Só com o SNS se garante o direito à Saúde

É preciso inverter o rumo de degradação do Serviço Nacional de Saúde, «recuperando o sentido democrático, universal e solidário da sua matriz original», apelou Jerónimo de Sousa na tribuna pública realizada no dia 1 em Algueirão-Mem Martins, no concelho de Sintra.

A prioridade do SNS é a protecção da Saúde; a dos privados é o lucro

Nesta tribuna, inserida numa acção mais global que o PCP levou a cabo nas semanas anteriores (ver caixa), estiveram em destaque as principais carências que afectam o Serviço Nacional de Saúde, a denúncia dos interesses que se escondem por detrás do continuado desinvestimento e as propostas para inverter a tendência de degradação e dotar o SNS dos meios necessários para que cumpra o seu papel de único instrumento capaz de garantir a todos, sem excepção, o direito à saúde, hoje e no futuro.

A resposta à epidemia de COVID-19, aliás, demonstrou-o cabalmente: enquanto o SNS travava um combate sem tréguas contra o novo coronavírus, os grupos privados fechavam portas ou reduziam a actividade. Reforçar as unidades do serviço público de Saúde, a todos os níveis, é uma questão fundamental, pela qual o PCP se bate desde sempre.

Como afirmou Jerónimo de Sousa, a persistência da epidemia «coloca a necessidade de respostas urgentes aos problemas» do SNS, como de muitos outros sectores. Mas esta resposta não pode assentar na adopção de medidas restritivas, mas na criação de condições para dinamizar as actividades económica, social, cultural e desportiva.

As medidas a tomar, realçou ainda o Secretário-geral do Partido, «não podem estar dependentes apenas de critérios epidemiológicos, em que as oscilações em relação ao número de incidências determinam o confinamento, o desconfinamento e o volta a confinar, numa sucessão de opções erradas que estão a criar grandes dificuldades nos planos económico e social»: no dia em que se realizou a tribuna pública, estavam internadas nas unidades do SNS de todo o País 509 pessoas com COVID-19, das quais 113 em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI); a 6 de Fevereiro, por exemplo, os internamentos ascendiam a 6428, dos quais 865 em UCI – um valor 12 vezes superior ao actualmente registado.

Para Jerónimo de Sousa, sendo a vacinação a «solução mais sólida e eficaz no combate à doença», não se compreende como é que o Governo e a União Europeia continuam a obstaculizar a aquisição diversificada de «outras vacinas já reconhecidas pela OMS», acumulando sucessivos atrasos no processo de vacinação.

O PCP insiste na necessidade de vacinar todos e rapidamente, de testar a partir da definição rigorosa de critérios, e de fazer o rastreio dos novos casos e dos contactos por estes estabelecidos. Para tal, exige-se a tomada de medidas céleres: a aquisição de outras vacinas, a contratação de mais profissionais com o objectivo de permitir o pleno funcionamento dos centros de vacinação existentes e de outros a criar; e a contratação de mais profissionais, dos mais de 500 em falta na estrutura de saúde pública, a fim de garantir o rastreio de novos casos.

Prioridade à saúde ou ao lucro?

Assumir que o SNS foi determinante para a resposta à epidemia de COVID-19 não leva a concluir que tudo está bem e que não se verificam enormes carências materiais e humanas nas suas unidades. Porém, e por mais que alguns sectores o procurem difundir, nada leva a concluir que a solução para vencer o surto epidémico e recuperar os atrasos verificados nas restantes áreas possa estar no sector privado. Antes pelo contrário.

A questão deixada por Jerónimo de Sousa quase no final da sua intervenção só tem uma resposta, e não é agradável: «o que teria acontecido se a grande maioria dos portugueses estivessem dependentes de um seguro de saúde e da prestação de cuidados nas unidades privadas que, quando a epidemia atingiu maior gravidade, diminuíram ou fecharam mesmo a actividade?»

Para o PCP, no SNS universal, geral e gratuito, a administração pública assume a função prestadora de cuidados e a função financiadora e reguladora, o que «permite o planeamento orientado para as necessidades reais das populações» e não para a «maximização do lucro». Este é o espírito dos seguros de saúde, surgidos no final do século XX, e que hoje já atingem mais de 2,6 milhões de portugueses, em virtude da contínua desvalorização e degradação do SNS por sucessivos governos do PS, PSD e CDS.

É graças a este «continuado ataque» ao SNS, marcado por subfinanciamento, descoordenação, fragmentação e privatização de serviços e unidades, que os profissionais do sector perderam direitos (alguns foram para o privado ou para o estrangeiro), aumentaram os custos para as famílias e degradou-se a resposta em algumas áreas. Aliás, alertou o Secretário-geral do Partido, a não ser parada a ofensiva contra o SNS e o País poderá regredir em alguns macro-indicadores de saúde, em particular nas taxas de mortalidade geral e específica das doenças crónicas.

A «porta de entrada» no SNS

Jerónimo de Sousa propôs, naquela ocasião, uma «aposta forte nos cuidados de saúde primários, a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde», lembrando que a Organização Mundial de Saúde os considera «parte integrante do desenvolvimento sócio-económico da comunidade». De facto, os Cuidados de Saúde Primários são o primeiro elemento de um «processo permanente de assistência sanitária que, ao aproximar os cuidados de saúde do lugar onde vivem e trabalham as pessoas, são o primeiro nível do seu contacto com o Serviço Nacional de Saúde».

O que se exige, prosseguiu o dirigente comunista, é que estes cuidados se centrem «na saúde e na sua promoção, na prevenção das doenças e na prestação de cuidados de forma continuada e global por equipas, integrando médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar e outras profissões, orientando a sua acção por princípios de colaboração intersectorial, participação comunitária e auto-responsabilização».

