Que desporto temos? Que desporto queremos?
O problema não está só na escola, sendo porém fundamental o que nela se passa
Lusa
A compreensão da situação do desporto em Portugal neste final do primeiro quartel do século XXI não é uma questão fácil, mesmo para aqueles que nele trabalham. Para se entender toda a extensão da gravidade da situação, é indispensável proceder a uma análise cuidada daquilo que se passa com toda a população na sua relação com a prática desportiva, entendida aqui na sua expressão mais extensa e para nós mais válida, do desporto para todos. Logo de início depara-se com uma situação no mínimo estranha, manifestada no facto de não se encontrar qualquer análise cultural e sociologicamente fundamentada, sobre a situação do desporto português.
Não está na nossa intenção tropeçar nesta dificuldade, aliás criada para impedir que a generalidade da opinião pública se aperceba, de facto, daquilo que se passa. Começaremos, por isso, por aquilo que é comummente considerado nestas coisas, «como o princípio», ou seja, por aquilo que se passa com as crianças e os adolescentes.
Imediatamente surge à cabeça da extensa problemática que caracteriza nesta altura (agora, aqui) a situação deste grupo da população, a questão da Educação Física e do Desporto Escolar. Todavia, é importante compreender que, assumindo uma gravidade determinante, a relação da formação desportiva infantil não se limita à escola. É importante verificar-se como se responde a este problema no interior da comunidade, nos diferentes momentos e estruturas em que se concretiza a vida infantil. Ou seja, nos clubes, nas estruturas privadas de comercialização das actividades físicas e dentro das cidades, ainda que no meio rural também existam aspectos que devem reter a nossa atenção.
Evidentemente que o que acontece nas escolas assume uma importância específica essencial, pois é nelas que, pela nossa parte, se deposita a esperança da resolução de uma parte significativa daquilo que designamos por educação integral, em que a disciplina de Educação Física e o Desporto Escolar devem responder exclusivamente às necessidades do desenvolvimento dos seus alunos. Enfatizamos o «pela nossa parte», porque cada vez são mais fortes os ataques proferidos por quem deseja eliminar esta disciplina do currículo escolar e entregar o Desporto Escolar aos clubes sob a orientação das federações desportivas e ao mercado em expansão da «boa forma». Tudo justificado pela acusação explícita de que a escola e os seus professores se manifestam incapazes de responder à formação desportiva da «base» da pirâmide dos praticantes, concebida fundamentalmente para fornecer resposta à prática social dominante na comunidade, ou seja, ao desenvolvimento do desporto de rendimento, na via da detecção e especialização do campeão.
Em termos gerais, todos estão de acordo em que a Educação Física e o Desporto Escolar necessitam de transformar as suas formas de acção junto dos alunos. Mas esta coincidência de opiniões traduz diferentes formas de conceber essa mudança em termos concretos. Por exemplo, uma das correntes de opinião considera como incorrecta e ultrapassada a preocupação em responder às necessidades de cada aluno em termos do seu desenvolvimento. São também estes que defendem sem rodeio, o «desporto em idade escolar», concretizado fora da escola.
Para outra corrente de opinião, aquilo que se passou e continua a passar consistiu em desqualificar estas actividades, negando meios e condições objectivas de exercício da acção educativa, visando tudo isto demonstrar a incapacidade dos professores e os erros cometidos em relação à concretização destas actividades. Em bom português, tudo se tem estado a passar de acordo com uma situação em que se «cortam as pernas ao indivíduo e depois se demonstra que ele é incapaz de andar por si só... porque não tem pernas».
Este é somente um primeiro aspecto desta questão fundamental para se avaliar o que se passa nas escolas, pondo em causa o valor educativo da prática desportiva, mas acima de tudo a necessidade da sua prática como instrumento educativo global. É a esta luz que se deve entender o extraordinário facto de continuar a não existir a educação física nas escolas do 1.º Ciclo e a concretização do ataque mais frontal à escola pública perpetrado através da forma como se introduziram as actividades de enriquecimento escolar (AEC) de uma disciplina escolar, que não pode ser enriquecida pelo simples facto de esta não existir!
Começa assim o processo de avaliação da situação da presença do desporto na vida dos alunos na sua primeira fase de educação formal, pois que estas actividades não pretendem responder às suas necessidades de desenvolvimento, mas sim a necessidades justas dos seus pais, mas que não deveriam seguir esta via de resolução.