Porquê?

Albano Nunes

Só a verdade é revolucionária e amiga da paz

É inquietante que, quando o povo português comemora o 48.º aniversário da Revolução de Abril, a força política que mais contribuiu para pôr fim a quase meio século de ditadura fascista e conquistar a liberdade, esteja a ser alvo de mais uma violenta campanha anticomunista.

Campanhas contra o PCP são recorrentes, são uma expressão incontornável da luta de classes, não nos amedrontam nem condicionam. Elas resultam de o PCP, partido da classe operária e de todos os trabalhadores, ser o principal obstáculo à política exploradora do grande capital e o mais consequente defensor da Constituição que consagra uma política externa e de defesa de soberania e independência nacional, de desarmamento, de liquidação dos blocos militares, de paz e amizade com todos os povos do mundo.

Um partido revolucionário fiel aos valores e ao legado de Abril, que luta pela ruptura com décadas de política de direita e de submissão ao imperialismo e por uma democracia avançada no caminho do socialismo, não pode contar com a benevolência do grande capital nem com a objectividade da comunicação social que o serve. Ainda recentemente o vimos quando sobre o PCP caiu o Carmo e a Trindade por não aceitar limitações a liberdades fundamentais a pretexto da situação epidémica ou a pretexto do seu voto contra a proposta de Orçamento de Estado do governo minoritário do PS.

Entretanto, a campanha actual a pretexto do posição do PCP em relação à guerra na Ucrânia ultrapassa em calúnia, falsificação e ódio tudo o que seria de esperar.

PCP não cede

Mas porquê, qual a principal razão de tal despautério?

Porque o PCP não só recusa ceder à narrativa construída pelos centros de propaganda da classe dominante e imposta como pensamento único, como procura introduzir elementos de racionalidade e compreensão quanto ao caminho que conduziu a uma guerra que podia e devia ter sido evitada, sem o que não será possível a solução política que se exige o mais rapidamente possível, com o cessar-fogo que ponha termo ao derramamento de sangue e abra caminho a acordos de segurança que assegurem uma paz justa e duradoura na Europa.

Aquilo que fundamentalmente a classe dominante não perdoa ao PCP é que, ao mesmo tempo que se demarca da intervenção militar da Rússia, aponte aos EUA, à NATO e à União Europeia as suas gravíssimas responsabilidades na dramática situação a que se chegou e que, em lugar de procurar uma saída política para o conflito, continuem a comportar-se como autênticos incendiários empenhados no prosseguimento da guerra, dispostos a sacrificar-se até ao último ucraniano para tentar desestabilizar, enfraquecer e dominar a própria Rússia e os seus imensos recursos, como fazem com muitos outros países.

O facto da Rússia capitalista, onde poderosos oligarcas abocanharam os frutos do trabalho do povo soviético ter violado o direito internacional, não nos impede de ver que a guerra já estava em desenvolvimento desde 2014 nas províncias de Donetsk e Lugansk, nem de reconhecer o fundamento dos reiterados alertas do governo russo quanto à necessidade de pôr termo a sérias ameaças à sua segurança resultantes da imparável cavalgada da NATO e da UE para Leste, até às suas fronteiras, ao mesmo tempo que os EUA abandonavam importantes acordos de limitação e controle de armamento.

Sim, isto tem de ser reconhecido se se quer efectivamente encontrar o caminho da paz. Não se pode ignorar, ou fingir que se ignora, aquilo que o próprio imperialismo norte-americano proclama: dominar o mundo afastando do seu caminho tudo quanto lhe resista.

Paz e verdade

Sim, a NATO, ao contrário do que solenemente o Presidente da República afirmou na cerimónia de partida para a Roménia do contingente militar português, em cumprimento disciplinado das decisões belicistas da aliança atlântica, não é uma organização defensiva, mas um instrumento ao serviço da estratégia de domínio mundial dos EUA.

Fundada para «conter» e combater a União Soviética e o campo dos países socialistas, a NATO nem é uma exemplar organização de paz, nem o governo ucraniano, instalado pelo golpe fascizante da praça Maidan em 2014, é um exemplar governo democrático. Isto tem de ser dito e redito. Só a verdade é revolucionária e amiga da paz.

Não se esqueça que a ditadura de Salazar foi salva no final da II Guerra Mundial pelas democracias ocidentais que convidaram Portugal para a fundação da NATO, em 1949, e que o apoio político e militar desta organização ao fascismo foi fundamental para a condução das criminosas guerras coloniais.

Não se esqueça a hostilidade dos EUA e da NATO para com a Revolução de Abril e a sua brutal ingerência nos assuntos internos de Portugal, ingerência que só não assumiu a forma de intervenção militar directa porque se viviam então os tempos de desanuviamento e coexistência pacífica consagrados na Acta Final da Conferência de Helsínquia, tornada possível pela existência da União Soviética e da sua activa política de paz.

Não se esqueçam as múltiplas agressões militares dos EUA e da NATO em aberto confronto com a Carta da ONU e a legalidade internacional como no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria, na Jugoslávia, provocando a destruição e a morte de milhões de pessoas e dramáticas vagas de refugiados.

Sim, a natureza agressiva do imperialismo, da NATO e da UE (que está a reforçar a sua componente militar em articulação com os EUA) está bem presente na tragédia que atinge o povo ucraniano, e isso tem de ser sublinhado por mais que incomode os guardiões do mundo ocidental e atrapalhe os seus projectos hostis em relação à Rússia ou à China, que apontada como inimigo principal está claramente na mira do imperialismo.

A vida está a confirmar as análises do XXI Congresso do PCP em relação à situação internacional e aos perigos que decorrem da tentação de encontrar «saída» para o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e o declínio dos EUA através do fascismo e da guerra.

É neste pano de fundo que é indispensável considerar a guerra na Ucrânia e os caminhos para lhe pôr fim. A indecente campanha anticomunista que aí está não impedirá o PCP de afirmar e defender a verdade histórica, apontar as causas fundamentais dos gravíssimos perigos que pesam sobre a Humanidade e de alertar para a necessidade de dar mais força à luta contra o imperialismo e pela paz.




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