Compatriotas
Informa-nos a televisão de que são dois milhões os portugueses na situação técnica de pobreza. É muito pobre, infelizmente. Dada assim, porém, de uma forma tão sintética, a informação deixa espaço para muitas dúvidas, muita curiosidade, algumas interrogações, e uma destas será acerca dos dados que definem a situação de pobreza. Talvez alguns de nós tenham interiorizado que pobres, pobres, são quase apenas os que recorrem à chamada caridade pública, mas é claro que esse tão apertado critério exclui muitas formas de pobreza efectiva e dramática, de onde a conveniência, se não a necessidade, de ampliar o critério para que fiquemos mais perto da aliás tristíssima verdade. E porque esta questão que envolve pobreza, país e gente, é de uma fundamental importância, muito bem se compreenderia que a TV, que aflorou o tema, sobre ele se demorasse e nos desse a saber mais dados. Não porque a sabença fosse desde logo um antídoto contra esse mal, mas porque poderia ser um bom princípio para um combate necessário e, como bem se entende, urgente. Uma viagem triste Infelizmente para nosso e seu mal, a televisão portuguesa, quer na sua versão pública quer nas versões privadas, não dá sinais de que lhe apeteça enveredar por esse caminho que poderia talvez revelar-se pedregoso para ela mas útil para o país. E é esse seu aparente fastio que se lamenta. Ao reconhecer a dimensão da pobreza no nosso país a televisão fica autoconvocada para fazer que não nos fiquemos por nesse reconhecimento, e a TV pública está tacitamente obrigada a fazer o necessário para que se ultrapasse essa situação inicial. Ao longo dos dias, a televisão mostra-nos muitas coisas, leva-nos a viajar por muitas realidades. Pois bem: cumpre-lhe levar-nos a fazer uma viagem triste mas necessária, uma viagem que nos leve aos muitos recantos da pobreza em Portugal. Entenda-se: a pobreza é um inimigo e aos inimigos é preciso conhecê-los para que os possamos vencer. E não é aceitável que se acene com o eventual argumento de que é ao Estado que compete esse combate, pois em verdade o Estado é na circunstância o carro de combate de todos nós, que temos sobre ele o direito de exigir, de encaminhar, de pedir contas. Neste caso, o direito de lhe exigir que combata a pobreza e não, como por vezes parece, que combata os pobres para proveito dos que estão bem longe de o ser.