As batalhas eleitorais - afirmação e condicionamentos

Jorge Cordeiro

No rescaldo de actos eleitorais, em particular quando os resultados não encontram correspondência com o valor da intervenção do Partido, é comum ver imputado à «mensagem» uma das razões, quando não a causa, desses resultados.

Há factores objectivos e subjectivos a condicionar a acção política e eleitoral do Partido

O problema estaria na «mensagem». Seja porque na sua expressão e suporte físicos – cartazes ou outros similares não teriam os elementos gráficos, cromáticos ou descritivos adequados – ou porque às ideias, lemas ou slogans aí presentes não se lhe reconheceriam elementos de acutilância ou convencimento. A «mensagem» explicaria por si resultados porque não responderia às necessidades, porque não seria suportada em padrões de qualificação que supostamente se deslumbram em agências de publicidade a que outros recorrem, porque por estas ou outras razões o Partido não sabe comunicar.

Não desmereçamos a necessidade de identificar insuficiências, avaliar o que se pode e deve aperfeiçoar, o que a reflexão e contribuição colectiva com a incorporação da experiência e saberes do colectivo partidário permitirá. Mas será um erro, que em si mesmo tolherá a indispensável reflexão para elevar a capacidade de comunicação, perder de vista que nas condições concretas em que lutamos e intervimos – também e em particular no plano do confronto ideológico –, muito para lá do que podemos e devemos melhorar, há factores objectivos e subjectivos que a condicionam.

Observar a batalha eleitoral apenas pela unilateralidade que corresponderia à nossa intervenção, vista isolada da acção de outros com quem confrontamos, iludindo que ela é parte indissociável de um embate político e de classe mais vasto, não circunscrito a um período temporal, nem separável do enquadramento ideológico determinado por concepções dominantes decorrentes da estrutura sócio-económica, é um erro. Desde logo porque despreza factores que não podem ser desprezados e depois porque carreia para a acção do colectivo partidário responsabilidades que lhe não cabem, nem está nas suas mãos ultrapassar por inteiro.

Ofensiva anticomunista

Não é possível examinar a expressão mais conjuntural expressa na batalha eleitoral e dos seus resultados à margem de elementos que determinantemente a condicionam. Em primeiro lugar, da ofensiva anticomunista, no plano ideológico mas não só, e que tem na sua raiz aquilo que somos, os objectivos por que que lutamos, os interesses de classe que assumimos, o projecto de emancipação social que defendemos.

Uma ofensiva ideológica que, nas diversas expressões que comporta e se manifesta, assume hoje novas formas, a incorporação de um enorme desenvolvimento dos instrumentos de dominação quer pela massificação da informação quer pelos meios de propagação (seja a dos chamados mídia seja a das redes socais) mas também com a multiplicação e concentração de centros de produção ideológica que invadem todos os planos da vida em sociedade à escala nacional e mundial.

A democratização do acesso à informação encerra em si a ilusão de que dela decorre automaticamente elementos de reflexão, análise e formação de opinião própria. A informação difundida está sequestrada a partir de centros de dominação ideológica, filtrada e manipulada a partir de padrões ao serviço da dominação capitalista, semeada à velocidade da luz, capaz de à escala planetária impor uma notícia e uma ideia, como mais uma vez por estes dias se vê, por mais falsa que se revele.

Uma ofensiva ideológica que incorpora o ataque directo ao Partido e a disseminação de concepções e ideias inerentes ao capitalismo e à ideologia burguesa. Duas componentes indissociáveis em que esta última lavra o terreno onde mais facilmente se semeia e difunde o preconceito anticomunista, aplana o terreno para o ataque ao PCP. A difusão do preconceito encontra terreno fértil na própria história do País e no que décadas de fascismo semeou de obscurantismo anticomunista. Um preconceito que os centros de dominação capitalista animam para dificultar a aceitação e abertura para ouvir o PCP, na barreira artificial que cria mesmo quando não se dá conta dela, na atitude que conduz a que não se avalie o Partido pelo que propõe e que se olhe para ele não pelo que é e representa, mas sim sujeito ao crivo do preconceito que cria desconfiança nessa relação.

Olhar para conjuntura eleitoral sem levar em conta o que tem de condicionamento associado aos ataques ao Partido, à deturpação e falsificação de posicionamentos, ao ódio fascizante, à insinuação preconceituosa, às contínuas campanhas de difamação e calúnia, é não ver toda a realidade, condição indispensável para a enfrentar e nela intervir.

Em que quadro intervimos?

A nossa intervenção política e também eleitoral, não é imune ao quadro em que se desenrola, a uma ofensiva que se caracteriza pela mobilização de meios a que recorre, pela persistência e intensidade que assume, pelas continuadas campanhas em que se suporta, num processo que não pode ser visto ou avaliado isoladamente pelo que cada uma delas significa e as consequências que provoca, mas sim, pelo que no seu conjunto acrescenta, estratifica e consolida de elementos preconceituosos e de obstáculos à mensagem e acção do Partido.

É sob este pano de fundo que a batalha política e eleitoral de 30 de Janeiro se desenrolou. E é a partir dele que devem ser examinados e reflectidos o manancial de factores mais conjunturais que condicionaram a tradução da intervenção, soluções e projecto do PCP em apoio eleitoral que com justiça lhe deveria ser reconhecido.