Este «investimento sério», que há muito o PCP defende, visa garantir médico e enfermeiro de família para todos, a inclusão de outras especialidades médicas e a realização de exames de diagnóstico, de modo a garantir que a «grande maioria dos episódios médicos têm solução a este nível de cuidados». Hoje, cerca de 70 por cento deles são resolvidos a nível hospitalar, «com custos mais elevados e com o aumento das dificuldades na gestão dos meios hospitalares».

Quanto à «despesa pública», essa preocupação de alguns sectores (que se esquecem dela quando se trata de acorrer aos accionistas dos bancos privados), não se resolve com a «municipalização da gestão dos centros de saúde, que mais tarde ou mais cedo passarão para as mãos dos grupos económicos».


Prioridades imediatas

Ao longo do mês de Junho o PCP levou a cabo uma acção nacional pela defesa e valorização do Serviço Nacional de Saúde. No folheto que a suportava, denunciava o desinvestimento, a degradação das condições de trabalho dos profissionais e o favorecimento dos grupos privados. Para garantir o direito à saúde, exigia:

  • Concretizar as medidas aprovadas no Orçamento do Estado, propostas pelo PCP;

  • Garantir equipas de saúde familiar, contratando os profissionais necessários – médicos, enfermeiros, assistentes técnicos e operacionais –, alargando a outras valências os Cuidados Primários, designadamente de Medicina Dentária, Oftalmologia, Psicologia, Fisioterapia, Consulta da Dor, Exames Complementares de Diagnóstico e Urgência Básica;

  • Reforçar a capacidade de resposta dos Cuidados de Saúde Primários em Cuidados Continuados e Paliativos no Domicílio;

  • Reforçar a estrutura de saúde pública, recrutando os mais de 500 profissionais em falta para dar resposta aos problemas do presente em resultado da actual crise epidémica e preparando-a para situações futuras;

  • Reforçar e renovar os equipamentos por forma a garantir que o SNS preste directamente e com qualidade muitos serviços que hoje são transferidos para os grupos privados;

  • Alargar o número de camas hospitalares, nomeadamente camas de cuidados intensivos e de agudos, como se demonstrou durante a pandemia;

  • Valorização de todos os trabalhadores do SNS.


O caso paradigmático de Sintra

A tribuna pública do passado dia 1 poderia ter sido realizada em qualquer freguesia ou concelho do País, tantas e tão graves são as carências existentes no Serviço Nacional de Saúde. Porém, a escolha daquele local específico – junto ao novo Centro de Saúde de Mem Martins – não terá sido um acaso: só naquela freguesia, 31 mil utentes estão privados de médico de família, número que ascende a mais de 90 mil na totalidade do concelho.

A construção das novas instalações, com verbas municipais, não resolveu os problemas existentes, pois se antes existiam oito médicos (para um universo de 43 mil inscritos naquela Unidade de Cuidados de Saúde Primários), hoje há apenas sete, em virtude da saída de um deles para a aposentação. «Como se não bastasse, o número de profissionais de saúde está ainda mais reduzido, em virtude de alguns profissionais terem sido desviados para a vacinação COVID-19», denunciou Amália Alface, primeira candidata da CDU àquela união de freguesias.

Também os centros de saúde de São Marcos, Várzea de Sintra, Massamá, Sintra, Agualva, Queluz, Almargem do Bispo e Belas foram (ou serão) construídos com verbas municipais e sem que isso represente qualquer reforço ao nível dos profissionais, realçou o vereador comunista na Câmara Municipal, Pedro Ventura. O executivo municipal desvia assim verbas úteis noutras áreas «para tapar o buraco deixado pelo Governo», que à semelhança dos seus antecessores continua a não manifestar qualquer vontade em «resolver os graves problemas da área da saúde identificados no concelho», acrescentou o também candidato à presidência da Câmara Municipal pela coligação PCP-PEV.

Nas restantes zonas do concelho, a situação não é muito diferente, como testemunharam outros oradores que participaram na tribuna, vindos por exemplo de Belas ou do Bairro da Tabaqueira: os milhares de utentes sem médico de família, a perda de valências dos centros de saúde, as listas de espera, as unidades mal servidas de estacionamento ou transporte público.

Sintra é, assim, um exemplo paradigmático da política de sucessivos governos (responsabilizando PS, PSD, CDS) para o sector da Saúde: desinvestimento no SNS e favorecimento dos grupos privados que lucram com a doença. Aliás, não muto longe do local onde se realizou a iniciativa existe desde há poucos anos uma grande unidade do Grupo CUF e poderá estar para breve a abertura de uma outra, do Grupo Trofa Saúde.

Já o hospital público de Sintra é, para o candidato, uma «longa e triste história», feita de mil e uma promessas e outros tantos enganos: apesar de estar inscrito desde 2002 no Plano Director Regional do Equipamento de Saúde, não só não foi ainda construído como o Governo se prepara – com o apoio da Câmara Municipal – para o substituir por um «mini-hospital», com 60 camas de internamento e não com as necesssárias 300. A construção deste hospital é tão mais urgente quanto Sintra é o segundo concelho mais populoso do País e é servido por um hospital que, quando foi inaugurado, em 1995, encontrava-se já sob pressão: nessa data servia 400 mil pessoas (mais do que aquelas para a qual foi concebido) e hoje serve 600 mil.

O PCP votou contra a solução do «mini-hospital», aprovada por PS, PSD, CDS, BE e PAN, que assim contribuíram – todos – para «adiar a construção de um hospital distrital em Sintra». Da parte dos comunistas e dos seus aliados, a luta continua «por um hospital público, com gestão pública, com 300 camas e integrado no SNS».

A tribuna foi apresentada por Ana Maria Alves, candidata à presidência da Assembleia Municipal.




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