promovida pelos EUA, a NATO e as outras grandes potências imperialistas

Afirmaste há dias, na abertura das jornadas parlamentares, que era hoje mais evidente a justeza da posição do Partido de ter votado contra a proposta de OE em Outubro de 2021. A que te referias?

Referia-me a várias questões, mas particularmente e naquele contexto à difícil situação vivida no Serviço Nacional de Saúde e à resistência da parte do Governo em aceitar as nossas propostas, que considerávamos indispensáveis e urgentes para o reforço da sua capacidade de resposta para assegurar o direito à saúde dos portugueses. Os problemas que crescentemente foram surgindo à luz do dia nestes nove meses, não apenas os das urgências obstétricas, mas as muitas dificuldades em obter uma consulta num médico de família, ter acesso a consultas de especialidades, ou mesmo a uma cirurgia, mostravam quão necessárias e justas eram as nossas propostas, muito dirigidas à contratação e valorização de profissionais de saúde, das suas carreiras e condições de trabalho, do incentivo à sua fixação em zonas e especialidades mais carenciadas, mas também de investimento em meios técnicos e de equipamentos. Eram medidas que visavam salvar o SNS e contrariar o assalto que os grupos económicos lhe estão a fazer, tendo na mira o seu desmantelamento. Não era possível aceitar tanta resistência e tanta intransigência por parte do Governo PS em matéria tão importante para vida das populações.

O PCP, depois de anos a intervir sobre o SNS, com o Governo a dizer que sim, mas a deixar as medidas esfumarem-se ou a protelar a sua aplicação, levou a exigência ao ponto essencial de respostas sólidas e inequívocas face a uma situação em agravamento. Não podia haver mais adiamentos. Face à falta de garantias de medidas de defesa do SNS para travar a sua degradação e garantir o seu reforço, o PCP assumiu a posição necessária para dizer basta aos adiamentos, exigir soluções e, caso não as conseguisse, alertar para a situação profundamente grave e mesmo limite do SNS. Muitos trabalhadores não perceberam esse alerta e isso viu-se nas eleições antecipadas, mas hoje são cada vez mais os que reconhecem que afinal o PCP tinha razão quando votou contra o Orçamento do Estado em Outubro passado. A vida mostrou que o PCP tinha razão nos alertas sobre o SNS.

 

Mas referiste outras questões. Quais eram?

Eram as da valorização dos salários, a que o Governo recusa dar a resposta necessária, um problema que se ampliou com o agravamento sistemático do custo de vida. Era a recusa em relação à alteração das normas gravosas da legislação laboral. Era a sua resistência a encontrar soluções para as dificuldades que a Escola Pública enfrenta e a questão de garantir o direito a uma creche para todas as crianças. Estas eram, entre outras, matérias que pesaram na nossa decisão e que três meses de governo bastaram para mostrar a justeza das nossas razões.

 

Como avalias a resposta do Governo a esses problemas, designadamente a degradação do SNS e o aumento drástico do custo de vida?

Em relação ao SNS, o que era urgente e essencial continua sem resposta. Nada, absolutamente nada, se avançou para atrair mais médicos e outros profissionais para o SNS. Um vazio de resposta sobre valorização dos profissionais de saúde e melhoria das condições de trabalho. Nem para médicos, nem para enfermeiros, nem para outros profissionais. Fala em aplicar no futuro, aquilo a que chama dedicação plena, mas não se sabe quando e em que condições.

Em relação ao aumento do custo de vida, o que se vê da parte do Governo é uma clara opção de recusa em afrontar os grandes interesses económicos. Nas duas vertentes que poderiam dar combate ao agravamento das condições de vida do povo, o Governo passa ao lado. Seja em matéria de reposição de poder compra com a valorização de salários e pensões, seja em matéria de conter de controlo de preços, onde a pretexto da guerra e das sanções, os grupos económicos estão a acumular lucros extraordinários, com aumentos dos preços que são puramente especulativos.

O Governo sabe que não é o aumento dos salários, praticamente inexistente, que está na origem da inflação, contudo, o que se vê é o Governo a assumir como sua a orientação, as exigências do grande capital, que quer impor a ideia de que aumentar salários contribui para a espiral inflacionista. Tal como sabe, e não quer, que poderia tomar decisões para controlar o aumento dos combustíveis, da energia e dos bens alimentares e não esconder-se atrás das entidades reguladoras, que o grande capital controla.

 

Que respostas aponta o Partido para estas questões, que afectam gravemente as condições de vida da maioria dos portugueses?

Aumentar os salários é fundamental. O Governo pode fazê-lo. Podia e devia acabar com a caducidade da contratação colectiva. Esta é uma medida essencial para dar mais força à negociação colectiva, criando condições para a valorização dos salários no sector privado. Tal como pode decidir de imediato um aumento intercalar do salário mínimo para 800 euros, passando no curto prazo para os 850 euros. Tal como pode decidir na Administração Pública, que tem vindo sucessivamente a perder rendimento.