Como elementos de ilustração aqui se identificam factores de inegável condicionamento. Por um lado, a epidemia, com o que transportou de amputação de vivência colectiva, de estímulo ao isolamento, com o que daí decorre, de limitação a uma política de proximidade. Uma desagregação de relacionamentos interpessoais e colectivos prolongada ao longo e dois anos, privando largas massas do que só a vida social preenche de partilha e consciência colectiva, expondo-as aos critérios de comunicação dominante favoráveis a outras forças políticas e acrescentando dificuldade acrescida para a acção da CDU, que tem no esclarecimento directo a principal arma para contrariar e combater os interesses que esses centros de poder difundem.

E também, e não menos importante, o que a epidemia instalou de cultura do medo, um semeio de sentimentos de amedrontamento que favoreceu aproveitamentos eleitorais. O medo da «instabilidade», o medo do «perigo da direita», o medo de se perder o que supostamente estaria adquirido, deu asas a estratégias de vitimização com repercussões eleitorais.

A meticulosa articulação entre os objectivos definidos pelo grande capital – afastar o PCP de uma intervenção mais decisiva no plano institucional e remover obstáculos ao andamento da política de direita – e os seus instrumentos de dominação políticos e ideológicos foi posta ao serviço dessa estratégia. Em seu nome prosseguiu e intensificou-se o silenciamento da CDU e o favorecimento de outras forças políticas, difundiu-se à exaustão a grosseira falsificação de factos políticos, como a não aprovação do Orçamento do Estado, recorreu-se à descarada manipulação de sondagens, exacerbou-se a mentira sobre os objectivos e natureza das eleições legislativas, promoveu-se até à irracionalidade a bipolarização.

Retenha-se desta operação dois elementos distintos mas convergentes na artificial construção de uma dinâmica bipolarizadora: as sondagens e os debates televisivos. Sobre as sondagens será suficiente recorrer às palavras dos próprios autores ou difusores, quando confessam sem rodeios que não só não teria havido maioria absoluta sem a sua instrumentalização (a falseada apresentação de um perigo de vitória da direita que nunca existiu, a não ser na manipulada apresentação das amostras e projecções de voto), como parte significativa dos eleitores decidiu em função do que elas falsamente indiciavam e não por identificação política com a força em que confiaram o seu voto.

A partir dos debates, concebidos para polarizar a disputa em PS e PSD, num escandaloso favorecimento de audiências, remetendo terceiros para o papel de figurantes menores da estratégia bipolarizadora que haviam decidido. Uma repetição do que já haviam instituído em 2019, a coberto da alteração legislativa imposta por PS e PSD para eliminar as condições de igualdade de tratamento mediático entre forças políticas em nome de critérios editoriais.

Debates submergidos por uma barragem de comentários sobre supostos vencedores e vencidos que adulteram os seus conteúdos, condicionam o juízo individual e conduzem a que cada um avalie e decida, não pelo que viu, mas pela leitura condicionada que por essa via impõem. Da parte do Partido não se trata só de, por princípio, não admitir trocar em nome de uns escassos minutos a denúncia e rejeição de um modelo de uma operação antidemocrática. Mas ter também em conta o que neste enquadramento se traduziriam alguns dos debates e a sua comprovada relativa importância como se vê em resultados de outros, BE ou o PAN, que se subordinaram à operação que foi montada.

Travar a luta ideológica

Seja em batalhas eleitorais seja na luta política de todos os dias, importa ter presente as condições dessa intervenção, nomeadamente no plano ideológico, e na relação com a base material em que assenta. A classe com poder material dominante, a classe possuidora dos meios de produção material, é detentora dos meios de produção da ideologia.

A intensidade, e em particular o grau de penetração nas massas, independentemente da condição ou classe de cada um dos receptores, é indissociável do quadro sócio-económico em que se desenvolve e em que pesam factores diversos indesligáveis, estruturais e conjunturais, mas em que os primeiros (estruturais) moldam e estruturam o que os segundos (conjunturais) tratam de consolidar, em maior ou menor expressão de acordo com as circunstâncias.

Esta consideração não significa que sendo a base material a que é, não cumpra aos comunistas e aos seus objectivos de luta dar a resposta no plano ideológico, ter a iniciativa nesse combate, mobilizar os meios para lhe responder. A vida e a nossa própria experiência mostra que a acção determinada por objectivos concretos pode confrontar e derrotar, em muitas circunstâncias, projectos dominantes, resistir e fazer avançar direitos, ampliar a consciência social sobre o valor da luta e a confiança nos seus resultados.

O confronto permanente entre condicionamento ideológico para minar a influência do PCP e a intervenção dos comunistas para a alargar será determinado em última instância pela realidade concreta, as condições objectivas em presença, a ampliação da consciência da indispensável superação de um sistema iníquo e desumano.

Sem perder de vista que a batalha ideológica ganha-se em definitivo na batalha mais geral da luta pela transformação da sociedade. Uma luta em que cabe aos comunistas impulsionar e concretizar e ao capital tentar atrasar e impedir.

Com a convicção de que mais cedo ou tarde os processo de transformação social acabarão por prevalecer.