Som de tambores
Foi no passado domingo, à hora dos mais importantes telenoticiários do dia, que a televisão nos informou (é certo que apenas de modo indirecto ou pelas chamadas «meias palavras») que para os lados do leste europeu poderia estar a preparar-se uma guerra. Em princípio de contornos mais ou menos locais, é certo, mas bem se sabe que nisto de guerras mesmo as que apenas ameaçam ser locais facilmente podem assumir outras dimensões: imagine-se, forçando-se a suposta simetria, uma «guerra local» às portas dos Estados Unidos da América com suspeita de ter sido engendrada ou apenas favorecida por serviços secretos da grande potência rival. Ora, no caso que a TV abordou, a estória começou pela suspeita largamente difundida de que a Rússia estaria a pensar, ou mesmo já a preparar, a instalação de um governo amigo na Ucrânia. Poderá pensar-se que a eventualidade pouco ou nada tem de escandalosa ou alarmante: bem se sabe que também os Estados Unidos se esforçam, e muito, por ter governos amigos nas Américas de norte a sul, não poupando esforços nem sendo esquisitos na escolha de métodos para a consecução desse resultado. Mas esta eventualidade não pode ser tomada como semelhante ao invocado caso da Ucrânia perante a Rússia: é bem sabido que aos Estados Unidos assistem direitos com que a Rússia não pode sequer sonhar. Por isso é que há o Mundo Livre e o Outro.
Cem mil
A notícia dada pela TV era complementada com a informação de que cem mil militares norte-americanos ou equiparáveis já estavam postados no Leste europeu, suposta ou assumidamente disponíveis para uma intervenção consequente a qualquer iniciativa russa. Os cidadãos comuns e pacíficos não saberão se cem mil homens são muitos ou poucos para a eventual tarefa de defenderem a integridade não só territorial mas também ideológica da Ucrânia, mas a informação decerto não dará tranquilidade a quem entenda que cem mil militares supostamente em pé de guerra dificilmente são contribuição para uma situação tranquila e distensa. Ao que consta e a TV reflecte, a Ucrânia terá o sonho já não muito secreto de entrar para o clube selectivo que é o Pacto do Atlântico, o que não cairá muito bem aos olhos críticos de Moscovo. De onde o receio de uma atitude pouco compreensiva da Rússia; de onde também os tais cem mil convocados para olharem para Leste e para se manterem em guarda. Usemos uma imagem decerto tosca mas talvez adequada: não se está já em véspera de um conflito, mas já se ouvem o que parece serem tambores de guerra. A pergunta é quem os faz soar. E com que implícito risco. Para o mundo. Para todos.