Em relação aos reformados é preciso ter em conta que o aumento extraordinário que tinha sido decidido em Outubro do ano passado já na altura era curto. Mesmo assim, o Governo manteve-o no Orçamento do Estado aprovado em Maio e agora está totalmente desadequado perante a inflação verificada.

Mas é necessário agir na outra vertente, por isso temos defendido que face ao aumento escandaloso dos combustíveis é necessário regular os preços e fixar preços máximos. Que se impõe garantir a reposição da taxa do IVA nos 6% na electricidade e gás e possibilitar novos contratos no mercado regulado. Avançar ainda com um Cabaz Alimentar Essencial, que defina um preço de referência para cada um dos produtos, com base nos custos reais e numa margem não especulativa.

 

O Partido tem insistido muito nos últimos tempos, até face aos desenvolvimentos da situação internacional, na necessidade de uma aposta séria na produção nacional. Em que medida isto é estratégico?

É um elemento fundamental para garantir a nossa soberania, a nossa independência, o nosso próprio desenvolvimento, o emprego e as condições de vida do nosso povo. Decisivo para combater a excessiva dependência do País em relação ao exterior, pondo-o ao abrigo dos efeitos de conjunturas de crise internacional, da chantagem e da especulação do grande capital transnacional. É ainda fundamental para combater o excessivo endividamento do País. Mas não basta aumentar a nossa capacidade de criar mais riqueza, é preciso assegurar que ela seja bem distribuída e sirva para elevar as condições de vida dos trabalhadores e do povo.

 

Relativamente aos direitos dos trabalhadores, a que o PCP dá também enorme centralidade, o Governo avançou com novas medidas que os fragilizam ainda mais. O que representa isto?

A proposta do Governo não responde aos problemas e permite o seu agravamento. Desde logo no que se refere ao trabalho precário, em vez de o combater, visando a sua eliminação, aceita-o e tolera-o. As medidas que aponta não garantem os direitos dos trabalhadores, nem resolvem a grave situação existente. Por outro lado, o Governo, em vez de garantir o direito de contratação colectiva, mantém a caducidade, tal como não repõe o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. Recusa a reposição dos valores do pagamento das horas extraordinárias ou as limitações aos despedimentos. E no que se refere ao direito de acção sindical na empresa, hoje gravemente ferido, a sua resposta aumenta a confusão facilitando a acção patronal para limitar esse direito. No que é fundamental e decisivo, o Governo coloca-se do lado do capital.

 

Que papel pode assumir a luta dos trabalhadores e das populações para travar esta ofensiva?

Esse papel é determinante e, diria, decisivo, para travar a ofensiva e para assegurar avanços, que a luta sempre permite. São muito importantes as lutas que estão em curso em vários sectores, tal como são as lutas de convergência e unidade, como a manifestação nacional que se realizou no passado dia 7 de Julho, promovida pela CGTP-IN, que juntou milhares de trabalhadores, encheu as ruas, do Marquês de Pombal ao largo em frente à Assembleia da República, e que nos diz que a luta está em crescendo. Quanto mais ampla for a luta, mais perto estarão os trabalhadores e as populações de colher os frutos que dela resultam.


A vida comprovou quem sempre esteve e está do lado da Paz

A situação do País está muito marcada pelos desenvolvimentos ao nível internacional. Em termos gerais, que análise faz o PCP destes desenvolvimentos?

São desenvolvimentos preocupantes, que se traduzem num sério e perigoso agravamento da situação internacional e que resultam do incremento da agressiva investida do imperialismo norte-americano e dos seus aliados, que explicitamente anunciam o propósito da criação de uma nova ordem mundial, obviamente por si dominada e contrária à consagrada nos princípios da Carta das Nações Unidas. Trata-se de uma estratégia de confrontação e de guerra promovida pelos EUA, a NATO e as outras grandes potências imperialistas, que assumindo como alvos principais a China e a Rússia, é apontada aos países que afirmem a sua soberania e direito ao desenvolvimento e a todos os povos do mundo. Vejam-se as brutais, e mesmo cruéis, consequências económicas e sociais da imposição de bloqueios e sanções pelos EUA e a UE, que atingem duramente as condições de vida dos trabalhadores e os povos, e asseguram vergonhosos lucros para as grandes transnacionais.

 

Continua válida a tese de que grandes perigos coexistem com reais possibilidades de avanço progressista e revolucionário?

Sim. Veja-se, num momento em que, para tentar responder à crise estrutural do capitalismo e ao seu declínio relativo, o imperialismo intensifica a sua estratégia de confrontação e guerra, expressa nas decisões da recente Cimeira da NATO, não só assistimos ao desenvolvimento de grandes lutas dos trabalhadores e dos povos, incluindo aqui na Europa, como a importantes vitórias, como do candidato da coligação Pacto Histórico nas recentes eleições presidenciais na Colômbia. Uma vitória conseguida contra os candidatos da tenebrosa oligarquia colombiana e do imperialismo norte-americano.

