Algumas notas sobre os partidos de direita

Margarida Botelho

São muitos os que olham com legítimas preocupações para os partidos de direita, para os seus resultados eleitorais, discursos e prática. Importa continuar a acompanhar os desenvolvimentos nestes e destes partidos, para melhor dar combate aos seus objectivos políticos e ideológicos.

Não é a primeira vez que forças com estas características são promovidas pelo capital

No XXI Congresso, o PCP fez a seguinte análise sobre os partidos deste campo político: «o PSD tem em curso um esforço de reposicionamento que contribua para branquear ou apagar responsabilidades recentes na política de retrocesso social e declínio económico que impôs ao País. Um esforço que não disfarça a reafirmação de objectivos assumidos de forma explícita no seu último congresso, com a formulação de um projecto político reaccionário em que avulta a ambição de alterações à Constituição e às leis eleitorais, de subversão da Segurança Social e do SNS. Apesar das frequentes convulsões e disputas internas, o PSD continua a ser tido pelo grande capital como instrumento de promoção da política de direita.

«O CDS, que procurou com as mudanças de liderança um factor de branqueamento de responsabilidades passadas, assume na disputa do espaço mais à direita uma agenda e objectivos mais nitidamente reaccionários.

«A Iniciativa Liberal e o Chega são sucedâneos do PSD e do CDS, associados aos centros mais reaccionários do grande capital, assumem e propagam valores e concepções antidemocráticos. A sua acção insere-se na ofensiva geral, designadamente no plano ideológico, contra os trabalhadores e o povo português, visando novos e mais agravados patamares de exploração, expressão de tendências indissociáveis da crise estrutural do capitalismo.

«Invocando diferenças e procurando distanciar-se do PSD e do CDS num curto espaço de tempo, com o seu posicionamento político no seguimento das eleições nos Açores comprovam o seu carácter instrumental, a sua identificação com objectivos e projectos convergentes no comprometimento com o sistema de exploração e o ataque à democracia.

«Registe-se que o Chega, mantendo um discurso demagógico de exacerbação de temas que identifica como susceptíveis de apoio, esconde deliberadamente o seu papel ao serviço do capital, a dinâmica fascizante presente na sua acção, assim como os seus verdadeiros objectivos expressos no seu programa em que, de forma explícita, propõe a liquidação do SNS, da escola pública e a subversão do regime constitucional.»

Quinze meses e três processos eleitorais depois – presidenciais, autárquicas e legislativas –, o essencial da análise confirma-se, com os naturais cambiantes que a realidade impõe.

Projectos reaccionários

Nas eleições presidenciais de Janeiro de 2021, em que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado por PSD e CDS – e sem que o PS tenha apresentado candidato –, foi reeleito com 60,7% dos votos, o Comité Central do PCP sublinhou que «os candidatos que deram rosto às expressões mais reaccionárias associadas aos interesses do grande capital – André Ventura e Tiago Mayan – têm um resultado inseparável, mas mesmo assim ficando aquém da deliberada promoção e centralidade que alguns lhes quiseram atribuir para desviar atenções e prioridades sobre o valor e significado das candidaturas em presença. Para lá dos muitos que, não partilhando das concepções reaccionárias, se deixaram instrumentalizar por um discurso demagógico, a expressão eleitoral destes candidatos está muito longe de preencher a que, em outros momentos, candidatos de cariz reaccionário obtiveram».

Na sequência das eleições autárquicas de Setembro passado, o Comité Central do Partido denunciou «a operação que entretanto foi posta em curso, procurando atribuir às forças mais à direita e aos seus projectos retrógrados e antidemocráticos uma perspectiva de adesão e crescimento imparável». Uma operação que não teve correspondência com a realidade.

Nas eleições legislativas de 30 de Janeiro, «o resultado do PSD, aquém dos objectivos e expectativas adiantados, bem como a não eleição de qualquer deputado pelo CDS, são indissociáveis da memória da acção do governo PSD/CDS. Os seus sucedâneos, IL e Chega, têm um aumento da expressão eleitoral e do número de deputados, influenciado pela promoção feita ao longo dos últimos anos, em particular após a sua entrada na Assembleia da República, alimentando as suas concepções reaccionárias», como analisou o Comité Central do Partido na sua mais recente reunião.

Para lá dos discursos

É hoje, à distância, mais visível o efeito da operação de bipolarização – em particular do «empate técnico» e do «taco a taco» das sondagens – na opção de voto de muitos que, tendo fresca a memória dos governos da PAF, das troikas, de Passos Coelho e Paulo Portas, viram no voto no PS a forma de os impedir de voltar ao Governo. O receio de eventuais coligações ou acordos do PSD à sua direita que envolvessem o Chega, alimentado pelas ambiguidades de Rui Rio e pelo acordo nos Açores, foi assumido por muita gente democrata como perigo real e motivo para votar PS.

Essa rejeição da política de direita e dos efeitos desastrosos que tem na vida de cada um e do País é um elemento que o capital também sabe que é real e que tem em conta nas suas tácticas de manipulação, desinformação e exploração.

Perante o discurso agressivo e fascisante do Chega ou a retórica liberal mais desabrida da IL, Rui Rio desdobrou-se em declarações afirmando que o PSD não é um partido de direita. A própria IL, a propósito do local onde se sentará na Assembleia da República, repõe uma peça com dezenas de anos: quer sentar-se «ao centro» para estar longe de todos os extremos, quase 50 anos depois de os fundadores do CDS terem escolhido «CentroDemocrático e Social» para baptizar o seu partido.

Ao mesmo tempo, Chega e CDS procuraram afirmar-se cada qual como a verdadeira direita. O Chega refere-se sistematicamente a si próprio no programa eleitoral das legislativas de 2022 como «a direita de direita«, o CDS apresentou-se como «a direita certa».

Sabemos bem como é possível praticar uma política de direita e servir os interesses do grande capital, jurando ao mesmo tempo amor eterno ao 25 de Abril e à democracia. Será necessário estar atento e ir chamando a atenção de muitos democratas para essa operação que inevitavelmente o PS tentará montar: verbalizando e tentando protagonizar o combate ao Chega, assumindo na prática opções fundamentais da política de direita.

As posições que o Chega assume, a boçalidade e a violência com que as afirma, têm aliás essa utilidade, que é tudo menos casual: a de banalizar as ideias mais desastrosas (pensemos nas horas de debates eleitorais gastas com questões como a prisão perpétua ou a castração química), fazendo com que outros pareçam menos perigosos. A IL beneficia bastante dessa manobra, já que a retórica menos ostensiva do que a do Chega faz de certa forma baixar a guarda quanto a outros temas, estruturais, em que as diferenças não são praticamente nenhumas. Veja-se o que dizem os programas eleitorais de Chega e IL sobre impostos, SNS, Segurança Social ou escola pública. Ambos os partidos se complementam, cumprindo cada qual um papel, cobrindo sectores com sensibilidades diferentes, unidos na rejeição da Constituição saída da Revolução de Abril.

Firme combate

Não é a primeira vez que forças com estas características são promovidas pelo capital e têm apoio eleitoral. Lembremo-nos de toda a retórica liberal de Passos Coelho, sustentada em dúzias de académicos, cursos e universidades. Ou das afirmações de Paulo Portas sobre os «ciganos do rendimento mínimo». São forças perigosas, que minam a democracia e merecem o nosso mais firme combate. São forças que o nosso povo já derrotou mais do que uma vez, e voltará a derrotar.