Agricultores desfilaram em Braga pelo direito a produzir dignamente

Cerca de um milhar de agricultores manifestaram-se, faz hoje uma semana, em Braga, em defesa da agricultura familiar e do mundo rural e exigiram medidas concretas nesse sentido.

O Governo não pode ficar impávido ou avançar com medidas tímidas

Aproveitando a abertura da 54.ª edição da AGRO – Feira Internacional de Agricultura, Pecuária e Alimentação, pequenos e médios produtores, de norte a sul do País, trouxeram a Braga reivindicações de carácter imediato, umas, e outras de fundo, mas nem por isso menos urgentes.

A meio da manhã concentraram-se na Praça da República e logo ali começaram a explanar as razões do protesto, designadamente através de dirigentes regionais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que organizou a iniciativa. E foi já com o sol a «abrir em flor» - numa semana que até foi marcada pela chuva há muito necessária –, que os cerca de mil homens e mulheres do campo marcharam, Avenida da Liberdade abaixo, até ao Parque da Ponte, onde a manifestação terminou com promessas de regresso à rua sempre e quando for preciso.

Pelo caminho, de tarjas e bandeiras na mão, pautados pelos apelos e denúncias da dirigente da CNA Laura Tarrafa, reclamaram apoios para fazer face aos prejuízos, aqueles causados pelos fenómenos climatéricos mais recentes e os provocados pela vaga especulativa nos preços de bens e serviços; voltaram a solicitar protecção para as explorações de carácter familiar e a defesa da sua sobrevivência, ameaçada pelas condições draconianas impostas pela grande distribuição; exigiram uma estratégia pública de produção soberana para um sector cilindrado pela Política Agrícola Comum (PAC), entre outras demandas, resumidas, no final da acção, numa moção com 15 reivindicações de emergência (ver caixa).

Emergência anterior à guerra

De resto, no final da manifestação, Vítor Rodrigues, também da direcção da CNA, sintetizou na sua intervenção as razões que trouxeram os agricultores, produtores florestais e apicultores a Braga. Começou por lembrar que «quando a CNA, em princípios de Fevereiro, convocou esta ação de protesto, a agricultura em Portugal já vivia uma situação gravíssima, com grandes aumentos, verificados nos meses anteriores, no gasóleo, nas peças para máquinas, nos adubos, nas rações, nos fitofármacos ou nas sementes. Aumentos que foram, em muitos casos, de 100, 200 ou até 300 por cento, sem que o essencial dos preços pagos aos produtores se alterasse, mantendo-se muito baixos, ou com ligeiras alterações, entretanto já engolidas pelo aumento dos custos».

«Como se não fosse suficiente», prosseguiu, «depois de todas as dificuldades vividas com a pandemia, vimos a seca estender-se por todo o País, comprometendo as culturas de Outono-Inverno e levantando muitas preocupações com as de Primavera».

«A somar a tudo isto, com a guerra na Ucrânia, não tardou que manobras especulativas agravassem ainda mais os preços dos factores de produção para níveis absurdos», alertou ainda Vítor Rodrigues, que, apesar de estar convicto de que «a guerra e as sanções irão certamente trazer novos problemas aos agricultores», sublinhou que, «nestes dias, o que vimos foi um aproveitamento para promover a especulação e um alarmismo que só a alimenta».

Ora, a CNA considera que o Governo não pode ficar impávido ou avançar com medidas pouco mais do que tímidas perante tal situação, disse ainda o dirigente da CNA, para quem «o País está em condições «de produzir mais, de dar passos decididos no sentido de garantir níveis adequados de abastecimento de produtos fundamentais, desde que aos agricultores sejam asseguradas condições para produzir». Acresce, sublinhou, que a vida está a dar razão à Confederação quando afirmava a importância da agricultura familiar para obstar a dependência nacional face ao agro-negócio.

Vítor Rodrigues acusou depois o executivo do PS de «arrastar os pés» perante os problemas do mundo rural e daqueles que teimam em mantê-lo vivo, dando, para tal, vários exemplos de questões que persistem sem resposta, vertidas aliás na moção aprovada no final da marcha. Notou, além do mais, que «milhares de agricultores continuam excluídos das ajudas directas, enquanto grandes proprietários, que pouco ou nada produzem, continuam a receber chorudos subsídio».

