A universalidade de uma pintura que não perdeu as suas raízes
Graça Morais tem um percurso artístico nacional e internacional notável
Depois 25 de Abril, o ensino artístico, nomeadamente o das denominadas belas-artes, sofreu uma profunda transformação, não só nas metodologias mas também na diversificação e especialização dos cursos relacionados com as artes visuais. Um dos primeiros passos desse percurso das Escolas de Belas Artes foi o da autonomização dos cursos de arquitectura, que passaram a ser leccionados nas Faculdades de Arquitectura de Lisboa e Porto.
As Escolas de Belas Artes continuaram a ser reconhecidas enquanto ensino superior, mas só em 1992 adquirem o estatuto de faculdades integradas nas universidades. Nesses 30 anos o percurso curricular dos professores começa a seguir os trâmites universitários pelo que, em comparação com as outras faculdades, o número de professores catedráticos ainda não tenha a mesma expressão no total do corpo docente.
A situação das artes e dos artistas acaba por se reflectir em vários níveis, das práticas artísticas às da investigação. É todo um universo de novas perspectivas e de reconhecimento dos artistas pelo que há que referir a recente atribuição do Doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Minho e Alto Douro (UTAD) à pintora Graça Morais, o que deve ser assinalado por distinguir uma artista, quando é muitíssimo raro a atribuição desse grau a artistas visuais e ainda menos a uma mulher pintora, o que é caso único em Portugal.
É uma distinção justíssima por Graça Morais ter um percurso artístico nacional e internacional notável e por muitas das suas obras se reportarem ao universo feminino. A totalidade da sua obra está sempre em diálogo e confronto com a realidade das suas raízes transmontanas, recorrendo a um imaginário que mergulha nas suas reminiscências infantis que cruza sapientemente com os contos tradicionais, numa continuada reinvenção expressionista. A realidade, as realidades, adquirem na pintura, no desenho e na gravura de Graça Morais uma dimensão rara à beira e na fronteira da exasperação.
A bruta dureza das cenas rurais, de uma beleza quase esquecida nas cores violentas que também imprime nos cornudos, nos caretos, nos primeiros planos de cenas de uma quase premonição demoníaca, enunciadas em vários sinais como das ameaças cortantes das facas e das sacholas é uma constante. São os indignados da terra que Graça Morais recupera de referências fotográficas alterando as escalas, os espaços, os protagonistas. Os outros mesmos condenados e indignados que estão na sua Trás-os-Montes natal mas em todas as outras terras de outros mundos que ela vai recolher nas cenas sacrificiais dos Desastres da Guerra, numa exposição que realizou em 2013 na Fundação Arpad Szenes/Vieira da Silva, em que a tragédia humana se universaliza, como já o tinham feito, entre outros, Goya ou Picasso.
Em toda a obra de Graça Morais são sempre bem visíveis as suas raízes transmontanas, a sua afirmação enquanto mulher, com uma obra que é um permanente sobressalto cívico, um testemunho do presente com uma humaníssima confiança no futuro. De visitar é o Centro de Artes Graça Morais, que ela instalou em Bragança, onde muita da sua obra pode ser vista, além de ter sempre uma exposição temporária atenta à actualidades das artes.