Conservação da Natureza - Fragilidade ambiental de braço dado com fragilidade das estruturas públicas
A desresponsabilização do Estado deixa o capital de mãos livres para a apropriação e mercantilização de recursos naturais
Lusa
Estudos como o do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, de Março de 2021, apontam dados o preocupantes sobre o estado dos habitats e espécies protegidas em Portugal:
«- De entre os habitats com estatuto conhecido, 75% encontrava-se em estado mau ou desfavorável;
- 30% das espécies abrangidas tinha estatuto desconhecido; de entre as espécies com estatuto conhecido, 62% encontrava-se em estado mau ou desfavorável.”
1.º acto: Atacar trabalhadores e desestruturar meios do Estado
Numa recente reunião de uma delegação do PCP com a Direcção Regional da Conservação da Natureza e Florestas do Centro na Mata Nacional do Choupal, em Coimbra, foi possível confirmar os efeitos de uma política que tem vindo a fragilizar as estruturas públicas de gestão ambiental.
Na reunião foi possível constatar que, apesar de alguns avanços, os défices de pessoal desta Direcção Regional não foram supridos. Por exemplo, para necessidades identificadas de 38 técnicos superiores no âmbito da região centro, apenas foram preenchidas 20. Existindo ainda défices no pessoal operacional e nos sapadores bombeiros florestais. Apesar das insistência não se conseguiu obter dados sobre os vigilantes da natureza nesta direcção regional, mas sabemos que, a nível nacional, o corpo de vigilantes da natureza não atinge os 20 por cento do que é necessário.
Considerando o Mapa de Pessoal do ICNF publicado para o ano 2020 (o mais recente disponível) e a distribuição de pessoal pelas diferentes direções regionais, verifica-se que 1312 técnicos serão responsáveis pelo acompanhamento dos cerca de 740 mil hectares de terrenos integrados na rede nacional de áreas protegidas. Tal significa um rácio de mais de 560 hectares por técnico, o que compromete a execução das diferentes tarefas que são exigidas em matéria de planeamento, ordenamento, monitorização e intervenção nas diferentes áreas protegidas.
Como o PCP tem vindo a alertar os efeitos das medidas gravosas da legislação laboral dos trabalhadores da administração pública também têm os seus efeitos perversos na capacidade do ICNF em responder às suas funções. Assim, têm vindo a agravar-se uma série de problemas, com a indefinição dos vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores e em particular dos vigilantes e a falta de enquadramento das funções muito específicas nas carreiras de regime geral do contrato de trabalho em funções públicas.
Não são de agora os alertas do PCP para o caminho que se abriu com anos de política de direita, para a fragilização das estruturas públicas de gestão ambiental, que perderam trabalhadores, meios e competências. Alguns dirão que é a cassete! Mas cada vez está mais claro que a desresponsabilização do Estado deixa o capital de mãos livres para a apropriação de recursos naturais e para a sua mercantilização. O plano, para criar condições para que os recursos sejam geridos aos sabor dos interesses privados, passa sempre por fragilizar as estruturas públicas, atacando primeiro os seus primeiros defensores – os trabalhadores.
2.º acto: Afastar as estruturas públicas do terreno, desinvestir e abrir espaço aos privados
O Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF), integrado numa orientação de minimização da presença do Estado, tem vindo a ser alvo de uma política de desarticulação.
Segundo dados divulgados pelo PEV, «a conservação da natureza e a biodiversidade ronda os 0,6% de todo o orçamento que tutela o ambiente e não ultrapassa os 3% do fundo ambiental», pelo que faltam acções de gestão activa do território, com planos de recuperação ou manutenção de habitats e espécies.
A restruturação do ICNF tem vindo a apontar para um afastamento da Conservação da Natureza das populações. Na realidade, este Instituto encontra-se cada vez mais ausente do território nacional que lhe cabe proteger e valorizar. As alterações introduzidas na orgânica da instituição, com a eliminação das estruturas diretivas de cada área protegida, e a visão que aponta mais para uso recreativo das áreas protegidas e menos para a reabilitação e revitalização de vivências e atividades que estão intimamente ligadas a estes territórios, afastaram o ICNB das áreas e das populações, o que potencia dificuldades de compreensão e consequentemente de integração de forma harmoniosa das atividades tradicionais na gestão da área protegida.
Os governos PSD/CDS tentaram concessionar as Áreas Protegidas a privados, implementando uma taxa de visitação para os financiar. Os governos PS foram fundindo a gestão das Áreas Protegidas para depois apostarem nos chamados projectos de cogestão, transferindo competências para as autarquias locais, e simultaneamente vão ressuscitando a taxa de visitação dos governos PSD/CDS. Na Reserva Natural das Berlengas já existe a referida taxa e, numa recente entrevista, o Ministro do Ambiente não afastou a possibilidade de alargar a sua aplicação.
