Trabalhadores respondem com a sua luta a política e Governo que agravam miséria
«O protesto e reivindicações que enchem o caudal da luta que se tem desenvolvido em cada empresa e local de trabalho, no sector público e privado, tem de ser escutado, tem de ser atendido, tem de ter respostas!», exigiu Isabel Camarinha, secretária-geral da CGTP-IN, no final da manifestação que terminou frente à Assembleia da República (AR), na sexta feira, 27.
«Expliquem como se pode viver nesta situação e que País querem?», questionou Isabel Camarinha
A jornada promovida pela Intersindical Nacional decorreu durante a manhã sob o lema «Pelo aumento dos salários e pensões - Contra o aumento do custo de vida e o ataque aos direitos», pouco antes de o PS, com maioria absoluta no parlamento, ter aprovado, em votação final global, uma proposta de Orçamento do Estado (OE) sem alterações substanciais face à primeira versão, apresentada pelo Governo.
Por isso, Isabel Camarinha salientou, perante milhares de trabalhadores que se mantiveram concentrados frente ao hemiciclo sob um calor abrasador, que aquele era também o ponto de partida para «uma grande acção de luta nacional». Nova jornada, detalhou, a «desenvolver durante todos os dias do mês de Junho, nas empresas e serviços, no sector público e privado, cabendo aos trabalhadores, em cada local de trabalho, unidos e organizados, exigir com a luta a resposta às suas justas reivindicações e as soluções para os [seus] problemas, do povo e do País, convergindo, no início de Julho, numa grande acção nacional em Lisboa».
A dirigente da Confederação interveio a encerrar a manifestação que percorreu artérias centrais da capital, em dois desfiles: um partiu do Rossio com trabalhadores dos distritos de Lisboa e do Porto, outro arrancou do Jardim da Estrela com os trabalhadores de Setúbal e dos restantes distritos.
Muitos, muitos mil
E foram milhares aqueles que participaram na luta: jovens – que nos dois desfiles surgiam com bandeiras e placas da Interjovem logo depois dos panos de abertura levados por dirigentes da Central –, menos jovens e alguns idosos, neste caso organizados na Inter-reformados; trabalhadores dos sectores privado, social e cooperativo, ou da administração pública central e local e do sector empresarial do Estado; membros de organizações e estruturas políticas e sociais, como o recém criado mas já muito activo Movimento «Sempre os Mesmos a Pagar».
Passo a passo, em contestação mas «fazendo boa cara ao mau tempo», como é apanágio de quem sabe que não há avanço sem combate, foram repetindo palavras de ordem como «mais salário, melhores pensões»; «direito à contratação, está na Constituição»; «o custo de vida aumenta, o povo não aguenta»; «não podemos aceitar, empobrecer a trabalhar»; «é preciso investir, para o País produzir»; «35 horas, para todos sem demoras»; «público é de todos, privado é só de alguns», ou «precariedade não! Estabilidade, sim!».
Palavras de ordem, note-se, que conjugavam com as reivindicações e denúncias trazidas nas dezenas de panos de sector, empresa, local de trabalho ou sindicato, e cuja justeza foi possível atestar pela voz de quem as gritava a plenos pulmões.
Basta!
Elisabete trabalha há 32 anos na mesma escola como assistente operacional e não contém a revolta. «Andam há anos a prometer e nada! Nem aumentos significativos nos salários, nem progressão justa na carreira, nada. Levamos 683 euros líquidos para casa», testemunhou a albicastrense.
Do mesmo se queixa Carlos, 60 anos, operário têxtil que veio do Minho. Há 18 anos na mesma fábrica, depois de um período emigrado em França, lamenta que os parcos aumentos salariais sejam comidos ora pela subida do custo de vida, ora pelos impostos, ora por ambos. E «com as reformas é a mesma lenga-lenga», lembra, antecipando já o seu futuro próximo.
Anabela, operadora no mesmo centro de contacto desde o início deste milénio, também considera que «correr os trabalhadores todos a salário mínimo é uma vergonha». Por isso veio a Lisboa dizer «Basta!». Sobretudo, salienta, tratando-se de grandes empresas de telecomunicações, energia e outros serviços que, directamente ou através de prestadoras de serviços, alugam a força-de-trabalho alheia, prolongam a precariedade e deixam «pais com filhos a passar fome» enquanto «acumulam milhões e milhões de euros de lucros». Depois «vêm para a praça pública falar em responsabilidade social», remata.
Digam lá, senhores.
«Se já era insustentável viver com os baixos salários e pensões antes, como podemos fazer face às despesas que aumentam todos os dias? Como vamos pagar a renda ou a prestação da casa, os combustíveis para chegar ao trabalho, a electricidade, a comida, o vestuário, as comunicações? Expliquem, os que defendem e determinam a contenção salarial para não provocar a tal “espiral da inflação”, os que nada fazem para travar a especulação, os que se recusam a impor limites dos preços dos bens e serviços essenciais que a agiotagem, os lucros e os dividendos fazem subir, como se pode viver nesta situação e que País querem?».
