Reverter 30 anos de uma política ferroviária desastrosa e mal intencionada

A propósito do encerramento do Ano Europeu do Transporte Ferroviário, o deputado do PCP no Parlamento Europeu, João Pimenta Lopes, viajou de Lisboa até Estrasburgo de comboio, uma viagem incrivelmente longa e atribulada e que é reveladora da a grave situação em que se encontra o sector ferroviário.

Desde 1988 que os portugueses perdem transporte ferroviário

Os resultados da política de direita e das imposições da União Europeia (UE) são mais do que evidentes neste sector: em 30 anos foram encerradas 290 estações e apeadeiros, 1200 quilómetros de linhas e ramais estão desactivados e 20 mil postos de trabalho foram extintos.

A Comboios de Portugal (CP) foi desmembrada em inúmeras fragmentações, de que é exemplo o ilustre caso da Medway – Transporte e Logística, que absorveu a anterior CP Carga. A privatização e posterior encerramento da Sorefame, às mãos da multinacional Bombardier, implicou o abandono da produção de material circulante e a Siderurgia Nacional deixou de produzir carril, hoje totalmente importado.

Este panorama dramático que marca o sector ferroviário nacional é indissociável de um cenário mais vasto, europeu. Aliás, a mercantilização e a privatização do sector foram promovidas pelas orientações da UE e dos seus vários «pacotes ferroviários».

Meses de propaganda e de insistência na suposta necessidade de uma maior utilização do comboio como meio de transporte – protagonizada pela Comissão Europeia e pelo Governo português – não são suficientes para esconder a realidade contraditória em que se verifica um imenso retrocesso no plano da rede ferroviária em Portugal e das ligações internacionais europeias.

Política descarrilada

O deputado comunista no Parlamento Europeu, João Pimenta Lopes, procurou denunciar o grave cenário em que se encontra o sector ferroviário a partir do caso particular da viagem de comboio de Lisboa até Estrasburgo, cidade francesa onde se realizam as sessões plenárias do Parlamento Europeu.

Se João Pimenta Lopes tivesse realizado esta viagem há pouco mais de um ano, poderia ter partido de Lisboa e viajar directamente até Madrid através do Lusitânia Expresso ou mesmo até Paris, no Sud Express: isto significaria que a viagem de Lisboa até Estrasburgo duraria pouco mais do que 20 horas.

Porém, após o encerramento das principais ligações ferroviárias internacionais de passageiros, os portugueses estão limitados à ligação Porto-Vigo e Entroncamento-Badajoz. Assim, o deputado comunista viajou de Lisboa até ao Entroncamento e daí seguiu até Badajoz, num percurso que corresponde a um troço não electrificado da linha, numa automotora a diesel que não ultrapassa os 60km/h.

De Badajoz seguiu para Madrid, de Madrid para Barcelona, de Barcelona até Paris e, finalmente, de Paris até Estrasburgo, contabilizando, no total, quase 60 horas de viagem e cinco ligações distintas.

Em menos de um ano, a ligação mais rápida entre Portugal e Estrasburgo quase que triplicou e o futuro da ligação entre Entroncamento e Badajoz também é incerto.

«Quase 59 horas depois de arrancar de Lisboa, é já no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, que dou por finda esta viagem», testemunhou João Pimenta Lopes por gravação vídeo já depois da epopeia que lhe levou três dias. «Esta viagem terminou, mas não a intervenção em defesa da ferrovia. Não podemos aceitar o enorme retrocesso que foi imposto à ferrovia nos últimos anos e que pudemos testemunhar nesta viagem», disse também.

«Três dias de viagem feitos em quase 60 horas, que há dois anos poderia ter sido feita em 22 horas. Aí estão as consequências do processo de liberalização do sector da ferrovia promovidos a partir da UE e do desinvestimento por parte de sucessivos governos», declarou o deputado e membro do Comité Central, já em sessão plenária do Parlamento Europeu. Esta viagem é a «ilustração prática daquilo com que muitos portugueses se confrontam no dia de hoje», disse também.

Soluções para o País

Ao contrário do que até agora se tem verificado, Portugal precisa de uma rede ferroviária que assegure efectivamente o direito das populações à mobilidade, garantindo a ligação em rede de todas as principais cidades, mas também aos seus portos, aeroportos e centros logísticos. Para o PCP, no que concerne ao sector ferroviário, este é o caminho para responder às necessidades de desenvolvimento soberano do País e potenciar melhorias ambientais e uma efectiva coesão económica, social e territorial.

A par disso, o País precisa, igualmente, da reunificação e reconstituição de todo o sector ferroviário nacional, agregando o meio operativo, a infra-estrutura e manutenção numa empresa única e pública, bem como de recuperar a capacidade produtiva nacional de material necessário ao sector: carruagens, carris, catenárias, etc.

 

«Muita terra para poucos comboios»

No dia 16, o PCP realizou uma tribuna pública precisamente sobre a ferrovia, na Gare do Oriente, na qual participou João Pimenta Lopes e onde várias pessoas com ligação ao sector ferroviário deixaram impressivos e reveladores testemunhos.

«Veja-se a taxa de realização do plano de investimentos Ferrovia 2020 apresentado em 2016, que previa intervenções em cerca de 830 km de linhas. Apenas a quarta parte está realizada e está por concluir ou executar 75 por cento do previsto nesse plano.»

Francisco Asseiceiro, Comissão de Actividades Económicas do PCP

«Estamos a assistir a um discurso político em Portugal acerca do caminho-de-ferro que não tem consistência nem impacto no dia-a-dia. O que não se fala é dos trabalhadores, não há ferrovia sem ferroviários.»

José Manuel Oliveira, coordenador da FECTRANS

«O desinvestimento das últimas décadas no sector ferroviário tem-se traduzido numa perda de qualidade do serviço prestado, que é perceptível tanto para quem trabalha como para quem utiliza o serviço.»

Jorge Costa, Comissão de Trabalhadores da CP

«Tal como o País, os trabalhadores da Medway também continuam a sentir as consequências da privatização. A privatização da CP Carga significou a alienação de activos estratégicos e o desmembramento do sector ferroviário nacional.»

Pedro Ferreirim, Comissão de Trabalhadores da Medway

«A situação dos trabalhadores da CP é má. Durante muitos anos vimo-nos confrontados com governos que, praticamente, abandonaram os trabalhadores. Neste momento, temos um Governo que se limita às palmadinhas nas costas. Não queremos palmadinhas para nada.»

Tiago Matos, Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário

«Se o apeadeiro de Chelas funcionasse, eu estaria em 15 minutos na minha faculdade, mas como não funciona, demoro uma hora. O apeadeiro de Marvila reabriu e se passarmos por lá às 8h da manhã assistimos a muitas pessoas a utilizarem o comboio. Isto também poderia acontecer no de Chelas e só não acontece porque o Governo não quer.»

Daniela Fajardo, utente de transporte públicos