Reforma da PAC é vitória de Pirro

João Frazão

Ao cair do pano da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu, chegou-se a um acordo político quanto à revisão da Política Agrícola Comum. O Governo cantou vitória, a Ministra da Agricultura falou mesmo, num primeiro ímpeto de euforia, da reforma mais ambiciosa de sempre, o elenco governativo do Ministério prepara-se agora, ao que se percebe, para um périplo pelo país para anunciar a boa nova.

Reforma não resolve os principais problemas da PAC nem assegura a nossa soberania alimentar

É preciso então situar o ponto em que estamos.

Em primeiro lugar, importa saber a quem é que o Governo vai anunciar essas novidades. Quem são os seus interlocutores. Que tecido agrícola temos em Portugal depois de três décadas de penetração da PAC no nosso País.

Quando, em 24 Novembro de 2017, realizámos a audição «Revisão da PAC pós 2020. Contra o aprofundamento da liberalização», em Vila Real, afirmámos o que os Censos Agrícolas viriam a confirmar.

30 anos de PAC e de opções agrícolas nacionais, de submissão cega às orientações da União Europeia e aos interesses do grande agronegócio, foram responsáveis pela destruição de 400 mil explorações, particularmente pequenas e médias, pela perda de centenas de milhares de empregos, mais precisamente 700 mil, por cerca de um milhão de hectares de terras que passaram a pastagens permanentes, pelo aumento da área média das explorações de 6ha para 13ha, pelo êxodo das populações que deixam terras sem gente, sem agricultura, sem futuro, pelo aumento da dependência alimentar e agravamento da balança comercial agro-alimentar.

Repare-se que, de acordo com o Boletim Mensal de Estatística do INE, apenas entre Agosto de 2020 e Fevereiro de 2021, o saldo das importações e das exportações de produtos agrícolas e alimentares foi de 2038 milhões de euros negativos!

Nos últimos dez anos, entre 2009 e 2019, perderam-se mais 15 mil explorações, intensificou-se a concentração, com o aumento da área média das explorações em 13,7%, há um novo decréscimo de 11% das terras aráveis, ao passo que as pastagens permanentes voltam a crescer (14,9%), passando a ocupar mais de metade da Superfície Agrícola Utilizada, e as culturas permanentes aumentam 24,6%. Reduz-se o número de explorações de bovinos, sector em que temos um brutal défice que passou em 2019 dos 460 milhões de euros anuais.

Os produtores agrícolas individuais têm em média 64 anos, mais dois anos que em 2009, agravando o envelhecimento do tecido agrícola, 46,3% só concluíram o primeiro nível do ensino básico e 53,0% têm formação agrícola exclusivamente prática.

Na floresta, acentuou-se a prática da monocultura, alargou-se, de forma alarmante, a área de eucalipto, com recuo, quer do sobreiro quer do pinheiro bravo, e não se vê resultados dos sucessivos planos, da «maior reforma» desde o tempo de D. Dinis, de que falava o anterior Ministro da Agricultura, de inúmeras alterações legislativas.

Não há uma verdadeira política de apoio aos baldios, com o ICNF a não assumir as suas responsabilidades. Situação agravada pela decisão do actual Governo de separar as florestas da agricultura, quando o que predomina no nosso País é a articulação entre a Produção agrícola e florestal.

Este é o retrato da agricultura portuguesa.

Problemas estruturais
Não se trata de esconder sucessos e evoluções positivas. Sabemos do crescimento de certos sectores, que aliás nos garantem a autosuficiência, onde se destaca o azeite. Mas com que custos económicos, sociais e ambientais? Sabemos do aumento da mecanização e da agricultura de precisão. Sabemos que a superfície potencialmente regada aumentou 16,6%, passando a beneficiar 69,7% dos pomares de frutos frescos, 11,5% dos pomares de casca rija, 31,7% dos olivais e 27,8% das vinhas.

Trata-se tão somente de não iludir problemas estruturais, de que a situação na agricultura familiar, no leite ou nos cereais é preocupante exemplo.

O Governo canta vitória.

Mas de que nos serve essa vitória se todos os vícios da PAC lá continuam?

Os apoios vão continuar a ser repartidos injustamente, como até agora, em que 7% dos maiores beneficiários recebem 70% do total das ajudas, dirigidos para o grande agronegócio, reservando para a pequena e média agricultura as migalhas do costume.

Quando lançámos este debate, referimos que a Reforma da PAC deveria «assegurar o equilíbrio e a justiça das ajudas entre países, produções, produtores e regiões».

O Governo dirá que é isso que está a acontecer com o processo de convergência interna das ajudas do 1.º Pilar da PAC a 100%, nivelando todos os direitos pela média nacional. Um processo à Robin dos Bosques, mas ao contrário, com o Governo a tirar aos pequenos para dar aos grandes, uma vez que é o próprio Gabinete de Políticas e Planeamento do Ministério que afirma, caso esta opção se mantenha, que em 2022 um diminuto número de explorações com mais de 1000 ha vai passar a receber anualmente mais nove milhões de euros.