As questões foram formuladas por Isabel Camarinha depois de sublinhar alguns indicadores que mostram que «a situação que hoje se vive em Portugal exige outra política» (ver caixa), e chamar a atenção que «no OE e para além dele, faltam as medidas que exigimos e que são possíveis e necessárias».
Razões de classe
«Exigimos que o aumento dos salários não seja mais uma vez negado», pois «perdem poder de compra os trabalhadores do sector público, do sector empresarial do Estado e, ao contrário do que alguns querem fazer crer, perdem também os do privado; exigimos a defesa e melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, na educação, na protecção social, na cultura, na justiça e na saúde. A degradação destes serviços só serve o capital, que vê na resposta que o Estado não dá uma oportunidade de negócio.»
«É de democracia que falamos, da igualdade que exigimos, dos direitos que conquistámos e que queremos ver efectivados e que não podem ser secundarizados em nome da absolutização do défice», disse ainda a secretária-geral da CGTP-IN, antes de acusar o Governo de voltar a seguir como «bom aluno» a «obsessão pela redução do défice».
«A cegueira do défice, a transformação em objectivo máximo daquilo que é um instrumento político e da política, já deu provas que não serve os trabalhadores, não serve os pensionistas e reformados, não serve as populações nem o País», insistiu a dirigente sindical, para logo em seguida apontar o dedo aos «alertas que vêm lá de fora» e às «opções dos sucessivos governos», os quais «visam sempre os salários e o investimento público, mas nunca referem o que se gasta na especulação dos juros que todos os anos leva mais de seis mil milhões de euros, ou os contratos leoninos das PPP que para garantir o lucro aos grupos económicos custam mais de mil milhões ao ano, ou os benefícios fiscais que aproveitam as grandes empresas, ou sequer as avenças e prestações de serviços contratualizados fora e que podem e devem ser feitos pela Administração Pública.»
Isabel Camarinha também considerou que «são estruturais os problemas do País e não serão resolvidos com as medidas assistencialistas deste OE, nem com os paliativos que o Governo apresenta na denominada “Agenda para o trabalho digno”, nem com a manutenção de uma política que há muito vem fragilizando os trabalhadores nas relações laborais.» E, nesse sentido, reiterando as reivindicações imediatas e as de fundo, inscritas na resolução posteriormente aprovada pelos trabalhadores (ver caixa), concluiu: «é tempo de nos organizarmos e lutarmos pelo presente e o futuro a que temos direito, para travar a roda da exploração que o capital tem em marcha. Uma acção que o governo PS assume e que o PSD, o CDS, o Chega e Iniciativa Liberal procuram intensificar.»
Justo e necessário
Na resolução aprovada no final da manifestação, os trabalhadores e as suas organizações representativas «rejeitam a ofensiva aos seus direitos e assumem o compromisso de reforçar a unidade e desenvolver a luta pela valorização do trabalho e dos trabalhadores e pela resposta aos problemas do povo e do País.»
Mais concretamente, garantiram que vão continuar «a luta, durante todo o mês de Junho, com acções em todos os sectores, por todo o País – pelos salários, pelos direitos, pelas 35 horas e contra a desregulação dos horários, contra a precariedade, pela contratação colectiva e pela revogação das normas gravosas da legislação laboral, pela garantia da efectivação da liberdade sindical, dando força e relevo às medidas excepcionais e imediatas que apresentámos no 1.º de Maio.»
Entre estas, explicita-se igualmente na resolução, estão «o aumento dos salários de todos os trabalhadores em 90 euros em 2022 e aumentos extraordinários de todos os salários cuja revisão/actualização tenha sido absorvida pela inflação; o aumento extraordinário do Salário Mínimo Nacional para 800 euros com efeitos a 1 de Julho de 2022 e o aumento extraordinário de todas as pensões e reformas que reponha o poder de compra, num mínimo de 20 euros».
Mensagens claras
Jerónimo de Sousa deixou por minutos o Parlamento para se juntar à concentração sindical frente a AR e, em declarações à comunicação social, salientou que milhares de trabalhadores na rua antes da votação do OE, é prova inequívoca de que este não responde aos anseios e aspirações populares e, por isso, os trabalhadores «vão continuar a lutar» com «razões fundadas» no que «sentem no seu quotidiano».
«Os trabalhadores, os reformados, os jovens com vínculos precários, são os que mais sofrem com este OE», que «não dá resposta a uma questão crucial: tendo em conta o aumento do custo de vida, as dificuldades que as famílias trabalhadoras enfrentam, onde está a valorização dos salários, das pensões e reformas», frisou o Secretário-geral do PCP, que se fez acompanhar na acção da CGTP-IN por Francisco Lopes, do Secretariado do Comité Central, Diana Ferreira, deputada do Partido na AR, e João Pimenta Lopes, deputado do PCP no Parlamento Europeu.