Perante sete anos de agressão contra a população do Donbass e o incumprimento dos acordos de Minsk por parte do regime ucraniano, a Rússia reconheceu as autodenominadas repúblicas populares. UE e EUA aplicam novas sanções, a Alemanha travou a certificação do Nord Stream 2 e a China pede diálogo.
O presidente da Rússia, Vladímir Putin, anunciou na segunda-feira, 21, a decisão de reconhecer de imediato a independência e a soberania das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Donbass. No mesmo dia, numa cerimónia no Kremlin, o chefe de Estado russo assinou acordos de amizade, cooperação e assistência mútua com as duas repúblicas.
A partir de dia 18, a situação agravou-se nas duas regiões, com ataques sucessivos das forças governamentais e paramilitares ucranianas, que nos últimos meses se foram avolumando junto à linha de demarcação. A evacuação de populações de Donetsk e Lugansk iniciou-se quase de imediato.
Putin anunciou ainda a possibilidade de enviar forças de manutenção de paz para aqueles territórios. Mais tarde, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Andréi Rudenko, esclareceu que a Rússia não tem planos para, no imediato, enviar tropas para Donetsk e Lugansk. Numa resolução entretanto aprovada pelo Conselho da Federação, a câmara alta do parlamento da Rússia, estipula-se que qualquer utilização de forças armadas russas será feita «na base dos princípios e normas geralmente reconhecidos do direito internacional».
Já anteontem, 22, Vladímir Putin afirmou aos jornalistas que «a Europa não conseguiu fazer com que Kiev aplicasse os acordos de Minsk, pelo que a Rússia se viu obrigada a reconhecer as repúblicas de Donetsk e Lugansk». Destacou que as autoridades russas «estavam interessadas na implementação» dos acordos, pois resultam de um compromisso, mas lamentou que Kiev «os tenha matado muito antes do reconhecimento [pela Rússia] das repúblicas do Donbass». Agora, «os acordos de Minsk já não existem», acentuou.
Estes acordos previam, entre outras matérias, um cessar fogo imediato e abrangente, a retirada de artilharia e o reconhecimento legal de uma ampla autonomia para as duas regiões. A Ucrânia nunca respeitou estes termos. Os ataques contra as duas regiões do Donbass foram constantes e milhares de pessoas morreram.
Diálogo e negociação
Reagindo ao discurso de Putin, o presidente da Ucrânia, Vladímir Zelenski, declarou que está a considerar romper as relações diplomáticas entre Kiev e Moscovo. Também a Alemanha reagiu e o chanceler Olaf Scholz anunciou ter ordenado a suspensão do processo de certificação do gasoduto Nord Stream 2, que conecta a Rússia e a Alemanha através do mar Báltico e permitiria o reforço do abastecimento de gás russo. Na semana passada, Joe Biden tinha já ameaçado com o fim deste projecto, muito embora não envolva directamente os EUA.
De igual modo, a UE e os EUA anunciaram estar a preparar novas sanções à Rússia em retaliação pelo reconhecimento por Moscovo das repúblicas do Donbass.
Já a China mostrou-se preocupada com a evolução da situação. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, numa conversa telefónica com o seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, assinalou que se devem respeitar as preocupações legítimas de segurança de qualquer país e defender os objectivos e princípios da Carta das Nações Unidas. Afirmou que a evolução da questão ucraniana esteve, até agora, estreitamente relacionada com o atraso da aplicação efectiva das resoluções previstas nos acordos de Minsk.
«A China pede uma vez mais a todas as partes que actuem com moderação, reconheçam a importância de aplicar o princípio da segurança indivisível, suavizem a situação e resolvam as diferenças mediante o diálogo e a negociação», declarou Wang Yi.
Nota do PCP sobre os recentes
desenvolvimentos no Leste da Europa
O PCP emitiu no dia 22, através do seu Gabinete de Imprensa, uma nota sobre os recentes desenvolvimentos no Leste da Europa, que transcrevemos na íntegra:
«O PCP expressa a sua profunda preocupação com os desenvolvimentos da situação no Leste da Europa.
«A actual situação e seus desenvolvimentos recentes são inseparáveis de décadas de política de tensão e crescente confrontação dos EUA e da NATO contra a Federação Russa, nos planos militar, económico e político, em que avulta o contínuo alargamento da NATO e o sistemático avanço da instalação de meios e contingentes militares deste bloco político-militar cada vez mais próximo das fronteiras da Federação Russa.
«A situação na Ucrânia não pode ainda deixar de ser dissociada do golpe de Estado de 2014, promovido pelos EUA, a NATO e a UE, protagonizado por grupos fascistas, e que levou à imposição de um regime xenófobo e belicista, cuja violenta acção é responsável pelo agravamento de fracturas e divisões, pela discriminação e negação de direitos fundamentais e de cidadania da população, e pela deflagração da guerra naquele País.
«Quando alguns demonstram agora a sua preocupação com os acordos de Minsk, assinados há sete anos, é importante ter presente que o regime ucraniano não só nunca os cumpriu, inclusive de forma assumida, como impediu a concretização de uma solução política para o conflito no Donbass, sendo responsável por constantes violações do cessar-fogo, por sucessivas provocações e por uma massiva concentração de forças militares junto à linha de demarcação – acção que se incrementou significativamente nas últimas semanas –, ameaçando lançar uma acção militar em larga escala nessa região. A decisão agora assumida pela Federação Russa não pode ser olhada à margem desta conjuntura e dos seus desenvolvimentos.
«O PCP reafirma a necessidade do desenvolvimento de iniciativas que contribuam para o desanuviamento e que privilegiem um processo de diálogo com vista a uma solução pacífica para o conflito, assim como à promoção da paz e da segurança na Europa, no respeito dos princípios da Carta da ONU e da Acta Final da Conferência de Helsínquia.
«O PCP denuncia a perigosa estratégia de tensão e propaganda belicista promovida pelos EUA, a NATO e a UE, e apela ao desenvolvimento da acção em defesa da solução pacífica dos conflitos internacionais, pelo fim das agressões e ingerências do imperialismo, pela rejeição do alargamento da NATO e pela sua dissolução, contra a militarização da União Europeia, pelos princípios de paz e desarmamento inscritos na Constituição da República Portuguesa.»