Processo no qual o sector leiteiro será particularmente atingido, podendo perder mais de 70% das ajudas. Isto é o Governo a dizer que dá com uma mão, mas a tirar com as duas!

Dissemos também em Novembro de 2017, que a PAC teria de «assegurar os apoios preferenciais à pequena e média agricultura, no respeito pelas realidades de cada país e de cada povo».

Também aqui, o resultado não é o desejado. A proposta da Comissão de não estabelecer tecto máximo para o Regime da Pequena Agricultura (RPA) deu lugar a um tecto máximo de 1250 euros. Os mesmos que recusaram um limite obrigatório para pagamentos acima de 100 mil euros, que ficou apenas facultativo, acharam que 1250 euros para os pequenos já é demais!

O PCP propôs no PE um apoio garantido de 2500 euros. Foi chumbado. Propusemos agora na AR que em Portugal o RPA beneficie desse apoio máximo previsto nos regulamentos da PAC – 1250 euros. Veremos como se posicionam os que cantam vitória.

A PAC vai continuar a não ter mecanismos de regulação do mercado que, dizíamos há três anos, são essenciais «para assegurar o direito de cada país a produzir. Regulação que garanta o escoamento da produção a preços justos, pedras angulares de uma política que ponha o país a produzir».

A decisão de prolongar, até 2045, os direitos de plantação da vinha, sendo positiva, é em si mesma uma afirmação de que o caminho do seu desmantelamento é errado. É que, aumentando 1% ao ano na área plantada de vinha, isso pode significar, a entrada no mercado de áreas tão grandes como a totalidade da vinha portuguesa.

A agravar a opção de não regulação dos mercados, continuam previstas negociações para acordos multilaterais de comércio, como o que está em andamento com o Mercosul que, para permitir que os alemães, os franceses ou os países nórdicos possam exportar a sua tecnologia, vão escancarar as portas a maiores importações de produtos agrícolas, produzidos em más condições e com preços muito mais baixos, que uma vez mais trarão a ruína para as nossas produções.

Persistentes desigualdades
Nesta revisão não se assegura que as ajudas vão estar ligadas à produção, prevendo-se agora apenas a obrigatoriedade de 15% o serem, mantendo algo absolutamente injustificável, que é «atribuir milhões de euros de ajudas sem que se tenha de produzir um grama sequer de alimentos», como dissemos na altura.

A revisão da PAC acentua o discurso em torno do ambiente para permitir que os grandes se encaixem, com eco-regimes feitos à medida, para receberem ainda mais dinheiro. Ninguém se espante que as produções intensivas de olival ou de amendoal, que as grandes estufas das multinacionais, venham a receber ainda mais em função de uma condicionalidade feita à medida, ao passo que os pequenos agricultores serão ainda mais penalizados por não conseguirem aceder às mais inovadoras técnicas de intensificação.

Introduz-se agora a condicionalidade social, com a possibilidade de não atribuir apoios a quem seja condenado por práticas contrárias à legislação laboral. Mas por um lado continuarão a faltar os meios para fiscalizar, como aliás até agora. Disse a Ministra da Agricultura numa entrevista que até já existia uma penalização para os agricultores que não cumprissem os direitos laborais. E nós perguntamos quantas vezes foi aplicada essa penalização no nosso país? Nenhuma.

Por outro lado como as grande unidades agrícolas não têm relação jurídica com os seus trabalhadores, antes com empresas de aluguer de mão-de-obra que se eclipsam quando aparecem problemas, aqueles nunca serão condenados.

Perguntamos que vitória de Pirro é esta que não assegura a defesa da nossa soberania alimentar, objectivo que defendemos como «central», «entendido como o direito a produzir o que tenha capacidade de produzir e entenda ser útil à alimentação do seu povo», e não resolve os principais problemas da PAC.

A revisão da Política Agrícola Comum não assegura a resposta aos problemas com que a agricultura nacional se confronta, antes confirma a PAC como uma das causas desses problemas, em especial no que se refere à situação dos pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar. O acordo alcançado continua a manter inaceitáveis desigualdades na distribuição das verbas da PAC e acentua o favorecimento da concentração da propriedade e da actividade agrícola.

Pela nossa parte, chumbamos esta reforma. Mas vamos bater-nos para que no Plano Estratégico da PAC (PEPAC), no plano nacional, se tomem todas as medidas para mitigar os seus problemas e para potenciar, ao máximo as suas possibilidades, designadamente exigindo o apoio aos pequenos e médios agricultores e a máxima ligação à produção. E continuamos a afirmar que o caminho é de luta, por outras políticas agrícolas, pela defesa da nossa agricultura, da nossa produção e da soberania nacional, como aliás fizeram os mais de 1000 agricultores que, a 14 de Junho foram a Lisboa, na grande acção promovida pela Confederação Nacional da Agricultura.

Nessa luta podem sempre os agricultores contar com o PCP.