«É preciso pagar a quem produz, reconhecendo o papel da agricultura familiar para a coesão e a sustentabilidade ambiental, económica e social dos territórios», reforçou o dirigente, que depois de rejeitar que «se use o pretexto da guerra para favorecer ainda mais o grande agronegócio, levantando restrições que significam muitos passos atrás em objetivos ambientais e de qualidade dos alimentos», insistiu que os pequenos e médios produtores querem e têm condições para produzir mais».

«Se assim for, «não faltará comida na mesa dos portugueses e dignidade na vida dos agricultores», concluiu.

 

Medidas urgentes

No final da manifestação, Adélia Vilas Boas, da CNA, leu uma moção com 15 medidas, sem as quais «as agricultoras e os agricultores presentes consideram» que «a Lavoura vai continuar a acumular problemas e dificuldades, muitas explorações serão forçadas a encerrar e ficará cada vez mais comprometida a vitalidade do mundo rural e a soberania alimentar do País».

  • Aprovação de uma lei que proíba a venda da produção com prejuízo ao longo de toda a cadeia agro-alimentar, regulação e fiscalização da grande distribuição e controlo das importações desnecessárias;

  • Promoção dos circuitos curtos de comercialização e de um programa de compras públicas para fornecimento de cantinas e refeitórios públicos pela agricultura familiar;

  • Criação de mecanismos de regulação que imponham limites máximos nos preços dos factores de produção para travar a especulação e a escalada brutal dos preços;

  • Aumento dos descontos em vigor para o gasóleo agrícola, concretização do apoio à «electricidade verde»;

  • Ajudas extraordinárias, a fundo perdido, para fazer face aos prejuízos provocados pela seca e repor o potencial produtivo;

  • Indemnizações pelos prejuízos causados nas culturas por javalis e outros animais selvagens e controlo sanitário e da densidade populacional destes;

  • Concretização do processo eleitoral na Casa do Douro para colocar a instituição ao serviço dos seus legítimos “donos”: os viticultores durienses;

  • Concretização das medidas preconizadas no Estatuto da Agricultura Familiar e reversão da condição que obriga a que 20 por cento do rendimento do agregado familiar seja proveniente da agricultura;

  • Criação de mais e melhores serviços públicos para uma vida digna no campo;

  • Alteração da aplicação da PAC, com uma mais justa distribuição das ajudas (com modulação e plafonamento), e melhorias no apoio ao investimento e ao rejuvenescimento da agricultura, na transferência de conhecimento, na arquitectura verde;

  • Valorização do papel das mulheres agricultoras e rurais, com medidas que as discriminem positivamente;

  • Fortalecimento do Ministério da Agricultura, com reforço de meios e com competências que envolvam as áreas das Florestas e do Desenvolvimento Rural;

  • Criação de condições de escoamento a preços justos para a madeira e a cortiça epromoção da floresta multifuncional e de uso múltiplo;

  • Respeito pela natureza comunitária dos Baldios, eliminando todas das formas de discriminação quando a gestão destes espaços seja feita em exclusivo pelos seus compartes, bem como a defesa intransigente dos Baldios face à voracidade de grandes grupos económicos que se tentam apropriar destes;

  • Implementação de uma estratégica de aumento da produção nacional de bens agro-alimentares para alcançar a Soberania Alimentar do País.

PCP solidário

João Frazão e Belmiro Magalhães, membros da comissão política do PCP, Bárbara Barros, vereadora do Partido na CM de Braga, e João Dias, deputado comunista eleito pelo círculo eleitoral de Beja, marcaram presença solidária no protesto. Este último, aliás, assinalou ao «Avante!» que a iniciativa «alerta para as dificuldades crescentes que os pequenos e médios agricultores, silvicultores e produtores pecuários passam, quer pelo aumento dos factores de produção (que os obriga a maior investimento), quer pelo esmagamento dos preços à produção».

Neste sentido, defendeu a emergência de algumas das medidas reclamadas pela CNA e suas filiadas, nomeadamente «apoios imediatos e directos, e não, como quer o Governo, empréstimos ou o adiantamento de ajudas; assegurar que o preço do gasóleo para a agricultura regressa ao nível anterior à pandemia; a concretização do apoio à electricidade verde e garantir que a produção é escoada a preços justos», sintetizou João Dias.




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