 

As posições do Partido acerca da guerra na Ucrânia, ou o que sobre elas se deturpou, deram azo a uma campanha sem precedentes contra o PCP, havendo até quem questionasse a sua legalidade. Que comentário te merece isto?

A realidade está a demonstrar quem sempre esteve e está do lado da instigação da guerra e da confrontação e quem sempre esteve e está do lado da resolução negociada dos conflitos e da paz. O PCP é inequivocamente pela paz e pela aplicação da Carta das Nações Unidades e da Acta final da Conferência de Helsínquia. O grande capital e as forças que o servem há muito definiram e identificaram o PCP como um obstáculo à sua dominação e por isso o consideram o seu principal inimigo. É isso que explica que façam do PCP um alvo privilegiado. Não é de hoje esta campanha com claro objectivo anticomunista e antidemocrático, ela assume uma nova dimensão e uma amplitude, onde a desinformação, a mentira, a calúnia atingem uma proporção que, porventura, há muito não se via. Mas uma coisa são os seus desejos, outra a realidade e esta, pelo que nela representa o PCP na vida democrática nacional, não lhes permite tal veleidade.


Há muitos elementos de confiança neste Partido e no futuro

Na sua última reunião, o Comité Central valorizou «o papel, a resistência, a resposta e a iniciativa da organização do Partido na actual situação». A que se deve esta menção?

Perante uma situação tão complexa como a que vivemos, onde está presente uma grande campanha de manipulação e intoxicação ideológica, de enorme pendor anticomunista, a forma como o conjunto do Partido a tem enfrentado e está agir e intervir na vida de todos os dias é digna de relevo. Lembro esse memorável comício de 6 de Março e a confiança e a determinação que dele transbordaram, de estímulo ao trabalho e à luta. O vastíssimo conjunto de iniciativas comemorativas de acontecimentos de relevo na vida nacional, os encontros e reuniões sobre importantes problemas da vida nacional, da energia à cultura e ao euro. A dedicada intervenção dos membros do Partido na dinamização da luta reivindicativa nos mais variados sectores e em defesa das condições de vida e de trabalho, contra o aumento do custo de vida, pelo aumento dos salários e pensões, pela defesa do SNS, por creches gratuitas, pelo direito à habitação, revelam um Partido com uma activa intervenção na vida nacional e no seio dos trabalhadores e do povo.

 

Depois da campanha de fundos, da campanha para constituição de 100 células de empresa, no âmbito das comemorações do Centenário, o PCP tem agora em curso uma outra, de recrutamento. Como está a correr?

Está a correr bem e esse é mais um elemento de confiança neste Partido e no futuro da nossa luta. São centenas de trabalhadores e de outras pessoas que estão a vir ao encontro do nosso Partido, a par do contacto feito pelas organizações.

 

Que prioridades estão colocadas ao colectivo partidário nos tempos imediatos tendo em vista o seu reforço?

Já que falámos de recrutamento, a integração e responsabilização dos novos militantes e a continuação da campanha de recrutamento são duas prioridades. Mas há outras. A responsabilização de novos quadros, o reforço do trabalho nas empresas e locais de trabalho, o reforço das organizações locais, o trabalho junto da juventude, a intensificação da venda do Avante! e as tarefas para garantir a independência financeira do nosso Partido.

 

Está marcada para Novembro uma Conferência Nacional do Partido. A se deve esta decisão? A que objectivos deverá a Conferência responder?

Sim, marca o horizonte do nosso trabalho, que tem já aí a Festa do Avante! e se vai desenvolver na iniciativa sobre os problemas dos trabalhadores, do povo e do País, ao mesmo tempo que preparamos a Conferência. Trata-se de uma importante Conferência que se quer realizar com um amplo envolvimento do colectivo partidário, que tendo como pano de fundo as conclusões do nosso último Congresso, tem como objectivo contribuir para a análise da situação e perpectivar o futuro, avançando com prioridades e dinâmica de acção. O Comité Central apontou os objectivos da Conferência e, a partir da observação da realidade e dos seus desenvolvimentos, contando com contributos da discussão regular, elaborará o documento a discutir nas organizações do Partido para recolher a máxima contribuição dos militantes e que finalmente será submetido à discussão e votação dos delegados eleitos. Será uma Conferência muito centrada na resposta aos problemas do País, nas prioridades de intervenção e reforço do Partido e na afirmação do seu projecto. Como se deduz do seu lema «Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigências», será uma Conferência para dar uma confiante perspectiva de futuro à nossa luta e à luta dos trabalhadores e do nosso povo.