A Associação Nacional de Vigilantes da Natureza tem alertado que da experiência do modelo de cogestão do Parque Natural do Tejo Internacional não se conhecem «acções de monitorização de espécies, habitats, ecossistemas e geossítios ou associadas a actividades socioeconómicas visando a manutenção ou recuperação de espécies, habitats e ecossistemas». No entanto vai-se falando de turismo e visitação, o que adensa preocupações de mercantilização. Não desvalorizando o papel que as áreas protegidas devem ter no incentivo à atividade turística, o afunilamento do conceito de usufruto destas áreas no apoio à atividade turística desvalorizará a necessária promoção de uso pelas atividades tradicionais e da promoção do papel das áreas protegidas na protecção e salvaguarda dos ecossistemas e na educação ambiental.
O PCP tem vindo a alertar para o evidente afastamento da gestão das áreas protegidas do território, que não pode ser combatido com mais desresponsabilização do Estado Central.
3.º acto: Reestruturações, atribuições, apropriações
O PCP tem vindo a alertar e a contestar o alargamento de atribuições de grande complexidade do ICNF, que acumula agora a responsabilidade de Autoridade Florestal Nacional, de Autoridade Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade e ainda tarefas no âmbito do Bem-estar animal.
No âmbito das atribuições na área da floresta, todos conhecemos os apetites vorazes dos grupos económicos que têm condicionado muito o ordenamento do território e da floresta. Esses apetites não se detêm por nada e, na sequência dos grandes incêndios de 2017, vão conhecendo-se mais e mais projectos que visam apropriação da gestão de baldios.
Em Arganil foi criada uma associação privada designada Associação Floresta Serra do Açor, com um Conselho Estratégico, onde estão, segundo informação pública, o Grupo Jerónimo Martins a ESAC e a Câmara Municipal de Arganil. O projecto tem um horizonte temporal de 40 anos e, pelo que sabe, os detentores das áreas comunitárias visadas, ou seja os actuais órgãos de gestão dos baldios, não estão no seu Conselho Estratégico, ou seja, nada garante o respeito da propriedade comunitária, nemo poder de decisão dos compartes sobre os seus Baldios, como consagra a Lei dos Baldios.
Em Penacova está em marcha um projecto semelhante, desta feita com a Celbi, e também aqui se adensam receios de aumento da área de eucalipto, das consequências ambientais para o rico aquífero do concelho, agravados pelo facto da que umas das primeiras medidas, foi a proibição de apanha de lenha, contrária à lei dos baldios.
Casos bem paradigmáticos sobre como a fragilidade da estrutura que é Autoridade Florestal Nacional, conjugada com apetites vorazes de lucro podem por em causa a propriedade comunitárias dos baldios.
Conclusão: A luta é o caminho
No dia 6 de Junho, o PCP apresentou três projectos lei com o objectivo de contrariar o sentido do plano que está no terreno:
PROJECTO DE LEI N.º 137/XV/1, que «Estabelece medidas para preservação e remediação de solos».
Como objectivo de iniciar o processo de levantamento e centralização de informação, a partir do cruzamento e atualização dos elementos já existentes, tendo como referência as classificações da Carta de Uso e Ocupação do Solo, em conjugação com o processo de levantamento e fiscalização de situações associadas a passivos ambientais que é necessário resolver.
PROJECTO DE LEI N.º 139/XV/1: «Actualização da caracterização e diagnóstico do estado das áreas protegidas e do regime de aprovação de projectos».
Com objectivo de proceder à caracterização e diagnóstico atuais nos diferentes territórios integrados em áreas protegidas e estabelecer capacidades de carga admissíveis relativas às diversas atividades económicas, excluindo as atividades tradicionais e utilização de serviços e infraestruturas, de modo a assegurar o respeito pela defesa do ambiente, da biodiversidade, das populações e das atividades tradicionais. A conservação da Natureza, em particular nas áreas protegidas, requer a responsabilização do Estado nesta tarefa, envolvendo as estruturas nacionais e regionais em colaboração com as autarquias locais, garantindo um caminho visando a defesa do meio ambiente, a valorização da presença humana no território, a defesa do ordenamento do território e a promoção de um efetivo desenvolvimento regional.
PROJECTO DE LEI N.º 138/XV/1, «Estrutura a orgânica e a forma de gestão das Áreas Protegidas».
No sentido de assegurar uma gestão mais próxima e adequada das Áreas Protegidas que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a presente iniciativa que tem por objetivo estabelecer a orgânica e as estruturas das áreas protegidas, tendo em conta as responsabilidades do Estado e a sua participação. Estabelece que cada área protegida dispõe em razão da sua importância, dimensão e interesse público, de todos ou só de alguns órgãos e serviços. Determina o papel essencial dos Planos Especiais de Ordenamento do Território e a responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, determinando-se que cada área protegida de âmbito nacional corresponda a uma unidade orgânica de direção intermédia de administração central.