Biquínis

Anabela Fino

A Villa Romana Del Casale, na Sicília, construída por volta do século IV d.C. e Património Mundial da Humanidade desde 1997, é conhecida pela riqueza e qualidade dos seus mosaicos, os melhor conservados in situ de todo o mundo romano.

Entre as muitas coisas que este fabuloso legado nos mostra consta um conjunto de figuras femeninas em actividades desportivas, tendo como vestuário duas peças: uma faixa para tapar os seios, tipo «cai-cai», e uma tanga. Isso mesmo, o famoso biquíni, que em 1946 havia de revolucionar a moda e os costumes, afinal já existia na Roma e Grécia antigas.

Entre nós, a «modernidade» do biquíni fez a sua travessia no deserto, enfrentando entre outras coisas um conjunto de regras impostas em Hollywood a partir de 1934, o famoso Código Hays, que proibia a exposição do umbigo em películas, pelo que todas as peças inferiores da roupa tinham de ser de «gola alta», ou seja, de cintura subida.

Proibido em muitas praias durante longo tempo, só nos anos 60 é que o biquíni conquistou o seu lugar ao Sol, ficando imortalizado na sequência cinematográfica em que Ursula Andress, de biquíni branco e facalhão à ilharga, emerge do mar no filme Dr. No, da saga 007.

Pois a controversa peça de roupa, baptizada de «bikini» por Louis Réard e apresentada ao público dias depois de os EUA terem levado a cabo a primeira experiência atómica no atol de Bikini, volta a estar no centro da polémica, desta vez pelas razões inversas.

Num tempo em que seria de esperar que a civilização ocidental já tivesse pelo menos pudor em explorar o corpo das mulheres, eis que a Federação Europeia de Voleibol sancionou com uma multa de 1500 euros a equipa norueguesa de voleibol de praia por ter comparecido a um jogo de calcão curto em vez de biquíni. O caso ocorreu em meados de Julho e não mereceu por cá particular atenção, mas as ondas de choque continuam a fazer-se sentir.

O desejo das jogadoras de usar equipamento mais confortável esbarrou no regulamento da Federação Internacional da modalidade, que estabelece que as «jogadoras devem usar a parte de baixo do biquíni (...) ajustada» e que as «parte laterais devem ter um máximo (sublinhado nosso) de dez centímetros de altura».

De símbolo da libertação da mulher a símbolo da exploração machista do corpo feminino, o biquíni leva na sua história a história de uma sociedade onde direitos e liberdades permanecem de géneros diferentes, por mais que se apregoe o contrário.

Impor o uso de uma peça de roupa para que fique exposto mais um palmo de carne deve render muito nos contratos com anunciantes que à boleia do desporto exploram libidinosos desejos, mas devia encher de vergonha quem pactua com tais práticas. As mulheres não merecem e o biquíni também não.




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