Democracia em farsa maior

Luís Carapinha

Não há limites para a hipocrisia do imperialismo

A Cimeira virtual «para a Democracia» organizada por Biden é mais um acto, emproado, da construção da nova cortina de ferro que se abate sobre o mundo. Não há limites para a desfaçatez e hipocrisia do imperialismo na tentativa de segurar uma hegemonia desgastada.

Na tela com os rostos dos ilustres participantes lá estava, sorridente, Bolsonaro para dar ainda mais crédito ao tema da reunião: defesa da democracia, dos direitos humanos e luta contra a corrupção! Talvez um dos objectivos da sua presença fosse esse: espantar os demónios do estado da democracia nos EUA (e do seu papel democrático no mundo), 11 meses volvidos da invasão do Capitólio por uma turba de apoiantes de Trump. O registo democrático dos EUA fala por si. Basta mencionar o poder irrestrito do grande capital; o muro das desigualdades e do racismo; os índices da violência e recorde do consumo de drogas; o maior contingente prisional do mundo, cerca de 25% do total mundial; a segregação de direitos básicos, como a saúde, concorrendo para a cifra obscena de mais de 800 mil mortos pelo novo coronavírus, na maior economia do planeta.

Cenário não menos negro no plano internacional. Os EUA não têm rival no número de agressões, invasões e golpes de Estado. No estado de guerra permanente, na prática do terrorismo de Estado, imposição arbitrária de sanções, negação do direito internacional, dos direitos dos povos e liberdades individuais (lembrem-se da prisão na base de Guantánamo, em território ocupado de Cuba). A ditadura do dólar corre a par do militarismo desenfreado. Nas vésperas da Cimeira, a Câmara dos Representantes aprovou um orçamento militar da ordem dos 770 mil milhões de dólares, quase 40% do gasto mundial. A decisão favorável à extradição de Assange para os EUA, conhecida no último dia do conclave da Casa Branca, sublinha o cinismo dominante. O seu crime foi ter exposto os crimes de guerra cometidos pelos EUA, o infindável rol de iniquidades do farol da democracia.

É evidente que o rei vai nu e que a farsa da democracia e dos direitos humanos persegue uma agenda profunda. Dois destinatários principais perfilam-se, por esta ordem. China e Rússia. O que não significa que a pressão e a escalada provocatória que tem como foco o país euro-asiático, procurando tirar partido de debilidades estratégicas, seja menor ou menos perigosa. O agravamento ostensivo da situação no Leste europeu, com a expansão dos EUA e NATO, e a transformação da Ucrânia em joguete do imperialismo, é um jogo cada vez mais arriscado.

Não há que esquecer que, no actual contexto de mar revolto e águas turvas, afastar Rússia e China e travar a cooperação dos dois países vizinhos tornou-se uma obsessão proeminente para os EUA. Cheira a Munique, exclama um dirigente estónio, após o encontro vídeo de Biden e Pútin... A parada é muito alta. Aos instigadores e apologetas da nova guerra fria e linhas de divisão no mundo cabe advertir: cavam a própria sepultura.




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