Estudantes unidos exigem respostas para problemas que se agravam

60 anos depois da crise estudantil, no dia 24 de Março milhares de estudantes do Ensino Superior de todo o País manifestaram-se em Lisboa, frente a Assembleia da República (AR). Do Governo exigiram a gratuitidade do ensino, uma melhor acção social escolar e mais alojamento.

«Se foi pela luta que lá fomos, só pela luta é que lá vamos»

Convocados pela Associação de Estudantes (AE) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade (FCSH) NOVA de Lisboa, os estudantes começaram por concentrar-se, no início da tarde, na Praça do Rossio. A eles juntaram-se nove associações académicas que partiram do Terreiro do Paço.

Numa moldura humana que impressionou, seguiram, unidos e em uníssono, até à Casa da Democracia. «Não é só um caso, são milhares de estudantes com a bolsa em atraso» e «É hora de avançar, a propina é para acabar» foram palavras de ordem que ecoaram, firmes,durante o percurso. Uma enorme faixa preta – simbolizando o luto e a luta dos estudantes – abria caminho: «60 anos da crise académica de 1962. Dia Nacional do Estudante. Gratuitidade, Acção Escolar, Alojamento». Noutras, os «Náufragos do Ensino Superior»lembravam «Não estamos todos no mesmo barco», exigia-se o «Fim imediato da propina» e afirmava-se «Paz sim! Guerra não!».

«Mais democracia nas instituições de Ensino Superior», «Queremos espaço para estudar», «Quantos pratos sociais podias comer se não pagasses propinas?» foram outras mensagens trazidas até Lisboa, escritas em caixas de cartão, reutilizando reivindicações antigas que os sucessivos governos ignoram.

PelaRua do Carmo, na Praça Luís de Camões ou na Calçada do Combra – com o apoio da população e sempre acompanhados por um forte dispositivo policial, os estudantes, por vezes debaixo de chuva, faziam ouvir, bem alto, alguns com a ajuda de megafones, outros desabafos dirigidos ao Executivo PS: «Para a banca vão milhões, para o ensino só tostões», «Propinas e Bolonha é tudo uma vergonha» e «De fundação em fundação a Educação vai ao chão», que levam a uma conclusão: «A Educação é um direito, sem ela nada feito».

Chegados à Praça da Constituição de 1976, num palco improvisado entre as estátuas de leões que ladeiam a escadaria [vedada] da AR, destacou-se a importância daquele momento de «unidade e resistência». «Os estudantes vêem um conjunto de direitos serem atacados» e«sentem a sua voz a deixar de ser ouvida, consequência da cada vez menor participação estudantil nas decisões das faculdades», alertou-se na apresentação da acção, onde se sublinhou que aquela luta «é de todos» aqueles que «tiveram que desistir do seu curso porque tinham de escolher entre pôr comida na mesa ou pagar propinas», «cuja bolsa este mês demorou em chegar ou nunca veio» e dos «deslocados que têm de trabalhar e estudar para pagar o seu apartamento, que dividem já com mais quatro pessoas».

Reivindicação
De seguida anunciou-se a presença naquela manifestação das AE da FCSH, da Faculdade Psicologia e do Instituto da Educação da Universidade de Lisboa, da Faculdade de Belas Artes do Porto; da Escola Superior de Artes; da Escola Superior de Artes e Design – Politécnico de Leiria; da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; da Associação Académica da Universidade de Lisboa; do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida; da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa; do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa; da Federação Académica de Lisboa; da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa; da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto; da Escola Superior de Dança do Instituto Politécnico de Lisboa; do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE); da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto; da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa; da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; do Núcleo de História Moderna e Contemporânea do ISCTE, do Núcleo de Sociologia do ISCTE; do Núcleo de Alunos de Sociologia do Porto; do Núcleo de Estudantes de Direito da Associação Académica de Coimbra; da Associação Académica de Direito da Universidade Católica Portuguesa; do Conselho Nacional de Estudantes de Direito.

Presentes estiveram também as associações académicas de Coimbra, da Beira Interior, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Aveiro, do Minho, do Algarve e de Évora. Daniel Tadeu, em nome destes últimos que se juntaram àquele momento de grande unidade, sublinhou que a «maior homenagem que pode ser prestada a todos aqueles que se sacrificaram nas lutas da década de 60 passa por continuar a reivindicar a liberdade. No caso, a prossecução de um caminho que vise garantir uma verdadeira liberdade de acesso à educação, de escolha e de equidade.» Os manifestantes reagiram com outra palavra de ordem: «25 de Abril sempre, fascismo nunca mais».

Catarina Preto, presidente da Direcção da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, subiu ao palco para dizer que foi um «prazer» estar ali «à chuva, na luta e na rua» para assinalar os 60 anos da crise académica. Manifestou-se ainda contra as alterações ao estatuto da Ordem dos Advogados. Em causa está o facto de os estagiários só poderem ser admitidos na Ordem se forem detentores de grau de mestre ou doutor ou licenciados pré-Bolonha.

Direitos
Também José Pinho, presidente da AE da FCSH, destacou o «processo de resistência» desencadeado com as crises académicas de 1962 e de 1969, que «desaguou» no 25 de Abril de 1974. «Volvidos 60 anos, os estudantes mostram que essa esperança que Abril viu nascer ainda continua» e que, «independentemente dos ataques feitos ao projecto e à escola de Abril», os estudantes «não se resignam e saem à rua para defender aquilo que é seu por direito»e «se encontra inscrito nas páginas da Constituição da República Portuguesa», salientou o dirigente.

Alertou, de seguida, para «ataques» que se multiplicam: «implementação de propinas, taxas e emolumentos» ou o «progressivo, calculado e continuado afastamento dos estudantes dos órgão de decisão das suas próprias faculdades». Avançou com outros problemas: «faculdades profundamente sub-financiadas, um cada vez mais crescente abandono escolar e falta de psicólogos nas instituições». «Este ano, mais de 100 mil estudantes necessitam de uma bolsa para poderem estudar» e «existem cerca de 16 mil camas em residência públicas», que servem apenas «15 por cento dos estudantes deslocados a nível nacional», informou.

Perante este quadro, José Pinho reclamou «respostas» do Governo, como a implementação do Plano Nacional para o Ensino Superior; dotar a Acção Social Escolar de meios humanos e financeiros suficientes; concretizar a gratuitidade do Ensino Superior; o fim das propinas, das taxas e emolumentos.

«Sabemos que muitos são os problemas, mas maior tem que ser a determinação e unidade para os resolver. Temos naqueles que em 1962 saíram à rua sem medo um exemplo e uma inspiração para os dias de hoje. Se foi pela luta que lá fomos, só pela luta é que lá vamos», concluiu. «A luta continua», responderam os estudantes.

Solidariedade
O protesto contou com a solidariedade do PCP, que esteve presente com uma delegação composta por Paula Santos, Alma Rivera, deputadas na AR e do Comité Central (CC), e João Frazão, da Comissão Política do CC. «As reivindicações dos estudantes são justas e legítimas» e «são matérias que estão presentes na nossa intervenção, com propostas e soluções concretas», salientou Paula Santos.

No final, Daniel Tadeu, presidente da Mesa da Assembleia Magna da Associação Académica de Coimbra (AAC), pediu um minuto de silêncio – que se cumpriu – em honra de Cesário Silva, presidente da Direcção-Geral da AAC falecido num acidente de viação. A manifestação encerrou com a actuação da Secção de Fados da AAC.